Dieese lança dicionário com os principais termos do movimento sindical

O que o Dieese propõe é um pouco mais que “dicionarizar” termos. Divididos em nove eixos temáticos, os verbetes vêm acompanhados de explicações e, por vezes, análises, ainda que em níveis distintos

Em 1986, o Brasil vivia o início da redemocratização, a liberdade sindical ainda não estava consagrada na Constituição e duas centrais polarizavam o sindicalismo – a CGT (Central Geral dos Trabalhadores) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores). Foi naquela conjuntura que o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), ainda sob a direção do economista Walter Barelli, lançou o Dicionário de Campanha Salarial.

Nesta quinta-feira (5), em muito boa hora, uma live no canal do Dieese no YouTube marcou o lançamento de uma nova versão do Dicionário, agora virtual. Como o conteúdo foi ampliado e atualizado, a entidade preferiu adequar também o nome da publicação, que passa a se chamar Dicionário da Atividade Sindical – 100 Termos Técnicos Úteis ao Trabalho de Sindicalistas, Militantes e Assessores Sindicais.

Resumir a ação sindical em um punhado de termos pressupõe recortes e escolhas. Na apresentação do Dicionário, o Dieese descreve a quais “questões ligadas às diversas dimensões do trabalho sindical” o livro se ateve:

“no contato direto com os/as trabalhadores/as da base, no trabalho de formação sindical, nas campanhas para renovação de Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho, nas mesas de negociação propriamente ditas, na imprensa sindical, nos processos judiciais de que os sindicatos participam como representantes dos/as trabalhadores/as (dissídios individuais e coletivos na Justiça do Trabalho), nas entrevistas de dirigentes, ativistas e assessores/as sindicais à imprensa, etc.”.

O que o Dieese propõe é um pouco mais que “dicionarizar” termos. Divididos em nove eixos temáticos, os verbetes vêm acompanhados de explicações e, por vezes, análises, ainda que em níveis distintos. Palavras e expressões familiares à maioria das categorias e dos sindicatos, como data-base, convenção e acordo coletivos, têm definições básicas. Em compensação, verbetes ligados ao trabalho e à jornada, por exemplo, são mais contextualizados, com a devida indicação da legislação incidente.

O “Grupo Temático VII – Financiamento Sindical” traz um bê-á-bá indispensável a todos os repórteres e articulistas (em especial, os da grande mídia) que cobrem o movimento dos trabalhadores – e que teimam em desinformar leitores, ouvintes e telespectadores. Ali ficam claras as diferenças entre as diversas modalidades de financiamento das entidades, como a mensalidade, o imposto sindical, as contribuições assistencial e negocial, além da contribuição confederativa.

A ênfase em palavras e expressões econômicas permanece. Mais técnicos, os capítulos sobre indicadores – “econômicos” e “do mercado de trabalho” – são excelentes aulas, de grande didatismo, bem como a rica exposição sobre salário mínimo. Do ponto de vista sindical, temas de pouco conhecimento até de dirigentes são bem comentados, com destaque para a negociação coletiva do setor público, ainda pendente de regulamentação.

Se militantes e assessores estão entre os públicos-alvo, faltam ao Dicionário mais dados sobre estruturação sindical. “Na prática, a partir dos anos 1980, o movimento sindical brasileiro se estruturou de forma híbrida, com unicidade sindical nas entidades de base (sindicatos) e pluralidade sindical nas entidades de grau superior (federações, confederações e Centrais Sindicais)”, limita-se a apontar o Dicionário, sem avançar.

Os últimos 15, 20 anos, no entanto, foram fartos de mudanças relevantes, a começar pela pulverização das centrais sindicais e a posterior criação do Fórum das Centrais. Não faz sentido ignorar essa realidade e, por outro lado, dispensar cinco ou seis parágrafos à organização do sindicalismo internacional.

Polêmicas

O Dieese é uma unanimidade no movimento sindical devido a seu empenho histórico em subsidiar, tecnicamente, as entidades e os trabalhadores, sobretudo nas negociações coletivas. Difícil vislumbrar, por exemplo, os trabalhos do Fórum das Centrais sem o apoio do Dieese. É uma entidade respeitada e indispensável.

Mas o Dicionário peca por abordar algumas polêmicas que talvez merecessem menos opinião e mais informação. Embora fosse melhor mostrar prós e contras de algumas características do sindicalismo brasileiro, a publicação invariavelmente toma partido. Se a “estrutura sindical” do País é “extremamente fragmentada”, a culpa é da unicidade, acusa o Dieese, ainda que em países com “liberdade” (ou “liberalismo”) sindical não haja necessariamente uma organização melhor das entidades – os Estados Unidos que o digam.

As queixas à “controversa” contribuição sindical também requerem uma apresentação mais honesta. “Se, por um lado, garantia estabilidade financeira às entidades, por outro possibilitava a existência de um sindicalismo que, para sobreviver, não precisava necessariamente de um enraizamento efetivo em suas bases”, ataca o Dieese. “Com ou sem trabalho de base, o financiamento estava garantido.”

O Dicionário até admite que o fim do imposto sindical obrigatório teve impactos indistintos, tanto às entidades “conservadoras” quanto às “progressistas”, mas omite que o legado do sindicalismo brasileiro sob a égide do imposto sindical é indiscutivelmente positivo. Sim, parte das entidades sucumbiu à acomodação. Mas as forças que derrubaram a contribuição compulsória visavam apenas asfixiar as entidades e prejudicar o conjunto do movimento, enquanto entidades patronais e empresas continuaram a desfrutar do Sistema S, de incentivos fiscais e de outras regalias bilionárias.

Ao se livrar da polêmica e se voltar às especificidades de alguns conceitos, o Dicionário ganha em qualidade. Tome-se a ótima “lição” sobre os quatro tipos de greve – “ofensivas ou propositivas”, “defensivas”, “de solidariedade” e “políticas”.  O verbete seguinte, “Direito de Greve”, igualmente sobressai pela profusão de esclarecimentos. Quanto mais vai à gênese, à filosofia e às normas de um tópico, mais a publicação se torna prestadia.

Feitas essas ressalvas, é preciso saudar a inciativa do Diesse de trazer a público um projeto que já nasce (ou melhor, renasce) como obra de referência. Mesmo na imprensa sindical, o conteúdo de qualidade, baseado em informações confiáveis e pertinentes, está em falta. O Dicionário pode ser baixado no site do Dieese – e é material para ser lido e, acima de tudo, usado.

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