Lula sanciona Dia da Consciência Negra como feriado nacional

Lei foi sancionada pelo presidente da República nesta quinta-feira. Liderança da Unegro explica o sentido profundo desta conquista

Lei que torna feriado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser celebrado em 20 de novembro, foi publicada no Diário Oficial da União nesta sexta-feira (22). É o que determina a Lei 14.759, sancionada nesta quinta-feira (21) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Com a sanção presidencial, esse marco passa a integrar o calendário nacional, consolidando mais um importante aceno público em prol da valorização da história e das raízes culturais da população brasileira”, informou a Presidência, em nota.

O projeto de lei (PL) 3.268/2021 foi aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro e passa a vigorar em todo o país a partir de 2024. Atualmente, o dia já é feriado em seis estados (MT, RJ, AL, AM, AP e SP) e cerca de 1,2 mil cidades. 

A data remete ao dia da morte de Zumbi (1655-1695), o líder do Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas, um dos maiores do Brasil durante o período colonial, de resistência contra a escravização negra no país.

Desde 2003, as escolas passaram a ser obrigadas a incluir o ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff oficializou o 20 de novembro como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Para o coordenador da Unegro (União de Negras e Negros pela Igualdade), Julião Vieira, isso tem um simbolismo e um significado muito grande para a luta do movimento negro brasileiro. “Fomos nós que trouxemos à tona, a importância do 20 de novembro para os calendários nacionais da luta do povo brasileiro. Como nós temos o 8 de março, o 1º de maio e tantas outras lutas nacionais do nosso povo, em particular o 20 de novembro, foi uma luta longa do movimento”, afirma. “Eu acho que Lula, quando sanciona esse projeto de lei que foi repatriado pelo senador Paulo Paim, ele demonstra o seu compromisso, ele demonstra o significado que isso representa para nós”. 

Ele diz que a data faz um contraponto ao 13 de maio, quando foi abolida a escravidão no Brasil, em 1888. Para o movimento, segundo explica Julião, essa data “não simboliza a luta por libertação, da construção de uma nova sociedade mais democrática, da luta contra esse racismo estrutural, da luta contra a violência policial, o extermínio da nossa juventude negra, a violência sobre as mulheres negras, o desemprego em massa dos trabalhadores e homens negros e negras no mercado de trabalho”.

Mas o militante do movimento não diminui a importância do 13 maio. Negros de todo o Brasil celebraram em 1888 a data pelo que ela representava de uma longa luta de resistência contra a escravidão. “Quando a Princesa Isabel assina a Lei Áurea, isso ocorre por conta de toda uma movimentação social dos abolicionistas, das rebeliões nas senzalas, dos quilombolas, e muita pressão de um movimento popular de massa nesse período”.

No entanto, um feriado não é tudo na vida de uma população que continua vivendo sob profundo racismo estrutural. “A luta continua. Romper com essa estrutura vai levar um certo tempo, alguns anos de transformação social, de mudança na estrutura política do nosso país. Então, o feriado tem o significado político, tem o simbolismo importante, mas nós sabemos que o racismo no Brasil vai continuar, apesar do feriado nacional. E nós vamos ter que continuar travando a batalha e ocupando os espaços de poder. Precisamos de mais”, declara Julião.

Vitória sobre o obscurantismo

A sanção do feriado também joga uma pá de cal num período de retrocessos, com as recorrentes manifestações e ataques ao movimento negro por parte do presidente da Fundação Cultural Palmares, entre 2019 e 2022, Sérgio Camargo. 

Ele chegou a propor a mudança do nome do órgão, criado em 1988 para promover e preservar a cultura negra, para Fundação Princesa Isabel, em pleno 20 de novembro de 2021. Em 2020, ele editou uma portaria que excluía 27 personalidades negras do rol de homenageados pela instituição. Com isso, a Fundação passou a perseguir objetivos contrários aos que pretendia.

“Sérgio Camargo foi o chamado capitão-do-mato. Um traidor”, comentou o dirigente da Unegro, referindo-se à figura do homem negro que era usado pela Casa Grande para perseguir escravizados fugidos. “A família dele, inclusive, ficou extremamente envergonhada quando ele assumiu e tomou as primeiras atitudes contrárias à luta do nosso povo”. 

