No Brasil, Coppola faz crítica mordaz ao capitalismo

Lançando mais um ambicioso delírio na telona, cineasta reflete sobre a decadência americana e a esperança na genialidade humana de reconstruir a utopia

Giancarlo Esposito como o prefeito Cicero em Megalopolis. (Lionsgate/divulgação)

Durante sua passagem pelo Brasil para o lançamento de Megalópolis, Francis Ford Coppola não economizou em declarações afiadas sobre o sistema que rege tanto a sociedade quanto a indústria cinematográfica. Aos 85 anos, o cineasta, ícone da “Nova Hollywood” dos anos 70, trouxe à tona sua visão crítica sobre o capitalismo, o papel dos estúdios e a deterioração de um cinema que, segundo ele, sucumbe às amarras do lucro. Em várias entrevistas e palestras, Coppola expressou frustração com o estado atual da indústria, chamando atenção para o papel das plataformas de avaliação e da publicidade na limitação da liberdade criativa e da satisfação humana.

O “chefão” já faliu várias vezes, desde Apocalipse Now, sempre investindo fortunas em projetos complexos, mas muito pessoais, cujo fracasso são a prova mais contundente do ímpeto artístico do cineasta. Ele não se importa e, novamente, vendeu grande parte do seu ganha-pão (uma vinícola) para garantir os US$ 120 milhões de Megalópolis. Um orçamento de blockbuster que rendeu bilheteria de um retumbante fracasso na primeira semana nos EUA (apenas US$ 4 milhões), além de uma recepção controversa da crítica. Ele, novamente, não se importa, pois acredita que o filme continuará sendo revisitado como obra de arte, tanto como tem sido o turbulento Apocalipse Now.

“Hollywood está morrendo”

Diretor icônico dos filmes O Poderoso Chefão, The Conversation, The Outsiders, Apocalipse Now, Tucker etc. Foto: Wikimedia Commons

Em uma palestra realizada em São Paulo, Coppola afirmou que “Hollywood está morrendo”, responsabilizando o controle exercido pelos estúdios e plataformas de avaliação, como Rotten Tomatoes e CinemaScore, que ele vê como ditando o que o público “deve” assistir. “Hollywood só se preocupa em garantir que os débitos sejam pagos”, disse o cineasta, traçando um paralelo entre a indústria cinematográfica e a natureza hegemônica do capitalismo. O diretor compartilhou ainda sua decepção com o jornalismo atual, que, em sua visão, foi comprometido por uma “necessidade de caça-cliques” e falta de compromisso com a verdade e profundidade investigativa.

Megalópolis: Uma Roma americana

O retorno de Coppola à direção após um hiato de 13 anos resultou em Megalópolis, uma obra ambiciosa e visualmente épica que adapta os conflitos de poder e decadência de Roma para o contexto da América contemporânea. “Sempre tivemos épicos, desde o cinema mudo até Spartacus, de Kubrick. Mas ninguém nunca mostrou que os Estados Unidos são a Roma moderna”, explica. Em Megalópolis, Nova Roma é uma cidade idealizada e em crise, palco de uma disputa de ideias entre o arquiteto Cesar (Adam Driver) e o prefeito Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito). No enredo, as questões políticas e o desmoronamento da democracia refletem o estado atual dos EUA, que Coppola enxerga como repetindo os erros da Roma antiga.

Inspirado por modelos de urbanismo, o cineasta revelou que visitou Curitiba e se impressionou com os projetos de sustentabilidade do ex-prefeito Jaime Lerner, aplicando as ideias ao desenho urbano de Nova Roma. “Há muito de Jaime Lerner e de Curitiba em Megalópolis”, afirmou. Coppola considerou Curitiba como um exemplo de idealismo prático, elogiando iniciativas locais de reciclagem, transporte público e bem-estar social que, para ele, contrastam fortemente com a estrutura e valores capitalistas das grandes metrópoles americanas.

“Um sistema que depende da infelicidade”

Coppola acredita que o sistema capitalista prospera em parte ao “manter as pessoas infelizes”. Para o diretor, o capitalismo alimenta a insatisfação para induzir o consumo, e a publicidade é uma ferramenta central para isso. “Gasta-se mais de 3 trilhões de dólares em publicidade por ano, vendendo uma ideia de felicidade que talvez nunca possa ser alcançada. A felicidade é possível, sim, mas nosso sistema depende que as pessoas não a tenham”, disse. Essa visão perpassa Megalópolis, onde o protagonista Cesar busca alternativas para construir uma cidade mais justa, mesmo que encontre oposição de forças que lucram com o caos e a desigualdade.

O cinema como arte: “Um salto para o desconhecido”

Longe de se render ao domínio do streaming e ao modelo de assinatura, Coppola defende o sistema de pay-per-view, afirmando que Megalópolis não estará disponível em plataformas tradicionais. Ao financiar o projeto vendendo parte de sua vinícola, ele evitou o apoio dos grandes estúdios, assumindo o risco para garantir sua independência artística. Em sua visão, o cinema deveria sempre explorar o novo, criando histórias com as quais o público não estaria familiarizado. “Quando você salta para o desconhecido, prova que é livre. Mas Hollywood não quer liberdade, quer controle.”

Para Coppola, a era dos grandes estúdios e do cinema comercial representa a morte de um cinema mais experimental e criativo. O diretor elogiou novos cineastas, como sua filha Sofia Coppola e Denis Villeneuve, mas expressou esperança em um cinema que desafie e explore perspectivas inéditas. Ele acredita que o futuro das próximas gerações no cinema pode trazer revoluções significativas. “Eles são extremamente talentosos e nos farão ver o mundo de outra forma. Isso é o que o cinema tem de mais valioso.”

O alerta de Megalópolis: um retrato do abismo entre classes

Megalópolis é uma provocação ao cenário de concentração de riqueza e poder político dos EUA. “Costumavam dizer que todos os caminhos levavam a Roma; hoje, todos os caminhos levam aos Estados Unidos”, observou o diretor. Em meio a personagens hedonistas e oprimidos, Megalópolis aponta para um abismo social e moral, questionando o custo humano e ambiental da ganância capitalista. Em sua crítica ao cenário político atual, Coppola alerta para os riscos de uma democracia enfraquecida e questiona qual mundo estamos criando para as gerações futuras. “Milhares de crianças estão morrendo, crianças que poderiam ser os próximos Beethoven e Arquimedes”, lamentou, citando o genocídio na Palestina. “Essas crianças são nossas; é nosso dever proteger o futuro delas.”

Durante a cerimônia de premiação da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde recebeu o Prêmio Leon Cakoff, Coppola reafirmou a mensagem esperançosa que permeia Megalópolis: a de que uma sociedade criativa e igualitária ainda é possível. Seu filme, que estreia hoje, propõe uma reflexão sobre o papel do cinema e do cidadão na construção desse mundo mais justo. “Não sou movido pelo dinheiro, mas pela crença de que podemos ser livres. Talvez Megalópolis não seja um filme fácil, mas é a expressão de alguém que ainda acredita no cinema como uma arte transformadora.”

Veja o trailer do novo filme de Coppola:

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