Inflação recorde e guerra à política marcam os 100 dias de Milei na Argentina

Líder da extrema-direita coleciona desavenças com governadores, congressistas e, inclusive, com sua vice-presidente. Inflação e pobreza fazem aprovação despencar

A "arminha" de Milei fez o espetáculo da campanha eleitoral, enquanto os argentinos esperam pelos resultados concretos do primeiro mês de governo. Imagem de campanha nas redes sociais

O governo do presidente argentino Javier Milei chega nesta terça (19) aos seus 100 dias de mandado com os maiores índices inflacionários desde 1991e os contornos cada vez mais nítidos de um estalido social no país, que viu a pobreza crescer aos piores níveis dos últimos 20 anos.

Líder da extrema-direita do país e autodeclarado anarcocapitalista (teoria política sem pé nem cabeça que busca a aniquilação do Estado moderno exaltando o capitalismo), Milei foi eleito no contexto de uma grande crise política e econômica que lhe concedeu a marca histórica de presidente mais votado da história do país, com 14,4 milhões (55,69%) de votos em novembro.

No entanto, a desilusão do povo argentino não tardou a emergir desde o voto de protesto no segundo turno das eleições presidenciais em novembro. Pesquisas apontam que 56% dos argentinos reprovam a administração motoserra do ultraliberal, e 71,6% afirmam que sua situação econômica piorou desde a posse do líder da Liberdade Avança.

Logo que assumiu, Milei mandou ao Congresso dois pacotaços de medidas liberalizantes: A Lei Ônibus, chamada oficialmente de “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, e a DNU (Decreto Nacional de Urgência), assinado em dezembro e que revogou de mais 300 leis e normas em matéria de mercado de trabalho, planos de saúde, aluguéis e privatização de empresas estatais, entre muitas outras

As medidas do ultraliberal impactaram de imediato a vida da população, sobretudo da parcela mais pobre, que vê a inflação corroer a renda familiar. A inflação alcançou 26% em dezembro e 21% em janeiro, maior patamar desde a crise econômica em 1991.

Em janeiro, o consumo massivo de produtos domésticos sofreu uma retração de 3,8% na comparação com o mesmo mês em 2023, segundo a consultora Scentia. O levantamento registrou que as vendas nos supermercados caíram 8% no mesmo período.

A falta de consumo, segundo alguns economistas, derrubaram a inflação de janeiro, que recuou para 13%, ligeiramente mais alta do que o último mês do ex-presidente Alberto Fernández, em novembro, com 12,5%.

A consultoria ressalta a possibilidade de que a mudança dos hábitos devida à inflação tenha se intensificado durante a disparada dos preços. A velocidade da queda do poder de compra dos salários foi tão grande que sua deterioração chegou a 20% em apenas dois meses, segundo a secretaria do Trabalho.

Até mesmo os trabalhadores com remuneração “estável” perderam poder aquisitivo, mesmo com reajustes salariais mais regulares.

O índice Ripte, que mede a variação nominal dos salários deste grupo de trabalhadores que apresentam estabilidade no emprego no último ano, mostrou que em fevereiro o rendimento dessas famílias subiu 14,7%, quase seis pontos percentuais atrás do ritmo inflacionário daquele mês.

“É provável que também se intensifiquem hábitos que já vimos, com maior frequência nas idas aos mercados, mas com menos produtos por compras, para que se tenha mais cuidado com os gastos em cada ato de compra”, diz a Scentia.

A indignação do povo argentino é nítido nas ruas. No começo deste mês, uma série de catracaços foram registrados em Buenos Aires, após o aumento da tarifa do transporte público.

Os preços aumentaram porque o governo retirou subsídios das tarifas de ônibus, trem e metrô, –foi uma das primeiras medidas de ajuste fiscal anunciadas quando Milei assumiu.

Em protesto contra seguidos reajustes dos bilhetes de trem e de metrô promovidos pelo governo de Javier Milei, passageiros pularam catracas das estações para não pagar passagem em Buenos Aires.

Além destes pequenos detalhes, Milei também foi alvo de massivos protestos por várias províncias, inclusive uma greve de 24 horas das principais centrais sindicais do país.

Para além da economia, a crise política

Além da economia retrocedendo, Milei tem mais más notícias nesses 100 primeiros dias de governo: a classe política, a quem chama de “casta”, não se ajoelhou aos dogmas ultraliberais do chefe do Executivo e vem rechaçando a Lei Ônibus.

Na última quinta (14), o Senado, comandado pela sua vice-presidente Victoria Villaruel, rejeitou a Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos por 42 votos contra e 25 a favor.

Naquele dia, e nos seguintes, Milei destilou todo a sua raiva infanto-juvenil via X, o antigo Twitter. Sobrou até para Villaruel, que levou adiante a sessão sem comunicar o presidente, segundo suas reclamações na rede social.

Milei governa sem maioria no parlamento e com a ideia de que suas convicções políticas devem ser outorgadas sem objeções no Legislativo argentino. Diante dessa premissa, o ultraliberal abriu guerra contra os governadores das províncias, que protestam contra o corte de subsídios federais às regiões do país.

O problema que Milei enfrenta é que devido ao pacto federativo do país, os governadores possuem muita influência sobre os deputados e senadores do Congresso.

No começo do mês, depois de um breve gole de realidade, o presidente da Argentina convidou as lideranças das 23 províncias e da capital, Buenos Aires, para discutirem novo pacto fiscal e fundador do país. O libertário marcou conversas para 25 de maio, em Córdoba, e disse que elas estão subordinadas a aprovação do seu “super” pacote econômico “Lei Ônibus”, na Câmara dos Deputados.

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