Corte Interamericana condena Brasil por mortes em operações policiais

Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos determina que o Estado brasileiro tome medidas quanto aos assassinatos de sem-terra no PR e de outras 12 pessoas em SP

Ação da PM em Campo Largo (PR). Foto: arquivo/MST

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por violação de direitos humanos e de garantias judiciais em duas ações, cujas sentenças foram proferidas nesta quinta-feira (14). Uma delas diz respeito à ação da Polícia Militar do Paraná, que levou à morte do sem-terra Antonio Tavares e deixou 185 feridos, na cidade de Campo Largo, em 2000. A outra trata da Operação Castelinho, realizada pela PM de São Paulo em 2002, que resultou na morte de 12 pessoas em Sorocaba.

No caso do assassinato do trabalhador rural no Paraná, a decisão foi tomada no dia 16 de novembro. Por unanimidade, a CIDH decidiu condenar o Brasil a pagar indenizações que somam cerca de R$ 2 milhões, bem como tratamento psicológico, à família de Antonio Tavares. 

A sentença estabelece, ainda, que o país deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional; adotar todas as medidas adequadas para proteger de maneira efetiva o monumento feito em memória da vítima nas proximidades do ocorrido, em Campo Largo; incluir um conteúdo específico no currículo permanente de formação das forças de segurança que atuam no contexto de manifestações públicas no Paraná e adequar seu ordenamento jurídico no que diz respeito à competência da Justiça Militar.

Ao relatar sua decisão, o Tribunal concluiu que o assassinato de Tavares “foi consequência do uso indevido de armas de fogo para dispersar uma concentração de pessoas que incluía crianças, sem que houvesse uma ameaça iminente de morte ou lesão grave aos manifestantes, ao público ou à força pública, e sem qualquer advertência sobre a iminência de sua utilização. Por isso, a Corte considerou que tal morte constituiu uma privação arbitrária da vida imputável ao Estado do Brasil”.

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Em relação aos feridos, o Tribunal considerou que o Estado “fez uso da força de forma desproporcional e descumpriu a sua obrigação de proteger a integridade física e psíquica de ao menos 69 pessoas, incluindo seis crianças, assim como a integridade psíquica de 128 pessoas, em violação ao direito à integridade pessoal e aos direitos da criança, contidos nos artigos 5.1 e 19 da Convenção Americana”. 

A Corte também criticou o processo penal levado a cabo pela Justiça Militar, que contrariou a Convenção Americana e indicou que na investigação da morte “não consta que as diligências iniciais mínimas, conforme os parâmetros interamericanos, tenham sido adotadas, já que o Estado incorreu em falhas na preservação do local dos fatos e na obtenção, recuperação e preservação do material probatório”. 

Em 2 de maio de 2000, um grupo de manifestantes do MST, em luta pela reforma agrária, foi violentamente reprimido pela Polícia do Paraná, o que resultou na morte de Tavares e no ferimento de 185 pessoas. Apesar da gravidade do episódio, o caso ficou impune no âmbito judicial brasileiro.

Ayala Ferreira, integrante do Setor de Direitos Humanos do MST, enfatiza a importância da decisão: “Este é um país que nunca implementou de forma ampla e universal uma política de Reforma Agrária. E essa realidade de concentração da terra cria esse cenário de violência de uma guerra silenciosa que se emplaca no campo brasileiro”. 

Desde 1985, quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) passou a sistematizar os casos de violência no campo, foram registradas mais de dois mil assassinatos. 

Operação Castelinho

Ainda nessa sessão, a Corte também condenou o Brasil pela execução extrajudicial de 12 pessoas pela Polícia Militar de São Paulo durante a Operação Castelinho e pelas graves falhas nos processos judiciais decorrentes. Tais situações resultaram, segundo a Corte, na violação dos direitos à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial, à verdade e à integridade pessoal dos executados e de seus familiares.

O caso diz respeito a uma operação planejada pelo Gradi (Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância), da Polícia Civil de São Paulo, quer teria como alvo supostos membros do PCC. “Três pessoas condenadas, privadas de liberdade, que haviam sido autorizadas por ordem judicial a sair temporariamente da prisão, transmitiram a um grupo de 12 pessoas a notícia falsa de que um avião que transportava R$ 28 mil aterrissaria no aeroporto de Sorocaba no dia 5 de março de 2002, incitando-os a preparar um roubo ao referido avião”, lembra a sentença. 

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O transporte do valor não era verdade e teria sido um pretexto criado pelos agente do Gradi para atrair os assaltantes. Naquele dia, o grupo, juntamente com os infiltrados, saiu em direção ao aeroporto, pela Rodovia Castelo Branco. 

Quando o ônibus do comboio chegou ao pedágio, os agentes de PM interromperam o trânsito, rodearam o comboio e dispararam durante, aproximadamente, dez minutos contra o ônibus. Doze homens que estavam no ônibus e nas caminhonetes que o seguiam foram mortos. Ao todo, teriam sido disparados 114 tiros. 

Neste caso, a CIDH determinou o pagamento de R$ 5,4 milhões às famílias dos mortos. E estabeleceu ainda, entre outras medidas, a criação de um Grupo de Trabalho com a finalidade de esclarecer a atuação do Gradi no Estado de São Paulo, incluindo as circunstâncias da execução extrajudicial das vítimas e realizar recomendações que previnam a repetição dos fatos; oferecer tratamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico aos familiares; realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e adotar as medidas necessárias para garantir a plena implementação de dispositivos de geolocalização e registro de movimentos dos veículos policiais e dos policiais no estado de São Paulo. 

Além disso, a Corte determinou a adoção de medidas para a criação de um marco normativo para que todo agente policial envolvido em uma morte resultante de uma ação policial “seja separado temporariamente de suas funções ostensivas até que se determine a conveniência e pertinência de sua reincorporação por parte das corregedorias”.