Convenção do PSDB tem volta de Aécio e clima de velório

Partido perdeu metade da bancada no Senado e 187 prefeitos, além de contar com apenas 11 deputados federais.

O PSDB, partido preferido da burguesia brasileira por quase 25 anos, realiza sua convenção nacional em clima de velório. O ex-governador Marconi Perillo (GO) deve assumir a legenda, mas a eminência parda do evento é o deputado federal e ex-presidenciável tucano Aécio Neves (MG).

Recém-absolvido de uma denúncia de corrupção no caso JBS, Aécio ensaia uma volta à ribalta. Seus aliados sonham em vê-lo novamente no governo de Minas Gerais. Fernando Alfredo, que foi alijado da presidência do PSDB São Paulo (SP) neste ano, vai além: quer que Aécio dispute a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026. A aposta numa figura tão polêmica – para dizer o mínimo – revela as contradições e os impasses do PSDB.

Pesa a favor do neto de Tancredo Neves a derrocada de alternativas. O governador Eduardo Leite (PSDB-RS), cotado para liderar a renovação da legenda sob o governo Lula, foi engolido pela máquina partidária. Demandas de gestão também contaram. Por conta das chuvas no Rio Grande do Sul – que provocaram inundações, desalojamento e mortes –, Leite fez parceria até com o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) em setembro passado. Com as novas enchentes, pediu e recebeu com deferência o apoio da União.

No caso da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB-PE), a adesão ao conterrâneo Lula não dependeu de fatores climáticos. Cada vez mais próxima ao presidente, Raquel tem fugido de reuniões e eventos do PSDB. Em contrapartida, há poucos governadores que participaram de tantas agendas do Planalto como ela.

A razão é elementar: Pernambuco, terra natal de Lula, é uma das prioridades do governo. Só com o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a previsão de investimentos no estado é de R$ 91,9 bilhões em quatro anos. Com as unidades federativas invariavelmente estranguladas em termos fiscais, qual o sentido de fazer oposição frontal ao Planalto, conforme desejam um e outro prócer do PSDB?

Debandada

A eleição de três governadores em 2022 parecia ter dado uma sobrevida aos tucanos, a despeito da perda do governo de São Paulo – que estava sob hegemonia do partido havia 24 anos. Além do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, os tucanos elegeram o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel. É como se o partido tivesse sobrevivido para disputar corações e mentes num Brasil pós-Jair Bolsonaro (PL), com Lula e a esquerda no poder.

As ilusões começaram a se dissipar com o anúncio da desfiliação da senadora Mara Gabrilli, que, em janeiro de 2023, trocou o PSDB pelo PSD. Em junho, o senador Alessandro Vieira também deixou o partido e se filiou ao MDB. Em seis meses, os tucanos passaram de quatro para dois representantes no Senado, o que os levou a perder o gabinete da Liderança.

“O partido perdeu status: seu gabinete sempre foi o mais cobiçado da Casa. Além de espaçoso, com uma comprida mesa de reuniões e diferentes ambientes de trabalho, ele fica localizado no Salão Azul, de frente para o plenário e para o comitê de imprensa, e ao lado do gabinete da presidência do Senado”, lembrou a revista Piauí. “Despacharam no gabinete todos os líderes tucanos desde 1988, entre eles Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas. Nos turbulentos anos de 2015 e 2016, arquitetou-se ali a participação do PSDB no impeachment de Dilma.”

Sem o governo de São Paulo e sem uma bancada robusta de senadores, o PSDB foi também o partido que mais perdeu prefeitos no Brasil. Dos 531 eleitos em 2020, só restaram 344. A comparação com outras legendas mostra a gravidade da situação. Enquanto o Cidadania perdeu 69 gestores municipais e o PDT, 60, o PSDB lidera o ranking da debandada, com 187 prefeitos a menos. Em São Paulo, o tucano Bruno Covas, reeleito prefeito, morreu em 2021, vítima de um câncer, e foi substituído pelo vice, que é do MDB.

Estopim

Seja qual for o desfecho da convenção tucana, marcada para quarta (29) e quinta-feira (30), as fraturas permanecerão expostas. Há quem a situe seu estopim em 2014, quando Aécio Neves perdeu a eleição presidencial para Dilma Rousseff (PT) por uma margem estreita de votos – 51,64% a 48,36%. Credenciado a ser o principal líder da oposição, Aécio contestou sem provas o resultado eleitoral e começou a encolher. Foi vaiado posteriormente em manifestações golpistas. Não apesentou projetos relevantes no Senado. Quando a onda ultradireitista emergiu, foi visto como titubeante e moderado.

