Crescente epidemia de suicídios com arma de fogo nos EUA alarma autoridades

A dificuldade de enfrentar o lobby de armas tem levado as autoridades de saúde a sociedade civil a se mobilizar em torno de medidas alternativas ao controle de acesso a armas.

Imagem de divulgação de loja

Os Estados Unidos enfrentam uma crise crescente de suicídios, com os números atingindo níveis alarmantes, de acordo com dados recentes divulgados pelo CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças). Em 2022, o país registrou um recorde de 49.449 suicídios confirmados, representando um aumento significativo em relação aos anos anteriores. Os números podem aumentar, pois as confirmações de suicídio demoram para serem notificadas.

O aumento constante na taxa de suicídio desde os anos 2000 é uma tendência preocupante, com a taxa atingindo 14,3 mortes por 100 mil habitantes em 2022, a mais alta desde 1941. Especialistas destacam que as causas desse aumento são multifacetadas, incluindo problemas de saúde mental, depressão, solidão e dificuldades econômicas. O estigma em torno do tema também influencia para a falta de notificação em anos anteriores, já que, atualmente, a classificação é mais técnica.

A epidemia de mortes por overdose de drogas, especialmente fentanil, também contribui para a crise, sendo difícil distinguir casos acidentais de intencionais. Além disso, a facilidade de acesso a armas de fogo nos EUA é apontada como um fator crucial, com mais da metade dos casos de suicídio em 2022 envolvendo o uso de armas de fogo. Das 48.117 mortes por arma de fogo em 2022, quase 27.000 foram suicídios.

Embora os atentados a tiro em massa dominem o debate sobre o controle de armas nos Estados Unidos, eles representam menos de 1% das mortes por armas de fogo. O suicídio com esse método é uma epidemia silenciosa no país: responde por 60% das mortes.

Embora outros países as taxas de suicídio sejam maiores, os EUA se diferenciam por este método, segundo análise da organização sem fins lucrativos National Bureau of Economic Research (NBER). Especialistas advertem que essas armas são particularmente letais em tentativas de suicídio, exacerbando o problema. Cerca de 85% das pessoas que usam armas para isso morrem. Entre as que usam outros meios, 95% sobrevivem — e mais de 90% dos que sobrevivem não tentam se matar novamente.

Além disso, as armas de fogo têm sido a principal causa de morte de crianças e adolescentes nos EUA nos últimos anos, com um impacto desproporcional em jovens negros. A taxa de suicídio com arma de fogo entre crianças e adolescentes negros triplicou entre 2003 e 2022, ultrapassando pela primeira vez a taxa entre jovens brancos da mesma faixa etária.

As taxas de suicídio entre diferentes grupos demográficos também revelam disparidades preocupantes. Homens mais velhos, por exemplo, apresentam taxas particularmente altas de suicídio, refletindo problemas de saúde, dificuldades financeiras e solidão.

As autoridades costumam focar nas motivações para o suicídio. Os especialistas gostariam que o método também fizesse parte do foco de intervenção pública. Sobreviventes de suicídios dizem que tiveram pouco tempo entre pensar nisso e executar (dez minutos), o que significa uma decisão muito rápida e impulsiva, que poderia ser revertida, caso o método fosse um obstáculo. Até mesmo uma fechadura pode ser um importante obstáculo entre um adolescente e a arma, ou a separação entre a arma e a munição.

Várias experiências de controle do acesso a métodos para suicídio revelam como as taxas caem automaticamente. Foi o caso dos suicídios de mulheres com monóxido de carbono dos fogões a carvão, na década de 1950, o acesso a pesticidas tóxicos no Sri Lanka, nos 1990, a redução no acesso a armas na Suíça, a proibição de levar armas para casa no final de semana pelo Exército de Israel, a proibição de venda de analgésicos em grande quantidade no Reino Unido, em 1998, e a instalação de barreiras em pontes nos EUA.

A National Rifle Association (NRA), principal grupo de lobby pró-armas do país, exerce uma influência permanente sobre o Partido Republicano e resiste ferozmente a quase toda legislação contra o amplo acesso a armas de fogo. Eles negam a correlação entre suicídios e armas, assim como negam os atentados a tiro em massa.

Mesmo assim, os estados vão criando suas próprias leis para intervir de alguma forma nos índices. Caso alguém ameace a si ou a outro com uma arma, membros da família podem denunciar e restringir seu acesso. Esta legislação no Texas e Ohio, acabou influenciando outros estados a adotar, somando apenas 17 deles. Enquanto isso, estados que derrubaram leis de controle de permissão de compra de armas, viram seus índices de mortes por arma de fogo aumentarem.

Outra iniciativa eficaz parte dos próprios lojistas de armas. Como percebiam a alta taxa de suicídios de seus compradores começaram a tomar medidas simples de orientação no manuseio de armas e prevenção a suicídio. A medida se espalhou pelo país, até entre outras lojas. A medida reduz danos entre uma população aficcionada por armas que rejeita controles estatais sobre seus direitos individuais.

Embora a taxa de suicídio entre crianças e adolescentes tenha mostrado uma queda em 2022, especialistas alertam que é cedo para determinar se essa tendência se manterá. O investimento em programas de prevenção de suicídio tem demonstrado resultados positivos, mas ainda há muito a ser feito para enfrentar essa crise em todas as faixas etárias.

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