A Bienal do Livro e as políticas públicas de incentivo à leitura

Por mais que o ato de ler seja democrático, a garantia das condições necessárias para a prática da leitura está muito longe de sê-lo.

Foto: Divulgação Cultura/RJ

“Faço um convite ao jovem leitor: me leia. Não me deixe morrer.”

(Lygia Fagundes Telles)

Na última sexta-feira, 06 de outubro, teve início na cidade do Recife, a XIV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. A leitura cumpre um papel importante como instrumento de superação das desigualdades. Não apenas a leitura de livros, da palavra escrita, mas a leitura do mundo, a qual acontece em uma troca dialógica com os livros que lemos, as músicas que ouvimos, a cultura que vivenciamos, as viagens que fazemos, em suma, com o local em que estamos inseridos e com os tantos outros locais – reais e fictícios – que vamos experimentando ao longo do nosso caminho. Assim, os livros nos permitem acessar culturas e espaços de uma forma democrática: lendo!

No dia 06 de outubro, li as notícias acerca do início da Bienal com grande felicidade. Iniciou a maior feira literária do Nordeste e a 3º maior do país! A Bienal não é simplesmente um espaço de venda de livros, é de trocas de ideias! Nela se cruzam pensamentos, visões de mundo, reflexões sociais e políticas, autores consagrados e aqueles que estão iniciando sua aventura no mundo literário, leitores vorazes e aqueles que estão se descobrindo leitores. Como apontado pela organização do evento, a Bienal é um local de convivência com a literatura.

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A importância da feira literária para o Estado de Pernambuco é tão grande que, em 2011, um Projeto de Lei do então deputado Luciano Siqueira (PCdoB) propôs que a Bienal do Livro fosse incorporada ao Calendário Oficial de Eventos do Estado de Pernambuco. Projeto que se transformou na Lei Nº 14.536, sancionada pelo governador em exercício à época, João Soares Lyra Neto. De 2011 até aqui, a incorporação de uma feira literária ao Calendário Oficial de Eventos do Estado, bem como as políticas públicas / educacionais efetivas que vieram com essa incorporação, abre espaço para um debate importante: a democratização da leitura e o acesso ao conhecimento!

Por mais que o ato de ler seja democrático, a garantia das condições necessárias para a prática da leitura está muito longe de sê-lo. O reconhecimento da importância da leitura em discursos públicos e políticos, não encontra paralelo de investimento e incentivo a democratização do acesso aos livros, com políticas públicas efetivas para garantir as condições de leitura. Nesse sentido, cabe destacarmos as palavras da Professora Neide Mendonça (2000, p. 36):

Se vivemos em uma sociedade desigual, do ponto de vista da divisão de bens, de rendas e de lucros, não é de estranhar que o acesso à leitura seja também desigual em suas oportunidades, fazendo com que os bens culturais tenham uma partilha desigual. Assim, a possibilidade de aquisição da habilidade e o acesso a uma das vias que conduzem à democracia – o direito à leitura – não estão ao alcance de todos, nem mesmo dos que foram alfabetizados.

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O Brasil, um país de dimensão continental, é marcado por profundas distâncias sociais há muito evidenciadas por Darcy Ribeiro ao caracterizar O Povo Brasileiro, é nesse sentido que a afirmação da Professora Neide Mendonça, escrita há 23 anos, ainda encontra eco no nosso tecido social. Como despertar nas crianças, jovens e adultos o interesse pela leitura, quando a necessidade primeira da sobrevivência se impõe? Como dizer que é possível encontrar na leitura outros mundos, quando a fome não permite que se esqueça por um segundo a realidade material em que se vive?

Preocupada em discutir os temas candentes da nossa sociedade, o lema da XIV Bienal do Livro de Pernambuco evidencia em muito a questão da fome: “Fome de quê? Você é o que você lê!”, se considerarmos os dados apontados pela última edição da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” (2019), realizada pelo Instituto Pró-livro, perceberemos que 48 milhões de brasileiros não têm se alimentado. A pesquisa aponta um decréscimo na frequência de leitura de quase todos os formatos, especialmente nos quesitos “livros de literatura por vontade própria” e “livros didáticos indicados pela escola”. Dentre os dados, destacamos que na região Nordeste, em 2015 tínhamos um percentual de 51% de leitores, contra 48% em 2019.

