Jandira Feghali revela os momentos mais difíceis da CPMI do Golpe

Parlamentares bolsonaristas incitaram seus seguidores contra a deputada do PCdoB e a relatora, senadora Eliziane Gama. Elas chegaram a ser ameaçadas de morte

(Fotos: Richard Silva/PCdoB na Câmara)

Em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma das mais atuantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou os atos golpistas do 8 de janeiro, a CPMI do Golpe, disse que pela primeira vez na história estão sendo pedidos o indiciamento de um ex-presidente [Bolsonaro] e mais oito generais.

A parlamentar falou sobre o trabalho desenvolvido, a necessidade da não anistia para evitar que novos atos fascistas surjam, a perspectiva de punição e os momentos tensos vividos no colegiado.

“O momento mais difícil para mim foi o último mês, quando a polarização se intensificou muito, porque os bolsonaristas perceberam que estavam encurralados, que não tinham por onde sair. A tese deles não chegava ali na esquina e começaram a estimular os seus seguidores contra nós”, revelou.

Além dela, outro alvo favorito foi a relatora, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).  “Fomos ameaçadas abertamente, ameaças a nossa vida e integridade física”, afirmou.

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São atitudes do legado bolsonarista, de acordo com ela, sempre pautado na violência, ódio, preconceito e a agressão.

“Esse foi o momento mais difícil que culminou no dia da votação do relatório, com um relatório muito denso, muito contundente, em que a aprovação era fundamental. Então, o percurso do último mês e o dia da votação do relatório foi o tempo mais difícil da CPMI”, considerou.

Na sua avaliação, o relatório não deixa dúvida sobre o papel de Bolsonaro como “principal construtor e mentor da tese golpista”.

A parlamentar diz que o ex-presidente ofereceu às Forças Armadas a minuta do golpe, incorporou o hacker Walter Delgatti no esquema, desqualificou as urnas eletrônicas, gerou o sentimento de fraude nas eleições e atacou o Supremo Tribunal Federal (STF).

“Construiu pressão sobre o Congresso Nacional para não termos o voto eletrônico e sem aprovação do voto impresso, com tanques na rua pela manhã e caminhões à noite”, lembrou.

“Ele [Bolsonaro] é o construtor da tese da mobilização e da construção objetiva direta do movimento golpista, mas não teve o apoio unificado do Alto Comando das Forças Armadas. Por isso, ele não deu o golpe diretamente, mas tentou gerar o caos para que esse caos provocasse uma intervenção federal e uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem]”, resumiu.

Confira a entrevista:

Como a senhora avalia a sua participação na CPMI do Golpe?

Bom, eu entrei para a CPMI com uma grande responsabilidade e sabendo do desafio que ela significava, porque nós estamos tratando de algo fundamental para a vida, que é a democracia. Então essa apuração tinha que ser séria, dedicada, assídua, intensa e esse papel eu consegui cumprir. Dediquei-me, estudei, participei, não faltei um dia e acho que consegui dar a minha contribuição nas investigações que ocorreram. Além disso, havia uma disputa da opinião pública em cima de duas vertentes principais: uma de que o 8 de janeiro era um fato isolado de vândalos e que o governo federal [Lula e Flávio Dino, ministro da Justiça] era responsável por que não defenderam o patrimônio. E nós tínhamos a visão de investigar exatamente que o 8 de janeiro não era um fato isolado. Era a expressão mais aguda de um processo construído.

E começou por onde?

Durante quatro anos e, particularmente, nos dois anos últimos do governo Bolsonaro. Ele fez questão de marcar a sua gestão pela violação permanente à Constituição, à democracia, e fazendo desenvolver um projeto muito característico da extrema-direita e da visão fascista. Ou seja, transformar os adversários em inimigos a eliminar, em excluir, em destruir o Estado brasileiro e, fundamentalmente, configurar essa que é a principal contradição entre o capitalismo e a democracia. Eles tentaram, portanto, cumprir o papel que a agenda do capital contemporâneo deu a eles, que era a agenda de destruir a democracia para viabilizar uma agenda de profunda restrição de direitos e sequestro do Estado brasileiro pelo mercado.

Qual o momento mais difícil e desafiador durante os trabalhos da comissão?

