Conselho do MJ recomenda uso de câmeras corporais por forças de segurança

Recomendação do CNPCP e reviravolta do governador de SP, Tarcísio de Freitas, apontam para uma nova era de transparência e segurança nas ações das forças policiais

Imagem: Félix Zucco / Agencia RBS

Na última sexta-feira (19), o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) aprovou uma recomendação que poderá transformar o cenário da segurança pública no Brasil. Composta por juristas e especialistas na área, a resolução sugere que forças de segurança, como policiais militares, civis federais, rodoviários federais, entre outros, utilizem câmeras corporais em seus uniformes. Veja a íntegra aqui.

A recomendação vai além do simples uso, propondo que os estados adotem modelos que gravem automaticamente e armazenem dados referentes a um período de três a seis meses do trabalho do policial. Atualmente, no Brasil, aqueles que já utilizam esses equipamentos armazenam conteúdo de apenas um mês.

De acordo com o Ministério da Justiça, a recomendação será submetida ao ministro Flávio Dino, que decidirá sobre a validade do texto, podendo encaminhá-lo para publicação no Diário Oficial da União (DOU). Vale ressaltar que, mesmo com a aprovação, a medida não será obrigatória para os estados.

Atualmente, 11 estados já utilizam as chamadas bodycams, câmeras corporais, nos uniformes de seus policiais, sendo oito deles com uso permanente e três em fase de testes. Outros quatro estados encontram-se em processo de aquisição, enquanto nove estudam adotar a tecnologia. O presidente do CNPCP, Douglas de Melo Martins, destaca a necessidade de uma possível padronização, embora reconheça a dificuldade de impor um padrão único neste momento.

“Cada estado está regulando de uma forma, cada órgão regulando de uma forma, com características que eventualmente podem não atender à finalidade do instrumento. Não é possível, neste momento, impor um padrão único. Se fizéssemos assim, talvez se tornaria letra morta, mas a nossa recomendação é que havendo apontamento que, mesmo não sendo obrigatório, talvez nós consigamos começar a padronizar. É um processo de maturação”, afirmou.

Experiências nos estados

Em algumas localidades, como o Rio de Janeiro, o uso das câmeras já é uma realidade, enquanto em São Paulo, que possui a maior força policial do país, a discussão gerou polêmicas. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Unicef indicam que a adoção das câmeras corporais contribuiu para uma queda significativa de 62,7% nos óbitos decorrentes de intervenções policiais entre 2019 e 2022. Além disso, a Fundação Getulio Vargas produziu um estudo a pedido do comando da PM paulista, revelando que as câmeras evitaram 104 mortes na região metropolitana em 14 meses analisados. Também houve uma redução de 57% no número de mortes decorrentes de ações policiais em comparação com unidades policiais sem a tecnologia.

Tarcísio muda discurso

Apesar dos resultados positivos, o uso das câmeras foi alvo de controvérsias na Justiça, com uma liminar derrubada em dezembro em São Paulo. No entanto, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) agora sinaliza uma mudança de postura, anunciando estudos para ampliação do programa no âmbito do Muralha Paulista, que deve ser lançado pela pasta da Segurança Pública ainda em 2024.

“A gente vai lançar o Muralha Paulista, e a ideia é aumentar a segurança. E quando eu falo em segurança, falo em todas as dimensões. A gente vai usar tecnologia. A câmera corporal é uma das componentes de tecnologia que se integram ao Muralha Paulista, então nós vamos avaliar o uso dessas câmeras, né?! Há possibilidade até de ampliação”, disse Tarcísio.

“Isso está sendo estudado na Secretaria da Segurança Pública. Nós vamos entrar com investimento muito forte em monitoramento, em tecnologia. Uma organização de dados em nuvem para que a gente possa, por meio da inteligência artificial, ter uma previsão de comportamento criminoso e melhor disposição de efetivo”, completou.

A mudança de postura ocorre menos de um mês após ele afirmar ao Bom Dia SP, da TV Globo, que não investiria na implementação de mais câmeras no uniforme de policiais militares porque elas não tinham efetividade na segurança do cidadão paulista. “A gente não descontinuou nenhum contrato. Os contratos permanecem. Mas qual a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma”, afirmou na ocasião.

Testes no sistema prisional

Além do uso policial, a recomendação do CNPCP inclui testes no sistema prisional, com a implementação das câmeras em cinco presídios federais. O secretário Nacional de Políticas Penais, Rafael Velasco, destacou que as bodycams também têm impacto na diminuição de casos de calúnia contra policiais, apontando uma queda de 90% nos locais onde foram adotadas.

“Nós faremos uma unidade piloto em cada um dos [cinco] estados. Para que a gente possa medir a temperatura de cada ação prestada dentro do sistema. Será implementada nas cinco penitenciárias federais, integralmente, tão logo seja implementada junto com os estados”, afirmou o secretário.

“As câmeras não vão ser muitas, mas posso garantir que todos os estados que queiram receber os equipamentos receberão, mesmo que seja um número pequeno. O que eu posso garantir, vendo a experiência de São Paulo e vendo a experiência do Ceará, é que, mesmo em uma unidade prisional por estado, nós vamos ter a quebra de resistência na hora que os estados acessarem essas câmeras”, completou o presidente do Conselho, Douglas de Melo Martins.

Pontos da recomendação

Uma das questões abordadas no texto é a recomendação de que “órgãos de instituições de segurança pública priorizem modelos/sistemas de câmeras corporais que funcionem mediante acionamento automático, em detrimento daqueles de acionamento manual.”

Além disso, aconselha que os estados armazenem dados referentes a um período de três a seis meses do trabalho dos policiais, visando aumentar a transparência e a legitimidade das ações das forças de segurança.

O período de 12 meses de armazeamento é sugerido nos seguintes casos:

  • quando ocorrer prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão;
  • quando ocorrer ingresso em domicílio, com ou sem mandado judicial;
  • quando se efetivar busca pessoal ou veicular;
  • quando houver disparo de armamento letal;
  • quando houver ofensa à integridade física ou à vida;
  • quando, no âmbito das atividades prisionais, ao realizar inspeções em celas ou quando houver interação com a pessoa privada de liberdade e/ou que com ela possua vínculo de qualquer natureza.

Martins enfatiza que a recomendação do Conselho é que o “armazenamento seja realizado por maior tempo possível, todavia esse armazenamento é caríssimo. O Conselho entendeu que o valor do armazenamento tende a cair com o avanço da tecnologia”.

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com agências

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