Tragédia de Mariana: mineradoras terão de pagar indenização bilionária

Além de 19 mortes, rompimento de barragem provocou impactos ambientais graves e afetou cerca de 2 milhões de pessoas

A Justiça Federal de Minas Gerais condenou nesta quinta-feira (25) a mineradora Samarco e suas acionistas Vale e BHP a pagarem uma indenização bilionária por danos morais coletivos aos atingidos pela tragédia de Mariana (MG). Em novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, liberou 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos, devastou comunidades e provocou a morte de 19 pessoas.

Além das perdas humanas, a tragédia teve impactos ambientais graves. A lama de rejeitos chegou a alcançar a foz do Rio Doce, no Espírito Santo, afetando cerca de 2 milhões de pessoas. A decisão judicial reconhece a “ofensa sistêmica a direitos fundamentais da coletividade, o que inclui, evidentemente, a fruição do bem ambiental”.

As ações civis públicas contra as mineradoras – que cobravam reparação dos danos ambientais e socioeconômicos – foram apresentadas por cinco instituições: Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público do Espírito Santo, Defensoria Pública de Minas Gerais e Defensoria Pública do Espírito Santo.

Conforme a Justiça, as empresas condenadas terão de pagar R$ 47,6 bilhões em indenizações a serem usadas exclusivamente nas áreas impactadas. Embora caiba recurso, a Samarco – uma joint-venture que é fruto da parceria entre a brasileira Vale e a australiana BHP – sabe a dimensão de crise.

Segundo Vinícius Cobucci Sampaio, juiz substituto da 4ª Vara Federal Cível e Agrária, de Belo Horizonte, “Vale e BHP dispõem de recursos para arcar com a condenação, pois são as duas maiores mineradoras do planeta”. Um dos argumentos da ação era o de que, devido à extensão dos danos à coletividade, a punição teria efeito “preventivo e pedagógico”.

“O estado de coisas anterior ao desastre não retornará. As perspectivas de desenvolvimento das comunidades e seus integrantes que então existiam à época do rompimento não mais subsistem”, registrou Vinícius. “Além do sofrimento individual de cada vítima, o ideal de coletividade – enquanto elemento que une as pessoas das comunidades atingidas e o ambiente em que viviam – foi impactado negativamente.”

Ainda há mais de 80 mil processos judiciais contra as mineradoras. Uma das queixas mais frequentes se relaciona aos valores irrisórios de indenização. Estima-se que o total de prejuízos causados pela tragédia seja de R$ 155 bilhões.

O valor da condenação pelo dano moral coletivo foi proporcional à indenização pelo dano material, conforme precedentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O juiz admitiu o atraso da decisão e citou a tragédia de Brumadinho (MG), que ocorreu há cinco anos e deixou 270 mortos: “A ausência de resposta jurídica adequada (à tragédia de Mariana), no momento oportuno, possivelmente contribuiu para o rompimento da barragem em Brumadinho em 2019.”

Vinícius também criticou as mineradoras pelo cumprimento enviesado do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em 2016 entre as empresas e os governos federal, mineiro e capixaba. A medida deu origem à Fundação Renova, que financia 40 programas para comunidades do curso do Rio Doce.

Segundo o magistrado, parte do dinheiro “não se converteu em ações em favor dos atingidos e há gastos muito questionáveis como os milhões de reais gastos em publicidade que, na verdade, aparentava contornos de uma campanha de marketing”. Além disso, falta transparência à Fundação, que toma medidas sem consultar os envolvidos.  

“Houve a privatização do direito da coletividade ao permitir que uma comissão apócrifa de atingidos pudesse atuar em nome de todos, sem a participação necessária do MP. Acordos foram levados à homologação, sem a prévia manifestação dos atores envolvidos no TTAC e sem a observância de seus ritos, técnica bastante utilizada pela Renova”, concluiu o juiz.

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