Nos aspectos mais pormenorizados da pesquisa é possível também encontrar dados de alerta, quando questionados “por que não leu mais?”, só 5% dos entrevistados declararam “porque não gosta de ler”, no topo, com 47%, está a resposta “por falta de tempo”, e outros 7% declararam “achar o preço do livro muito caro”. Soma-se a isso o que tem sido lido no Brasil, a pesquisa aponta que 35% dos brasileiros têm como gênero costumeiro de leitura à Bíblia, livro frequentemente distribuído de forma gratuita, ocupando o topo nesse quesito.

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“Não ter tempo para ler” é só mais uma face da abissal desigualdade social que atinge os brasileiros. De acordo com os dados do IBGE (2022), a necessidade de trabalhar foi a principal justificativa dos jovens com idade entre 14 e 29 anos para abandonarem a escola. São problemas que se complementam, jovens que não tem tempo para ler, porque precisam trabalhar. Salários precarizados que, quando não são a exclusiva fonte de renda familiar, complementam esta renda para dar conta da feira, da energia, da água. Assim, vê-se construir um muro de impeditivos à prática da leitura: o preço dos livros, a falta de tempo, a capacidade de compreender de forma crítica o que é lido.

Neste cenário de impeditivos, as feiras literárias, aqui em especial a Bienal do Livro de Pernambuco, cumprem um papel fundamental na diminuição das distâncias sociais que desincentivam a prática da leitura. Fomentar essas iniciativas, com apoio financeiro dos órgãos públicos, é construir instrumentos que combatam a desigualdade social possibilitando que muitas crianças, jovens e adultos possam acessar espaços de educação, lazer, cultura, arte e conhecimento de forma geral.

A política de incentivo à participação na Bienal com distribuição de vouchers para professores e/ou estudantes das redes públicas de ensino – o que fizeram prefeituras como Recife, Paulista e Toritama, constitui-se como uma ferramenta importante na garantia do acesso a livros por baixo custo e a espaços de diálogos que, como apontado, discutem os temas mais urgentes da nossa sociedade.

É lamentável que o Governo do Estado de Pernambuco, que tem à frente a primeira mulher governadora, Raquel Lyra (PSDB), não tenha mobilizado recursos, nem em forma de patrocínio, tampouco com a política de vouchers para professores e estudantes, incentivando a participação e garantindo que muitos jovens passem o dia lendo sinopses e ouvindo autores para descobrir quais assuntos os interessa. Além de lamentável, é necessário ressaltar que no discurso público / político da governadora ela se propõe a “transformar Pernambuco por meio da educação”. Pois bem, é passada a hora de arregaçar as mangas!

A garantia das condições de leitura é exigência para o aprofundamento da Democracia, para o tornar-se cidadão: leitor, crítico, atuante!

Referências:

Agência IBGE Notícias. Em 2022, analfabetismo cai, mas continua mais alto entre idosos, pretos e pardos e no Nordeste. Rio de Janeiro: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2023. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37089-em-2022-analfabetismo-cai-mas-continua-mais-alto-entre-idosos-pretos-e-pardos-e-no-nordeste. Acesso em: 06 de outubro de 2023.

IPL – Instituto Pró-Livro. Retratos da Leitura no Brasil. São Paulo: Instituto Pró-Livro; Itaú Cultural, 5º Edição, 2019. Disponível em: https://www.prolivro.org.br/pesquisas-retratos-da-leitura/as-pesquisas-2/. Acesso em: 06 de outubro de 2023.

Jamildo Melo e Equipe. Sem diálogos com o Governo do Estado, XIV Bienal do Livro de Pernambuco começa nesta sexta (06). Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 2023. Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/jamildo/2023/10/15610159-sem-dialogos-com-o-governo-do-estado-xiv-bienal-do-livro-de-pernambuco-comeca-nesta-sexta-06.html. Acesso em: 06 de outubro de 2023.

Mendonça, Neide. O desafio da democratização da leitura. Revista SymposiuM, Universidade Católica de Pernambuco. Ano 4, nº 1, p. 36-39, janeiro-junho, 2000.

XIV Bienal Internacional do Livro de Pernambuco. Site oficial. Disponível em: https://bienalpernambuco.com/. Acesso em: 06 de outubro de 2023.

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