Interrupção do programa “Olho Vivo” é retrocesso na Segurança Pública de SP

Tarcísio já retirou R$ 15,2 mi em investimentos no programa de câmeras corporais, dizendo que prefere investir em policiamento ostensivo.

O programa Olho Vivo do governo estadual foi implantado em agosto de 2020 / Rovena Rosa/Agência Brasil

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem questionado a eficácia das câmeras corporais em policiais e descartado investimento no projeto, durante entrevistas aos jornalísticos da TV Globo, neste mês de janeiro. Em 2023, o governo de São Paulo já havia indicado que a ampliação do programa “Olho Vivo” não era sua prioridade. Só no primeiro ano de governo, Tarcísio retirou R$ 15,2 milhões de investimento. 

Essa decisão levanta questionamentos sobre a eficácia das políticas públicas de segurança e preocupa especialistas, instituições e a sociedade civil.

A trajetória do programa “Olho Vivo” começou em 2019, quando a PM de São Paulo se via diante de um cenário crítico de violência policial descontrolada. Em 2014, a corporação registrava uma média de 832 mortes por ano, incluindo crianças e adolescentes. A escalada da violência coincidia com casos de corrupção dentro da própria PM, evidenciados por uma operação que prendeu 54 policiais suspeitos de colaborarem com o Primeiro Comando da Capital (PCC) no tráfico de drogas.

Em resposta à pressão da sociedade civil e às demandas do Ministério Público, o então governador João Dória decidiu agir. Inspirado em políticas públicas bem-sucedidas internacionalmente, especialmente nos Estados Unidos, onde o uso de câmeras nos uniformes policiais já era comum, o programa “Olho Vivo” foi lançado. Seu objetivo era reduzir a letalidade policial, controlar excessos e corrigir práticas injustas, fortalecendo a profissionalização da corporação.

A implementação do programa envolveu a expansão do uso de câmeras nos uniformes, com gravações enviadas para uma nuvem, permitindo monitoramento por diversas instituições. Com o apoio de comissões de mitigação de riscos, criadas em 2020, a iniciativa mostrou resultados positivos. Até o final de 2022, 62 dos 135 batalhões da PM faziam parte do programa, registrando uma queda significativa nas mortes causadas por policiais.

Em 2022, um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) comprovou a eficácia das câmeras ao revelar que após seu uso, o número de mortes causadas por policiais em atividades diminuiu 80% em comparação aos 12 meses anteriores.

A medida ganhou apoio de instituições e organizações da sociedade civil. No entanto, o atual governador, Tarcísio de Freitas, decidiu interromper o programa, desconsiderando seus êxitos e o respaldo público. A justificativa apresentada pelo governador é a inefetividade das câmeras na segurança do cidadão, prometendo investir em aumento de efetivo e equipamentos. Essa abordagem, segundo especialistas, pode representar um retrocesso na segurança pública, fortalecendo uma cultura de enfrentamento e vingança.

O governador defende que o policiamento ostensivo é a medida em que deve investir para reduzir o crime. “Se você aumenta policiamento ostensivo, você vai fazer menos abordagens, porque vai dissuadir o crime. E combinar mais investimento em iluminação pública para dissuadir o crime, porque iluminação pública afasta o criminoso”, defendeu. 

A decisão de Freitas de desacreditar o programa levanta questionamentos sobre o compromisso com a transparência e a responsabilização das forças de segurança. Especialistas apontam que a medida pode comprometer a redução da letalidade policial, aumentar a impunidade e enfraquecer o avanço conquistado nos últimos anos.

No dia 30 de dezembro de 2023, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, manteve a decisão que desobriga o uso de câmeras por policiais. Apesar de defender que o equipamento “aumenta a transparência nas operações, coibindo abusos por parte da força policial e reduzindo o número de mortes nas regiões em confronto”, o ministro afirmou que não é o momento de uma intervenção da Suprema Corte.

Entidades da sociedade civil, incluindo o Núcleo de Estudos da Violência da USP, criticaram a decisão de abandonar o programa. A nota emitida destaca a eficácia das câmeras na redução da letalidade, na formação de provas para processos judiciais e no aumento do registro de ocorrências de violência doméstica. A descontinuidade do programa levanta preocupações sobre o compromisso do governo com a segurança e a profissionalização das forças policiais, podendo resultar em retrocessos nos avanços conquistados nos últimos anos.

O debate sobre a segurança pública em São Paulo agora se intensifica, com diversos setores da sociedade expressando preocupação sobre os possíveis impactos negativos dessa decisão para a efetividade das políticas de segurança e o respeito aos direitos humanos.

Autor