80% de filmes dirigidos por negros resultam de políticas afirmativas

Dos 1086 filmes de cineastas negros, entre 1949 e 2022, 83% estrearam a partir de 2010. Média passa de 19 por década até anos 1990, para 586 na década de 2010.

Filmes recentes dirigidos por negros e negras

Um levantamento inédito realizado pela obra Cinemateca Negra revelou que, apesar dos anos de resistência, as pessoas negras ainda enfrentam barreiras significativas na sociedade e, mais especificamente, na indústria cinematográfica. O estudo foi lançado digitalmente na última sexta-feira (17), pelo NICHO 54, instituto que apoia a carreira de pessoas negras, no Centro Cultural São Paulo (CCSP). 

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O estudo mapeou 1.086 filmes produzidos por cineastas negros no Brasil entre os anos de 1949 e 2022. A análise abrange longas, curtas e médias-metragens dirigidos por uma ou mais pessoas negras, proporcionando uma visão abrangente da produção cinematográfica desse grupo ao longo das décadas.

O estudo representa um marco histórico ao reunir pesquisa, análise de dados, ensaios e uma lista abrangente de filmes e diretores, oferecendo a mais significativa investigação sobre a realização cinematográfica negra no Brasil.

A pesquisa também destaca a importância de políticas públicas e ações afirmativas, com 83% da produção total mapeada realizada entre 2010 e 2022. O dado surpreendente é revelador de uma concentração significativa de produções nos anos em que a Ancine (Agência Nacional do Cinema), foi dirigida por Manoel Rangel, durante os governos progressistas de Lula e Dilma Rousseff. Esse aumento notável, de acordo com os pesquisadores, indica uma mudança positiva que pode ser atribuída às políticas afirmativas implementadas no período.

Explosão criativa e produtiva

Antes da década de 60, apenas seis filmes foram realizados por cineastas negros. Entre 1970 e 1990, a média anual subiu para 19 produções por década. No início do século XXI, o número saltou para 116 filmes na década de 2000 e atingiu um pico surpreendente de 586 na década de 2010. Esse aumento expressivo demonstra um crescente reconhecimento e apoio à produção cinematográfica negra no Brasil.

Heitor Augusto, um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, destaca a importância desses dados em evidenciar o impacto do racismo na produção intelectual das pessoas pretas na cena audiovisual brasileira. Além disso, ele ressalta o papel positivo das políticas afirmativas em impulsionar esse cenário.

A análise dos dados revela tendências significativas na realização cinematográfica negra brasileira. Dos filmes mapeados, 12% são longas-metragens, enquanto 84% são curtas e 4% são médias. Esta representação desigual destaca a dificuldade enfrentada por talentos negros para acessar posições de maior prestígio na direção de longas-metragens, evidenciando o impacto do racismo estrutural na indústria audiovisual.

A categoria de documentários representa 43% dos filmes mapeados, seguida por 38,5% de ficções, 13% de experimentais, 2,8% de animações e 2% de filmes híbridos. Essa distribuição varia quando analisamos exclusivamente longas-metragens, com 56% de documentários e 42% de ficções. Essa discrepância aponta para as dificuldades enfrentadas pelos cineastas negros na obtenção de recursos para produções ficcionais.

Invisibilidade audio-visual

Augusto destaca a relevância da história da realização cinematográfica negra no contexto do cinema brasileiro, uma conexão frequentemente negligenciada por agentes do campo, incluindo a Academia, a imprensa e os formuladores de políticas. O livro não apenas joga luz sobre essa relação, mas também desafia o paradigma da escassez, proporcionando uma visão abrangente e apropriada da importância dessa produção.

A produtora de cinema Fernanda Lomba tinha um incômodo constante: a falta de protagonismo negro nos bastidores do mercado. Para ela, o gargalo estava ligado à formação e projetos artísticos executivamente bem estruturados. Foi por isso, que ela fundou em 2019 o Instituto Nicho 54, a fim de alavancar pessoas negras para posições de liderança criativa, intelectual e econômica na indústria cinematográfica.

“O Instituto trabalha a partir de três eixos integrados: formação com aprimoramento das habilidades técnicas, curadoria para ampliar imaginários e mercado, para conectar e expandir parcerias internacionais”, diz ela.

Dividido em duas partes, o livro apresenta ensaios comissionados de pesquisadores e jornalistas negres, explorando temas como preservação da memória, curadoria, formação estética e a luta por representações verossímeis. Beatriz Nascimento, uma das figuras destacadas, é reconhecida por suas contribuições aos estudos do Cinema Negro. 

O projeto visa transformar os dados em um banco de dados acessível ao público. “Cinemateca Negra” não é apenas uma análise aprofundada, mas uma celebração das realizações negras no cenário cinematográfico brasileiro.

O estudo não apenas coloca em destaque a rica contribuição da comunidade negra para o cinema brasileiro, mas também serve como um chamado à reflexão sobre os desafios contínuos enfrentados por esses talentos e a importância de se continuar avançando em direção à igualdade e representatividade na indústria cinematográfica. No Dia da Consciência Negra, esses números oferecem uma oportunidade de celebrar as conquistas alcançadas, ao mesmo tempo em que ressaltam a necessidade de continuar trabalhando para superar as barreiras persistentes.

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