Lula pede ordem internacional justa no evento “Vozes do Sul Global”

Presidente participou da cúpula virtual a convite do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e destacou o papel brasileiro pela paz no Conselho de Segurança da ONU

Foto: Ricardo Stuckert

Nesta sexta-feira (17), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da segunda cúpula virtual “Vozes do Sul Global”. O evento foi organizado pela Índia e o primeiro-ministro, Narendra Modi, foi o anfitrião do evento.

Lula falou logo após Modi, em sessão que teve participação dos chefes de Estado do Bahrein, Egito, Guiana, Jamaica, Malawi, Moçambique, Nepal, Sérvia e Trinidad e Tobago, como informou o Palácio do Planalto.

A primeira edição do evento virtual ocorreu nos dias 12 e 13 de janeiro desse ano. A cúpula reuniu 125 países ao longo dos dias para tratar sobre as perspectivas de desenvolvimento mundial.

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No seu discurso, o presidente Lula salientou o trabalho do mandato nacional no Conselho de Segurança da ONU em busca da paz, destacando que soluções “são reiteradamente frustradas pelo direito de veto”. Nesse sentido, pediu o resgate do multilateralismo e das tradições humanistas, com a restituição do direito internacional e humanitário, em clara referência à tragédia que ocorre na Palestina e Israel.

Para tal, pediu uma “ordem internacional justa” para que o Sul global fale mais alto e de forma conjunta, como forma de ser escutado.

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O líder brasileiro ainda abordou as metas para alcançar Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a presidência brasileira do G20 (que se inicia em dezembro), o combate à fome, o enfrentamento às mudanças do clima, a organização da COP 30 em Belém (PA), em 2025, entre outros pontos. Confira abaixo o discurso na íntegra.

Íntegra do discurso a seguir:

Parabenizo o primeiro-ministro Modi por esta oportuna iniciativa de reunir o Sul Global em um contexto tão desafiador.

Estar aqui me fez lembrar de uma obra muito famosa do artista uruguaio Joaquín Torres García, chamada “América Invertida”.

Ele retratou a América do Sul de cabeça para baixo.

Colocou o cone sul – que costuma aparecer distorcido nos mapas tradicionais – no topo da imagem, e o norte na parte de baixo.

Com isso, demonstrou como, muitas vezes, adotamos, sem refletir, pontos de vista alheios, que não nos favorecem.

Nossos países já foram chamados de terceiro mundo e de países em desenvolvimento.

Fomos divididos em países emergentes e países menos desenvolvidos; e em países de renda média e países de renda baixa.

Há quem questione o conceito de Sul Global, dizendo que somos diversos demais para caber nele.

Mas existem muito mais interesses que nos unem do que diferenças que nos separam.

Assumir nossa identidade como Sul Global significa reconhecer que vemos o mundo de uma perspectiva semelhante.

Ao longo de décadas, trabalhamos juntos por um mundo mais equitativo.

Enfrentamos o desafio da descolonização, assumimos o desafio do desenvolvimento e agora temos de abraçar o desafio da paz.

Nossa mobilização mais recente resultou nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que são o resumo mais fiel das nossas aspirações conjuntas.

Mas só um quinto das suas metas estão progredindo como esperado. A implementação de um terço delas está estagnada ou regrediu.

Quando falei da tribuna da Assembleia Geral da ONU, em setembro, propus que assumíssemos a redução das desigualdades como nosso objetivo-síntese.

Caso contrário, o abismo entre países ricos e pobres só irá crescer.

Falharemos com as milhões de pessoas que passam fome no mundo, enquanto bilhões de dólares são gastos para travar guerras.

Seremos os mais afetados pela mudança do clima, mesmo que não tenhamos sido, historicamente, os maiores responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa.

Nos tornaremos vítimas de nova corrida predatória por recursos naturais, incluindo minerais críticos, sem a oportunidade de diversificar nossas bases produtivas.

Seguiremos sem acesso a medicamentos, repetindo – na expressão do diretor-geral da OMS – o “apartheid de vacinas” que vimos na pandemia de Covid-19.

Viveremos o impacto da inteligência artificial sobre nossos empregos, sem participar da sua regulação.

E muitos de nós continuarão sufocados por dívidas que limitam a capacidade do Estado de promover o desenvolvimento sustentável.

A presidência brasileira do G20, que se inicia em dezembro, irá – assim como fez a Índia, a Indonésia antes dela e certamente fará a África do Sul depois de nós – lançar luz sobre as necessidades do Sul Global.

Dedicaremos forças-tarefas especiais ao combate à fome e ao enfrentamento da mudança do clima, as duas maiores urgências do nosso tempo.

Na COP30 – que sediaremos no coração da Amazônia –, insistiremos para que países desenvolvidos assumam metas mais ambiciosas e cumpram seus compromissos.

Para avançar nesses temas, será incontornável abordar a questão da reforma da governança global.

As tragédias humanitárias a que estamos assistindo evidenciam a falência das instituições internacionais.

Por não refletirem a realidade atual, elas perderam efetividade e credibilidade.

Em seu mandato no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil tem trabalhado incansavelmente pela paz.

Mas as soluções são reiteradamente frustradas pelo direito de veto.

Precisamos resgatar a confiança no multilateralismo.

Precisamos recuperar nossas melhores tradições humanistas.

Nada justifica que as principais vítimas dos conflitos sejam mulheres e crianças.

É preciso restituir a primazia do direito internacional, inclusive o humanitário, que valha igualmente para todos, sem padrões duplos ou medidas unilaterais.

Como Sul Global, nossa intenção não é – e não deve ser – antagonizar o chamado Norte.

Mas uma ordem internacional justa exige que todos tenhamos voz. E falaremos mais alto se falarmos juntos.

Muito obrigado.