O momento mais difícil para mim foi o último mês, quando a polarização se intensificou muito, porque os bolsonaristas perceberam que estavam encurralados, que não tinham por onde sair. A tese deles não chegava ali na esquina e começaram a estimular os seus seguidores contra nós. Particularmente, eu e a senadora Eliziane fomos ameaçadas abertamente, ameaças a nossa vida e integridade física. Então, essa atitude, que é o legado dos bolsonaristas, sempre pautado na violência, no ódio, no preconceito e na agressão. Esse foi o momento mais difícil que culminou no dia da votação do relatório, com um documento muito denso, muito contundente, em que a aprovação era fundamental. Então, o percurso do último mês e o dia da votação do relatório foi o tempo mais difícil da CPMI.

Qual o principal diferencial do relatório final da CPMI do Golpe, tendo em vista que existem outras investigações em curso sobre os atos de 8 de janeiro?

O principal diferencial do relatório final é que, pela primeira vez na história, nós estamos indiciando um ex-presidente e oito generais, além de mais de 45. Na verdade, nós indiciamos 61 pessoas, indicamos mais 120 nomes para aprofundar a investigação. O ex-presidente foi indiciado como principal construtor e mentor da tese golpista. A construção do golpe passou concretamente pelas mãos dele. Ele ofereceu às Forças Armadas a minuta do golpe, participou, incorporou o hacker [Walter Delgatti], desqualificou as urnas eletrônicas, gerou o sentimento de fraude nas eleições, atacou o Supremo Tribunal Federal, construiu pressão sobre o Congresso Nacional para não termos o voto eletrônico e sem aprovação do voto impresso, com tanques na rua pela manhã e caminhões à noite. As lives que fez no dia 7 de Setembro de 2021 e o 7 de Setembro de 2022. Aquela reunião que fez [embaixadores] com que ele ficasse inelegível pelo uso da máquina pública e da comunicação pública. Ele [Bolsonaro] é o construtor da tese da mobilização e da construção objetiva direta do movimento golpista, mas não teve o apoio unificado do Alto Comando das Forças Armadas. Por isso, ele não deu o golpe diretamente, mas tentou gerar o caos para que esse caos provocasse uma intervenção federal e uma GLO [Garantia da Lei e da Ordem].

Quais desdobramentos políticos e jurídicos surgirão no cenário pós-CPMI?

Os desdobramentos políticos e jurídicos. Primeiro é a entrega do relatório às instituições. À PF, STF, TCU e PGR onde a proposta de indiciamento tem de ser confirmada. E, para isso, é preciso que o Ministério Público analise o relatório e, obviamente, tudo finalizará no STF a quem cabe o amplo processo de contraditório, de defesa, do julgamento, e esperamos condenação.

A senhora acredita que Bolsonaro e os golpistas serão efetivamente responsabilizados pela Justiça?

Eu acredito nas condenações e nas responsabilizações. É isso que a sociedade espera e teme que a anistia de golpistas acabe gerando novos golpistas e novas tentativas de golpe. Foi o que aconteceu com a Lei da Anistia em 1979. Não podemos permitir que sejam anistiados aqueles que atentaram contra a democracia, tentaram a abolição violenta do Estado de Direito, tentativa de golpe de estado, lesão ao patrimônio público e violência política. Tudo isso está dentro das tipificações que o relatório aponta, inclusive a omissão da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal onde estava Anderson torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, e o comando da Polícia Militar do DF. Estão todos presos e o governador [Ibaneis Rocha] também vai ter de responder por isso.

O que muda no Brasil e na política após a CPMI do Golpe?

Eu acho que muda muita coisa no Brasil, porque ficou mais claro pelas investigações da CPMI. Ela conseguiu dizer à sociedade, eu penso que nós ganhamos a opinião da sociedade, o significado do bolsonarismo e do golpe. Penso que qualitativamente houve mudança na sociedade após os trabalhos da CPMI somado aos trabalhos do Supremo, da PF e do Ministério Público.

Qual a estratégia para impedir que esse ataque à democracia se repita?

Penso que a estratégia é não à anistia, ou seja, a punição. Um novo ataque à democracia é um não à anistia. A impunidade é perpetuadora de um novo golpe. Então tem que punir. Segundo, manter o ganho da consciência e organização popular pela sua liberdade, direitos e democracia. Terceiro, fortalecer enormemente as instituições. Precisamos fortalecer as instituições e conseguir que o parlamento aprove algumas indicações que a própria CPMI no sentido de melhorar novos processos legislativos que possam facilitar o reforça a democracia brasileira.