Em meio à violência em Gaza, guerra de informação é arma da pressão internacional

O modo como a imprensa manipula o clima do conflito oscila para beneficiar Israel e marginalizar o Hamas, em meio a manifestações gigantes contra Netanyahu até mesmo dentro de Israel.

Força Aérea dos EUA libera paletes de ajuda humanitária com alimentos e água sobre Gaza, 2 de março de 2024. (foto da Força Aérea dos EUA)

Agências internacionais de notícias divulgaram notícia indicando que, pela primeira vez em quase seis meses de conflito entre Israel e Palestina, o Hamas teria pedido desculpas pelo sofrimento causado aos palestinos na Faixa de Gaza. O comunicado, divulgado no Telegram no domingo, também teria expressado o desejo de continuar o confronto em busca da “vitória e liberdade” para a população, além de reconhecer o esgotamento provocado pelo conflito e agradecer aos civis do enclave.

No entanto, em entrevista ao Portal Vermelho, Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-Americana (Fepal), questionou a autenticidade ou importância do comunicado. Mourad afirmou que não encontrou o comunicado em árabe em nenhum veículo de mídia árabe confiável, como a Aljazira, nem em grupos do Hamas que acompanha em aplicativos de mensagem. Ele sugeriu que a notícia poderia ser uma estratégia de agência de notícias internacional para desqualificar as negociações em andamento com a resistência palestina.

Mourad destacou que a falta de uma resposta oficial do Hamas, bem como a ausência de uma liderança importante comentando o comunicado, levanta dúvidas sobre sua veracidade. Ele ressaltou que, se o comunicado fosse legítimo, deveria ter sido amplamente divulgado nas redes sociais e na mídia árabe.

“Eu não vi nenhuma mensagem em árabe, sinceramente. Eu não sei onde é que está isso. Eu procurei na Aljazira e outros veículos árabes, uns 3 ou 4, e também não recebi esse comunicado. Como eu não ouvi em árabe, eu não vou dar crédito a isso, porque não tem nenhuma fala de um líder importante, nem algo respondendo a esse comunicado”, enfatizou.

O dirigente da Fepal também mencionou que, apesar das dificuldades evidentes e do sofrimento causado pelo conflito, não há surpresas em relação ao pedido de desculpas, já que os pontos de negociação continuam em aberto. Ele observou que Israel, até o momento, tem contido uma possível invasão militar mais agressiva a Rafah, no sul de Gaza, e que a fome está aumentando nos territórios palestinos.

Mourad enfatizou a importância de verificar a autenticidade do comunicado e sugeriu que, se fosse genuíno, deveria ser mais público e aberto, com uma coletiva de imprensa ou um pronunciamento oficial de liderança do grupo.

O fato, é que a imprensa ocidental tem tido um viés explícito favorável a Israel, alinhada as posições de governos da Europa e EUA. Com isso, a guerra de informações é fundamental para garantir o apoio ocidental, no momento em que as manifestações populares crescem cada vez mais em todo o mundo em favor da Palestina. Até mesmo em cidades israelenses, os confrontos de manifestantes com a polícia têm sido cada vez piores.

Pressão nas ruas

Mourad destaca o aumento da pressão internacional sobre o governo israelense e a continuidade do conflito entre Israel e Palestina. Ele ressalta que grandes manifestações têm ocorrido em diversas partes do mundo, como em Londres e Jerusalém, exigindo mudanças e o fim das hostilidades na região. Em Jerusalém, centenas de milhares foram ao Parlamento em Jerusalém cobrar a renúncia de Benjamin Netanyahu, quando foram brutalmente reprimidos pela polícia.

“Você vê várias manifestações aí, enormes, que aconteceram. Em Londres, teve uma gigantesca, e… Estão num compasso de espera. Por outro lado, tem essa manifestação gigantesca lá em Jerusalém, pedindo a renúncia do Netanyahu, pedindo novas eleições, também a libertação, a negociação mais real e que pare a guerra em Gaza”, afirmou Mourad.

O dirigente explicou que, apesar de haver setores que desejam continuar a guerra em Gaza, há também uma demanda por negociações mais concretas e pela libertação dos reféns. Ele ressaltou que as manifestações contra o governo e o primeiro-ministro Netanyahu já aconteciam antes do dia 7 de outubro, indicando um crescente descontentamento popular.

