Desmonte do estado no Equador e a atração juvenil pelo narcotráfico

Organizações sociais no país criticam ultraliberalismo que destruiu capacidade das instituições de responder à crise de segurança.

Desmonte da proteção social agudiza a pobreza e favorece apelo do narcotráfico no Equador

O Equador enfrenta uma profunda crise de segurança, com a violência e a instabilidade atingindo níveis alarmantes. Setores de esquerda apontam para a privatização generalizada e as políticas ultraneoliberais como fatores que contribuíram para o atual caos que assola o país.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) destaca que mais de 125 mil homens armados em segurança privada operam no Equador, dobrando o contingente policial. Segundo ela, a violência que agora se desencadeia é uma consequência direta da privatização da segurança pública. Ela cita o professor Leonardo Trevisan, especialista em relações internacionais, que corrobora essa visão, argumentando que a ganância neoliberal está comprometendo serviços essenciais e ameaçando a estabilidade democrática.

As críticas ao neoliberalismo, doutrina que preconiza a mínima intervenção do Estado na economia, ganham força. A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) responsabiliza as políticas neoliberais pela crise de segurança, afirmando que essas medidas destruíram o Estado e suas instituições, deixando-as incapazes de responder.

A organização indígena, fundada em 1986 e composta por 53 organizações de base indígena, destaca que o país enfrenta um problema estrutural decorrente da radicalização das políticas neoliberais. Elas não apenas agravaram a desigualdade e a pobreza, mas também criaram condições sociais propícias para o recrutamento de jovens pelo crime organizado.

Os povos originários argumentam que os criminosos têm explorado a permissividade das autoridades, infiltrando-se em entidades estatais e enfraquecendo a institucionalidade encarregada da segurança pública. Em resposta, a Conaie convoca a população a participar de guardas comunitárias para controlar o acesso a seus territórios e destaca a necessidade de construir a unidade nacional para superar a crise.

O ex-presidente de esquerda Rafael Correa defendeu as medidas duras contra o crime organizado, mas ressaltou os motivos para esta crise. Ele atribuiu a situação atual de violência a sete anos de destruição causada pela direita. “O Equador chega a este ponto de violência após 7 anos de destruição e desaparecimento do Estado de Direito”.

A própria economia dolarizada do país favorece a lavagem de dinheiro do narcotráfico, algo admitido pelo próprio presidente Noboa. O crime organizado se espraia por amplos setores da sociedade, inclusive nas grandes empresas privadas, que servem para lavagem do dinheiro.

O ex-presidente responsabilizou os governos Lasso e Moreno pelos acontecimentos atuais. “Os governos de Lasso e Moreno são os culpados do que está acontecendo. Não vi um processo de destruição em época de paz como no caso equatoriano”.

Correa também destacou o fortalecimento do crime organizado, salientando que, embora sempre tenha existido, a diferença é que agora se infiltrou nas estruturas das Forças de Segurança. Ele também mencionou a necessidade de milhares de policiais, que foram transferidos para funções burocráticas, retornarem às ruas.

Os centros penitenciários carecem de investimentos estatais em segurança e policiamento, enquanto os funcionários são muito mal pagos, o que cede espaço para que o sistema prisional seja controlado pelos próprios criminosos.

Origens da crise e impacto neoliberal

O aumento da violência no Equador não é apenas resultado de eventos recentes, mas tem raízes nas diretrizes políticas adotadas nos últimos anos. Com o retorno ao neoliberalismo em 2017 e seu aprofundamento desde então, o país deixou de ser um dos mais seguros da América Latina para se tornar um dos mais inseguros do continente.

A incursão do crime organizado está relacionada ao desmonte do Estado, à suspensão de instituições como o Ministério da Justiça e à supressão das políticas de segurança interna. Nesses seis anos de neoliberalismo, as lógicas de mercado não resolveram as questões de segurança, evidenciando que a substituição da segurança interna soberana por estratégias securitistas de mercado é parte central do problema.

Além das questões internas, fatores geopolíticos também desempenham um papel significativo na crise de segurança equatoriana. A estreita colaboração entre Equador e Estados Unidos, incluindo acordos militares amplos, levanta preocupações sobre a violação da soberania e a possível intervenção militar estrangeira.

Diante do cenário crítico, o presidente equatoriano Daniel Noboa declarou estado de emergência, toque de recolher e estado de conflito armado interno. No entanto, a classificação de grupos do crime organizado como organizações terroristas levanta questionamentos sobre a aplicação desse conceito em um contexto penal, gerando preocupações adicionais sobre direitos civis e políticas antipopulares.

A embaixada do Brasil em Quito confirmou nesta quarta-feira (10) que um brasileiro foi sequestrado no Equador. Na terça-feira o Ministério das Relações Exteriores tinha dito que acompanhava a denúncia do sequestro. Thiago Allan Freitas, de 38 anos, foi sequestrado na cidade de Guayaquil, mas foi libertado pela polícia e está bem.

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