Para Julião, Camargo simbolizava os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro, “um governo anti-democrático, racista, preconceituoso, que caçou os direitos sociais do povo, que aumentou a violência e o racismo no Brasil. “Eu acho que a vitória do Lula com as forças democráticas e populares resgata o respeito às instituições democráticas, às lutas e movimentos sociais”, destaca.

Origem

Em 1971, um grupo de jovens negros se reuniu no centro de Porto Alegre para pesquisar a luta dos seus antepassados e questionar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como referência de celebração do povo negro. No lugar, sugeriam o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, para destacar o protagonismo da luta dos ex-escravizados por liberdade e gerar reflexão para as questões raciais. 

Aquele questionamento foi a semente de um processo de consciência da integração da população negra no Brasil por meio dos valores da negritude. Assim como o 13 de maio era uma imposição da sociedade branca em celebração a uma suposta concessão de sua bondade. Até então, a integração das pessoas negras se dava pela via do embranquecimento. Mais integrado se sentiria uma pessoa negra, quanto menos negra se afirmasse física e culturalmente, negando sua negritude e suas raízes históricas. 

A escolha do 20 de novembro representou uma forma de valorizar a cultura, a história e o papel político dos afro-brasileiros na sociedade. Esses elementos passam a balizar a identidade e as ações do movimento negro, a partir de então.

Entre os jovens que se reuniram em Porto Alegre estavam Antônio Carlos Côrtes, Oliveira Silveira, Ilmo da Silva, Vilmar Nunes, Jorge Antônio dos Santos (Jorge Xangô) e Luiz Paulo Assis Santos. Juntos, eles formaram o Grupo Palmares, uma associação que realizava estudos sobre a história e a cultura negra. Foi em uma reunião na casa dos pais de Côrtes que escolheram o nome em alusão ao quilombo que resistiu por quase cem anos.

Para os gaúchos, já passava da hora de romper com a ideia de liberdade concedida, substituindo-a por uma concepção de liberdade conquistada. O advogado, Antônio Carlos Côrtes, hoje com 74 anos, destaca que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel (1846-1921) no dia 13 de maio de 1888, foi uma “abolição incompleta”, pois não garantiu assistência ou apoio governamental para o acesso a terras, educação e trabalho a mulheres e homens antes escravizados. 

Um símbolo dessa condição é a Lei da Vadiagem, que tem raízes no Código Criminal do Império e no Código Penal de 1890, e atingiu em cheio os ex-escravizados e seus descendentes, além de continuar em vigor. Os negros estavam livres pela Lei Áurea, mas sem trabalho e impedidos de frequentar escolas, e eram considerados vagabundos. A lei pune quem estiver “habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que assegure meios bastantes de subsistência”.

O Dia da Consciência Negra ganhou visibilidade pela primeira vez em 1971, quando o grupo pioneiro realizou um ato evocativo à resistência negra na noite do dia 20 de novembro no clube Marcílio Dias, em Porto Alegre. O evento valorizava “o herói Zumbi dos Palmares”.

1º Ato Evocativo ao 20 de novembro, realizado em 1971 pelo Grupo Palmares, em Porto Alegre no Clube Náutico Marcílio Dias. Foto: Acervo Oliveira Silveira/Reprodução

Começaram a surgir manifestações em todo o país dando apoio à iniciativa e atos relembrando figuras negras históricas e até então esquecidas pelos livros de história e pela sociedade em geral. Os atos passaram a ser replicados todo mês de novembro em várias cidades. 

A proposta defendida pelo Grupo Palmares ganhou fôlego em 1978 quando foi assumida pelo Movimento Negro Unificado (MNU). A partir dali, a data foi cravada com um marco da luta e resistência ao racismo. O apoio do MNU colocou de vez na agenda política nacional a necessidade de criação de políticas públicas de igualdade e equidade racial, ausentes no 13 de maio de 1888.

Depois da aprovação pelo Senado, em 2003, o Dia da Consciência Negra entrou no calendário escolar a partir da sanção da Lei 10.639, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Oito anos depois, a então presidente Dilma Rousseff oficializou a data como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Mas o 20 de novembro só era feriado em locais com leis municipais ou estaduais específicas. 

No Rio Grande do Sul, onde surgiu o Grupo Palmares, apesar de uma lei de 1987 ter inserido o dia no calendário oficial, a data não é considerada feriado. 

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