Hora da verdade coloca Bolsonaro no centro da tentativa de golpe

Agentes encontram na sala de Bolsonaro, documento que defende a decretação do estado de sítio. Seu nome é citado 70 vezes nas 135 páginas do STF que autorizam a operação da PF

Foto: Carolina Antunes

A Operação Tempus Veritatis (Hora da Verdade), da Polícia Federal, realizada nesta quinta, 8, coloca Bolsonaro no centro do fracassado golpe contra as instituições brasileiras. Documentos e filmes que vieram à tona mostram o papel ativo do ex-presidente na tentativa de desacreditar o processo eleitoral e criar condições para um golpe de Estado a fim de melar o resultado eleitoral e mantê-lo no poder.

A nota emitida pela PF diz que a operação é para “apurar organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito”. Diz ainda que o objetivo do grupo era “obter vantagem de natureza política com a manutenção do então presidente da República (Bolsonaro) no poder”. O ex-presidente foi citado 70 vezes no documento em que o STF autorizou a operação.

A operação acontece pouco mais de uma semana depois da família Bolsonaro ser alvo de outra ação da PF que investiga esquema de espionagem ilegal na Abin (Agência Brasileira de Inteligência)

A Policia Federal encontrou um documento que previa a “declaração” de estado de sítio e um “decreto” de Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no escritório do ex-presidente Jair Bolsonaro na sede do Partido Liberal, em Brasília. A autoria do documento, no entanto, ainda é desconhecida.

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Segundo a PF, o texto do discurso dizia que a decretação do estado de sítio seria necessária “para restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil”.

“Afinal, diante de todo o exposto, e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o estado de Sítio e, como ato contínuo, decreto operação de garantia da lei e da ordem”, diz o parágrafo final do documento.

Na Constituição, o estado de sítio é previsto em situações de “comoção grave de repercussão nacional” ou de “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”.

A aprovação depende do Congresso Nacional, após consulta do Executivo ao Conselho da República (formado pelo presidente, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, o ministro da Justiça e os líderes da maioria e da minoria da Câmara e do Senado)e o Conselho de Defesa Nacional, (formado pelo vice-presidente e pelos presidentes da Câmara e do Senado, ministros da Justiça, das Relações Exteriores e da Fazenda e de comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica). 

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O documento tem um dos jargões mais conhecidos do ex-presidente, que sempre alegou “jogar dentro das quatros linhas”.

“Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, diz o texto.

Antes mesmo dos agentes encontrarem o documento, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou medidas cautelares alternativas à prisão.

As medidas, determinadas pelo Supremo Tribunal Federal são:

• a entrega de passaporte às autoridades dentro de 24 horas;

• a proibição de deixar o país;

• e a proibição de manter contato com os demais investigados.

Além das medidas restritivas contra Bolsonaro, o núcleo duro de seu governo também é alvo; nomes como o do ex-ministro como Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa), além de assessores de primeira hora, como Filipe Martins, conhecido por ter feito um gesto supremacista branco em meio à uma sessão no Senado.

A operação deflagrada pela PF teve como base a delação premiada feita por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que chegou a ser preso no âmbito das investigações sobre adulteração da carteira vacinal do ex-presidente e sua família.

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Outra minuta foi avaliada e modificada por Bolsonaro, diz PF

As investigações da Polícia Federal encontraram outra minuta de golpe em um áudio do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. De acordo com os investigadores, essa minuta teria sido entregue à Bolsonaro pelas mãos de seu então assessor especial, Filipe Martins (preso na casa da namorada na operação desta quinta) e Amauri Feres (alvo de busca).

” O Presidente vem sendo pressionado, aí, por, por vários atores a tomar uma medida mais, mais radical né? Mas ele ainda tá naquela linha do que foi discutido, que foi conversado com os Comandantes, né, e com o Ministro da Defesa. Ele entende as consequências do que pode acontecer. E… hoje ele, ele, ele… ele mexeu naquele decreto, né. Ele reduziu bastante. Fez algo muito mais direto objetivo e curto, e limitado, né”, disse Cid.

A minuta original, elaborada por Martins e Feres, previa a prisão de dois ministros do STF, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), após consumado o golpe de Estado.

Bolsonaro, no entanto, pediu em uma reunião com Martins e Feres que os nomes de Pacheco e Gilmar fossem retirados do documento, mas não o de Moraes, que era o então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O ex-presidente também quis que fosse mantido trecho que previa a realização de novas eleições.

Em uma operação após o 8 de janeiro, a PF já tinha encontrado uma outra minuta, também de tom golpista, na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Reunião da “dinâmica golpista”

Outro evento revelado pelas investigações foi uma reunião convocada por Bolsonaro com a alta cúpula do governo federal, em 5 de julho de 2022. No encontro, o então presidente cobrou aos presentes que usassem os cargos para disseminar informações falsas sobre supostas fraudes nas eleições. Um vídeo com a gravação da reunião foi encontrado em um dos computadores do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

“Daqui pra frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar ele vai vir falar para mim porque que ele não quer falar”, disse Bolsonaro, conforme transcrição feita pela PF,

No mesmo encontro, o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), defendeu que era preciso agir antes das eleições presidenciais de outubro daquele ano para garantir a permanência de Bolsonaro no comando do país. E usou uma referência esportiva – o assistente de vídeo, recurso usado para corrigir erros de arbitragem no campo de jogo – para afirmar que uma vez realizada, a eleição não poderia ser contestada.

“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, afirmou.

Heleno chegou a propor que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fossem infiltrados em campanhas eleitorais. Bolsonaro interrompeu a fala do general e orientou que conversassem sobre o tema posteriormente, em particular.

A partir dessa reunião, a PF aponta que foi realizada uma sequência de eventos para o planejamento do golpe, a partir de mensagens extraídas de celulares de Mauro Cid e nas quais o ajudante de ordens assume a tarefa de coordenação na disseminação de ataques à Justiça Eleitoral.

“A descrição da reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça eleitoral”, descreve a PF.

Monitoramento de Moraes

Os policiais federais identificaram ainda que o grupo monitorou deslocamentos do ministro Alexandre de Moraes entre Brasília e São Paulo, em diversas datas de dezembro de 2022.

O monitoramento foi descoberto nas mensagens trocadas entre Mauro Cid e o coronel do Exército, Marcelo Câmara, que atuou como assessor especial da Presidência da República e foi preso preventivamente nesta quinta-feira. Nas mensagens, Mauro Cid se referia ao ministro do Supremo como “professora”.

“A investigação constatou que os deslocamentos entre Brasília e São Paulo do ministro Alexandre de Moraes são coincidentes com os da pessoa que estava sendo monitorada e acompanhada pelo grupo. Assim, o termo ‘professora’ mutilizado por Mauro Cid e Marcelo Câmara seria um codinome para a ação que tinha o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como alvo”, informou a Polícia Federal

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