Mourad enfatizou que as pressões e manifestações aumentaram em volume e intensidade, resultando em confrontos mais intensos com a polícia em várias cidades israelenses. Ele destacou que essas manifestações têm como objetivo aumentar a pressão sobre o governo israelense e seus aliados internacionais, como o governo britânico e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

“É isso que a gente quer que aconteça. A resistência continua nas suas operações também, isso já há mais de uma semana. Já estão contabilizando aí várias dezenas de mortes, por causa da falta de comida, de médicos, enfim, todas as pressões estão sendo exercidas, de ambos os lados”, disse Mourad.

Além disso, o secretário-geral mencionou as manifestações na Jordânia e no Egito, onde os manifestantes pediam o rompimento das relações com Israel. Ele observou que, embora ainda não haja um rompimento oficial, a tendência é que as manifestações e as ações de resistência aumentem, especialmente na Cisjordânia.

A retirada do Exército de mais um hospital, o Al Shifa, com resultados catastróficos para a população civil e a ajuda humanitária, escandalizou o mundo no último final de semana. Havia cerca de 3 mil pessoas encurraladas no hospital que não foram poupadas. Analistas avaliam que Israel tem tido muitas perdas e nenhuma vitória sobre o Hamas, por isso se vinga da população civil. Neste final de semana, as “Forças de Defesa de Israel” contabilizaram a perda de 600 soldados.

Médicos transportam uma criança palestina ferida para o hospital Al-Shifa, na cidade de Gaza, após um ataque aéreo israelense em 11 de outubro de 2023. (foto Wikimedia Commons)

Provocações ao Irã

Mourad levanta questões sobre as recentes provocações de Israel contra o Irã e suas possíveis motivações ao atacar uma embaixada em Damasco, que levou à morte de 13 pessoas, inclusive um militar de alto escalão. Mourad sugere que Israel busca ampliar a arena de confronto para manter-se no poder, utilizando-se de estratégias semelhantes da extrema-direita em todo o mundo.

“Você vê agora Israel provocando o Irã. Israel está querendo ampliar a arena de confronto e está querendo trazer o Irã. Por que que eles acham que isso é bom pra eles? Porque o Netanyahu tem mais motivo pra ficar no poder e não ir preso”, destacou Mourad. Enquanto houver conflito armado, não há troca de poder, pois como diz o próprio Netanyahu, isso seria um presente ao inimigo……

O secretário-geral comparou as ações de Israel com as supostas intenções por trás da tentativa de golpe no Brasil, por Jair Bolsonaro, sugerindo que ambas visam manter o poder da extrema direita no governo. Mourad ressalta que, ao trazer o Irã para o centro do conflito, Israel busca aumentar a ajuda dos Estados Unidos e fortalecer sua posição geopolítica na região.

“É o mesmo método, a mesma insanidade. Eles querem manter o poder da extrema direita no governo. E querem que aumente a ajuda dos Estados Unidos. Porque trazendo o Irã para o conflito, obriga os EUA a fornecer mais recursos. Mas o Irã não vai cair nessa provocação. Ele tem outros meios diplomáticos, políticos, de enfrentar esse episódio, como enfrentou em outras situações”, explica.

Mourad também aponta para a possibilidade de Israel intensificar sua atuação na fronteira sul do Líbano como parte dessa estratégia de ampliação do conflito. Ele alertou para os riscos dessa escalada e enfatizou a importância de buscar soluções diplomáticas e políticas para resolver as tensões na região.

Apoio do Vaticano

Mourad também discute o papel do Papa e a crescente pressão internacional sobre Israel em meio ao conflito na Palestina. Mourad destaca a importância das recentes manifestações, inclusive no Domingo de Páscoa, do líder da Igreja Católica e o impacto que elas têm na conscientização sobre a situação no território palestino.

“O povo palestino também é cristão, muçulmano e tem judeus que vivem na Palestina. E é evidente que o cristianismo denuncia a ocupação há muito tempo. Os territórios ocupados, a colonização, o apartheid. Então isso não é de agora”, ressaltou Mourad.

O secretário-geral destaca a longa história de denúncias da ocupação e colonização por parte do Vaticano e a representação palestina no Estado da Cidade do Vaticano, enfatizando a contínua pressão exercida pela instituição religiosa sobre Israel. Ele enfatiza que as manifestações do Papa fortalecem o apoio internacional à causa palestina e aumentam a conscientização sobre a situação humanitária na Faixa de Gaza.

Ele destaca ainda os desafios humanitários enfrentados pela população de Gaza, especialmente diante do cerco a hospitais e da falta de acesso à ajuda humanitária. Mourad denuncia os esforços do governo israelense para enfraquecer o Hamas, apesar dos crescentes apelos internacionais pelo cessar-fogo e pela entrega de assistência humanitária.

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