Abin paralela interferiu em investigações a favor de filhos de Bolsonaro, diz PF

Ex-diretor e deputado federal Alexandre Ramagem chefiava a agência de inteligência quando o ex-presidente Jair Bolsonaro criou o Centro de Inteligência Nacional (CIN), em 2020

Foto: Reprodução

A Polícia Federal (PF) aponta que os filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro foram beneficiados pela espionagem ocorrida na Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante a gestão do ex-diretor da agência, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).

Pelo menos dois filhos do ex-presidente teriam os serviços da Abin à disposição: o mais novo, Jair Renan Bolsonaro, e o mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A informação foi divulgada nesta quinta (25) em relatório da PF.

Agentes da Abin tentaram atrapalhar a investigação e coletar informações com o objetivo evitar “riscos à imagem” de Bolsonaro.

A PF mira o uso pela Abin do software espião FirstMile, de fabricação israelense, e apura se a agência produziu relatórios sobre ministros do STF e opositores de Bolsonaro. Nesta quinta, os policiais foram às ruas para cumprir 21 mandados de busca e apreensão.

O principal alvo da operação é o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin e pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Em outra frente, a investigação encontrou indícios de que a Abin atuou para atrelar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, à facção criminosa PCC.

No documento em que autorizou buscas e apreensão, Moraes afirma ainda ter havido monitoramento ilegal da promotora responsável pela apuração do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

“Ficou patente a instrumentalização da Abin para monitoramento da promotora de Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista que lhe acompanhava”, escreveu Moraes.

De acordo com a investigação, a agência preparou relatórios para os advogados de defesa de Flávio no caso das “rachadinhas”. Os relatórios teriam sido elaborados sob responsabilidade do então chefe do CIN (Centro de Inteligência Nacional), Marcelo Bormevet.

Um grupo também teria levantado informações contra auditores da Receita Federal para anular a investigação contra o primogênito do ex-presidente.

O CIN tem origem em um decreto de Bolsonaro, assinado em julho de 2020, que criou novas estruturas dentro do organograma da Abin, à época chefiada por Ramagem. Apelidada de Abin paralela, os cargos de chefia da então nova estrutura foram lotados por servidores da agência e policiais federais próximos à Ramagem e da família Bolsonaro.

O monitoramento investigado na operação, diz a PF, foi feito pelo agente federal Felipe Arlota, um dos alvos que foi afastado do cargo por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O policial é um dos agentes próximos do senador Flávio Bolsonaro.

Após uma reunião das advogadas de Flávio com Bolsonaro, agentes da Abin teriam produzido relatórios sobre como o senador deveria atuar para se livrar das investigações.

No caso do filho mais novo de Bolsonaro, a Abin teria atuado para ajudá-lo, já que ele era alvo de investigação pela PF sobre as relações com empresas que mantinham e tinham interesse em contratos com o governo federal.

Agentes da Abin tentaram atrapalhar a investigação e coletar informações com o objetivo evitar “riscos à imagem” de Bolsonaro. Um policial federal lotado na Abin chegou a seguir um dos alvos da investigação, que, desconfiado, acionou a Polícia Militar. O policial foi ouvido pela PF e confirmou que trabalhava diretamente com Ramagem e que recebeu a missão de levantar informações sobre o caso investigado.

Abin paralela foi criada para espionar adversários políticos

Na famosa reunião ministerial de abril de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro reclamou de órgãos de inteligência da Polícia Federal e das Forças Armadas. No entanto, disse que a Abin lhe dava “algumas informações”.

Na reunião, Bolsonaro disse que a Abin ainda tinha um problema de “aparelhamento”. Meses depois, no entanto, o problema foi resolvido quando, em julho, a agência criou uma máquina operada por homens de confiança do então diretor-geral, Alexandre Ramagem, para espionar rivais e buscar informações para proteger a família do presidente.

Chamada de Abin paralela, o Centro de Inteligência Nacional (CIN) utilizou o software espião FirstMile, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), explorou estruturas, recursos humanos e dinheiro público para “monitorar sujeitos sem qualquer pertinência com as atribuições institucionais da Abin”.

O CIN chegou a monitorar um jantar do então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Na época, Maia era um desafeto determinante para a gestão de Bolsonaro.

As investigações dão conta ainda de que um servidor da Abin “teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então governador do Ceará, Camilo Santana (PT-CE)”, sem justificativa técnica para tal ação.

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