África está dividida no apoio à Palestina, após anos de rejeição a Israel

A influência de Israel cresce no continente por meio de consolidação de alianças. África do Sul e Argélia responsabilizam Israel pelas escalada do conflito.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, à esquerda, e o ex-presidente queniano, Uhuru Kenyatta, à direita, caminham juntos após dar uma conferência de imprensa conjunta na State House em Nairobi, Quênia, terça-feira, 5 de julho de 2016. Netanyahu fez várias viagens a países africanos como Israel expande sua influência no continente [Arquivo: Sayyid Abdul Azim]

Enquanto o conflito entre Israel e Gaza continua a dominar as manchetes em todo o mundo, a África se encontra dividida quanto à sua posição em relação ao conflito. No meio da escalada de violência e mortes, diferentes nações africanas tomaram lados opostos, gerando um debate acalorado sobre as razões por trás dessa divisão.

O presidente queniano, William Ruto, tornou-se notícia ao expressar apoio explícito a Israel, condenando veementemente o terrorismo e os ataques a civis inocentes em Israel. A postura do Quênia reflete a crescente influência de Israel no continente africano, à medida que o país busca consolidar alianças na região.

No entanto, a África do Sul, a Argélia e outros países manifestaram seu apoio à Palestina, responsabilizando Israel pela escalada do conflito. Para entender essa divisão no continente africano, é essencial examinar as complexas relações históricas e contemporâneas entre as nações africanas e Israel.

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À medida que o bombardeio em Gaza continua, a pressão para críticas contundentes aos ataques israelenses pode aumentar em toda a África. As relações entre os governos africanos e Israel são complexas e multifacetadas, refletindo os desafios de equilibrar interesses econômicos e políticos com questões éticas e de direitos humanos. À medida que o conflito Israel-Gaza evolui, é provável que a postura da África continue a ser objeto de debate e discussão em todo o continente.

Colonialismo

Os países africanos que conquistaram sua independência do regime colonial na década de 1960 foram inicialmente solidários com a causa palestina, dada a luta dos palestinos por sua terra e a causa do nacionalismo. A declaração de independência palestina em 1988 em Argel e a história da Argélia sob o domínio colonial francês ajudaram a solidificar esses laços, baseados em históricos comuns de ocupação e brutalidade.

Por outro lado, a África do Sul pós-apartheid, liderada por Nelson Mandela, se tornou um dos mais fervorosos apoiadores da Palestina no continente, traçando paralelos entre a luta dos sul-africanos negros contra o domínio branco e a luta dos palestinos contra a ocupação israelense. Essa comparação ganhou apoio de grupos de direitos humanos e reforçou os laços entre a África do Sul e a Palestina.

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O falecido presidente sul-africano Nelson Mandela, à direita, e o falecido líder palestino Yasser Arafat, à esquerda, discursam juntos à mídia em 3 de maio de 2001, durante uma visita de Arafat à África do Sul

Tecnologia agrícola

Após a Guerra de Outubro de 1973, a Organização da Unidade Africana (OUA) cortou laços com Israel, e apenas um punhado de nações africanas manteve relações com o país naquele período. No entanto, nas últimas décadas, a maré mudou significativamente, com a maioria dos países africanos reconhecendo Israel como Estado e estabelecendo embaixadas e consulados em Tel Aviv. Essa mudança se deve, em parte, ao interesse de muitos países africanos nos avanços tecnológicos e na experiência agrícola de Israel, que pode ajudar a combater a insegurança alimentar e as mudanças climáticas.

Acordos diplomáticos e de comércio, bem como assistência humanitária, também solidificaram os laços entre Israel e várias nações africanas. O papel de Israel como líder global em tecnologias agrícolas atraiu países africanos que buscam melhorar a produção de alimentos em meio a secas e fenômenos climáticos extremos.

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Além disso, os Acordos de Camp David de 1978 e os Acordos de Oslo de 1993 marcaram pontos de virada na relação de Israel com o continente africano, levando muitos países a reconsiderar suas relações com Israel.

Posicionamento ambíguo

A aparente contradição dos governos africanos em relação ao conflito Israel-Palestina, ao estabelecer relações com Israel enquanto apoiam a causa palestina, não é surpreendente. Assim como ocorreu em outras questões internacionais, a África não é um bloco homogêneo e reflete divisões internas semelhantes a eventos como a invasão russa na Ucrânia.

Os países africanos frequentemente tomam posições divergentes em relação a crises internacionais, devido a interesses econômicos, políticos e históricos diversos. Embora muitos países africanos estejam intensificando relações com Israel, eles frequentemente votam contra decisões pró-Israel em fóruns internacionais.

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A pressão pública também está aumentando em alguns países africanos, com movimentos pedindo um boicote a Israel em todos os níveis. A África do Sul, que é um importante parceiro comercial de Israel no continente, enfrenta pedidos da sociedade civil para rebaixar relações diplomáticas com Israel.

A divisão entre os países africanos no apoio à Palestina durante o conflito entre Israel e Gaza pode ser atribuída a uma combinação de fatores complexos, incluindo interesses econômicos, relações comerciais, história, geopolítica e diplomacia. Além disso, as opiniões públicas, grupos de interesse e pressões internas desempenham um papel importante nessa divisão.

Alguns dos principais fatores a serem considerados são:

  1. Relações Históricas: Muitos países africanos historicamente apoiaram a causa palestina devido a paralelos percebidos entre a luta dos palestinos pela autodeterminação e as experiências das nações africanas no contexto do colonialismo e do apartheid. O líder sul-africano Nelson Mandela, por exemplo, expressou apoio à Palestina.
  2. Interesses Econômicos e Tecnológicos: Israel desenvolveu relações comerciais e acordos econômicos com vários países africanos. Israel é conhecido por sua experiência em agricultura e tecnologia agrícola, que atrai nações africanas que buscam soluções para desafios climáticos e agrícolas. Também fornece assistência em várias áreas, incluindo medicina, treinamento e ajuda humanitária.
  3. Acordos de Paz e Normalização: Alguns países africanos estabeleceram ou reforçaram laços com Israel após acordos de paz, como os Acordos de Camp David entre Israel e o Egito em 1978, e os Acordos de Oslo em 1993. Isso contribuiu para o aumento das relações entre Israel e nações africanas.
  4. Pressões Internas: A divisão reflete as diversas opiniões públicas e grupos de interesse em países africanos. Pressões internas, incluindo a opinião pública, grupos de defesa dos direitos humanos e grupos de interesse, influenciam as políticas dos governos em relação a Israel e à Palestina.
  5. Política Externa e Diplomacia: A política externa de um país pode ser influenciada por sua busca por apoio regional e global, buscando alianças estratégicas e considerando suas relações com outros países.

É importante notar que a política externa e a diplomacia de qualquer país refletem uma combinação complexa desses fatores e podem mudar ao longo do tempo. Além disso, a divisão no apoio à Palestina não é exclusiva da África; ela também é observada em outros continentes, refletindo as complexidades da geopolítica global.

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As posições dos governos africanos sobre o conflito Israel-Palestina são dinâmicas e refletem a complexidade das relações internacionais. A opinião pública, o ativismo, a pressão internacional e as relações comerciais continuarão a influenciar as posições dos países africanos sobre essa questão em constante evolução.

Com informações da Al Jazira

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