80% de filmes dirigidos por negros resultam de políticas afirmativas
Dos 1086 filmes de cineastas negros, entre 1949 e 2022, 83% estrearam a partir de 2010. Média passa de 19 por década até anos 1990, para 586 na década de 2010.
Publicado 20/11/2023 18:36 | Editado 22/11/2023 16:47
Um levantamento inédito realizado pela obra Cinemateca Negra revelou que, apesar dos anos de resistência, as pessoas negras ainda enfrentam barreiras significativas na sociedade e, mais especificamente, na indústria cinematográfica. O estudo foi lançado digitalmente na última sexta-feira (17), pelo NICHO 54, instituto que apoia a carreira de pessoas negras, no Centro Cultural São Paulo (CCSP).
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O estudo mapeou 1.086 filmes produzidos por cineastas negros no Brasil entre os anos de 1949 e 2022. A análise abrange longas, curtas e médias-metragens dirigidos por uma ou mais pessoas negras, proporcionando uma visão abrangente da produção cinematográfica desse grupo ao longo das décadas.
O estudo representa um marco histórico ao reunir pesquisa, análise de dados, ensaios e uma lista abrangente de filmes e diretores, oferecendo a mais significativa investigação sobre a realização cinematográfica negra no Brasil.
A pesquisa também destaca a importância de políticas públicas e ações afirmativas, com 83% da produção total mapeada realizada entre 2010 e 2022. O dado surpreendente é revelador de uma concentração significativa de produções nos anos em que a Ancine (Agência Nacional do Cinema), foi dirigida por Manoel Rangel, durante os governos progressistas de Lula e Dilma Rousseff. Esse aumento notável, de acordo com os pesquisadores, indica uma mudança positiva que pode ser atribuída às políticas afirmativas implementadas no período.
Explosão criativa e produtiva
Antes da década de 60, apenas seis filmes foram realizados por cineastas negros. Entre 1970 e 1990, a média anual subiu para 19 produções por década. No início do século XXI, o número saltou para 116 filmes na década de 2000 e atingiu um pico surpreendente de 586 na década de 2010. Esse aumento expressivo demonstra um crescente reconhecimento e apoio à produção cinematográfica negra no Brasil.
Heitor Augusto, um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, destaca a importância desses dados em evidenciar o impacto do racismo na produção intelectual das pessoas pretas na cena audiovisual brasileira. Além disso, ele ressalta o papel positivo das políticas afirmativas em impulsionar esse cenário.
A análise dos dados revela tendências significativas na realização cinematográfica negra brasileira. Dos filmes mapeados, 12% são longas-metragens, enquanto 84% são curtas e 4% são médias. Esta representação desigual destaca a dificuldade enfrentada por talentos negros para acessar posições de maior prestígio na direção de longas-metragens, evidenciando o impacto do racismo estrutural na indústria audiovisual.
A categoria de documentários representa 43% dos filmes mapeados, seguida por 38,5% de ficções, 13% de experimentais, 2,8% de animações e 2% de filmes híbridos. Essa distribuição varia quando analisamos exclusivamente longas-metragens, com 56% de documentários e 42% de ficções. Essa discrepância aponta para as dificuldades enfrentadas pelos cineastas negros na obtenção de recursos para produções ficcionais.
Invisibilidade audio-visual
Augusto destaca a relevância da história da realização cinematográfica negra no contexto do cinema brasileiro, uma conexão frequentemente negligenciada por agentes do campo, incluindo a Academia, a imprensa e os formuladores de políticas. O livro não apenas joga luz sobre essa relação, mas também desafia o paradigma da escassez, proporcionando uma visão abrangente e apropriada da importância dessa produção.
A produtora de cinema Fernanda Lomba tinha um incômodo constante: a falta de protagonismo negro nos bastidores do mercado. Para ela, o gargalo estava ligado à formação e projetos artísticos executivamente bem estruturados. Foi por isso, que ela fundou em 2019 o Instituto Nicho 54, a fim de alavancar pessoas negras para posições de liderança criativa, intelectual e econômica na indústria cinematográfica.
“O Instituto trabalha a partir de três eixos integrados: formação com aprimoramento das habilidades técnicas, curadoria para ampliar imaginários e mercado, para conectar e expandir parcerias internacionais”, diz ela.
Dividido em duas partes, o livro apresenta ensaios comissionados de pesquisadores e jornalistas negres, explorando temas como preservação da memória, curadoria, formação estética e a luta por representações verossímeis. Beatriz Nascimento, uma das figuras destacadas, é reconhecida por suas contribuições aos estudos do Cinema Negro.
O projeto visa transformar os dados em um banco de dados acessível ao público. “Cinemateca Negra” não é apenas uma análise aprofundada, mas uma celebração das realizações negras no cenário cinematográfico brasileiro.
O estudo não apenas coloca em destaque a rica contribuição da comunidade negra para o cinema brasileiro, mas também serve como um chamado à reflexão sobre os desafios contínuos enfrentados por esses talentos e a importância de se continuar avançando em direção à igualdade e representatividade na indústria cinematográfica. No Dia da Consciência Negra, esses números oferecem uma oportunidade de celebrar as conquistas alcançadas, ao mesmo tempo em que ressaltam a necessidade de continuar trabalhando para superar as barreiras persistentes.