Em 2017, já no governo Michel Temer (MDB), o Ministério Público Federal (MPF) pediu sua condenação e prisão por crime de corrupção passiva. Aécio foi acusado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de ter recebido R$ 2 milhões em propina do empresário Joesley Batista, do grupo J&F, proprietário da JBS. Em março deste ano, 7ª Vara Criminal de São Paulo o absolveu por falta de provas.

Embora tenha continuado influente no PSDB, Aécio submergiu após as denúncias, que incluíam gravações constrangedoras. Trocou o Senado pela Câmara dos Deputados, para a qual foi eleito em 2018 e 2022. De um pleito a outro, porém, seu desempenho eleitoral minguou – de 106 mil votos para 85 mil. No ano passado, o candidato tucano a governador de Minas, Marcus Pestana, acabou a disputa com vexatórios 0,56% dos votos válidos. A bancada do PSDB-MG na Câmara caiu de cinco para dois deputados.

Outra crise que marcou o partido se deu em São Paulo, berço e histórico reduto tucano . Em 2016, à revelia da cúpula do PSDB, o empresário João Doria venceu as prévias para disputar a Prefeitura de São Paulo. Na ocasião, o favorito era o também empresário Andrea Matarazzo, que tinha o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador José Serra (PSDB-SP). Doria, por sua vez, tinha como principal cabo eleitoral o então governador paulista e ainda tucano, Geraldo Alckmin.

Cerca de 27 mil filiados estavam aptos a participar das prévias. Mas o quórum, já no primeiro turno, foi de apenas 6,2 mil votantes. Doria e Matarazzo se enfrentariam no segundo turno, em meio a denúncias de “compra de votos” e “abuso de poder econômico”. Ao se dar conta de que não teria chances de vencer – nem tampouco de competir à altura –, Matarazzo desistiu do embate e, a dois dias do segundo turno, deixou o partido.

Bolsodoria

Doria venceu não apenas as prévias – mas também as eleições municipais. Dois anos depois, em 2018, renunciou ao cargo de prefeito de São Paulo para concorrer ao governo paulista. Alckmin, seu fiador, disputou a Presidência da República.  Na campanha eleitoral, Doria traiu abertamente seu aliado. Sofreu uma derrota impiedosa na capital, mas venceu, de modo apertado, a disputa no estado contra Márcio França (PSB-SP). Para isso, atrelou-se abertamente à candidatura presidencial de Jair Bolsonaro, criando a chapa “BolsoDoria”.

O resultado nacional de 2018 chocou o PSDB, que venceu duas eleições presidenciais em primeiro turno (1994 e 1998), além de ter disputado o segundo turno nos quatro pleitos seguintes (2002, 2006, 2010 e 2014). Com índices elevados de aprovação no estado de São Paulo, Alckmin tinha, em 2018, a maior coligação, a campanha mais cara e o maior tempo de TV.

Ainda assim, o mais longevo dos governadores paulistas saiu das urnas numa inesperada quarta colocação, com minguados 4,76% dos votos válidos, atrás de Bolsonaro, Fernando Haddad (PT) e até Ciro Gomes (PDT). Mesmo entre os eleitores paulistas, não passou de 9,52%. No Rio de Janeiro, teve menos votos que o folclórico Cabo Daciolo. No Amazonas, foi o sexto colocado.

A derrota abriu caminho para que Doria virasse o novo cacique do PSDB. Na condição de governador, tentou capitalizar os investimentos na vacina anti-Covid como trunfo para concorrer às eleições presidenciais. Àquela altura, porém, não tinha mais ao lado nem Alckmin, que deixou o PSDB, nem Bolsonaro, que lhe virou as costas. Venceu, mas não levou as prévias para o Planalto. Renunciou, mesmo assim, ao governo paulista e se declarou aposentado da política. Pouca gente no PSDB sentiu sua falta ou manifestou solidariedade pública.

O PSDB chegou a eleger oito governadores em 2010, no auge do lulismo. A provável desfiliação de Raquel Lyra deve deixar os tucanos com apenas dois governos estaduais – sua pior representação desde 1990. Na Câmara, onde já chegou a ter uma bancada de 99 deputados, na legislatura 1999-2003, o PSDB conta agora com 11 parlamentares. Aécio se movimenta para organizar o que sobrou deste partido que já foi um dos maiores do País, mas que agora está em frangalhos.

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