Cresce risco de politização das Forças Armadas nos EUA com nomeação de Trump

Trump nomeou Pete Hegseth, crítico dos generais “woke”, como secretário da Defesa. Futuro presidente prometeu demitir lideranças militares do Pentágono

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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a campanha eleitoral afirmando que vai demitir os generais “woke” das Forças Armadas do país. Na última terça (12), Trump nomeou Pete Hegseth, comentarista de política da emissora norte-americana Fox News, para o cargo de secretário da Defesa dos EUA. 

A indicação, que ainda precisa ser confirmada pelo Senado, dá claro sinal de que a prometida “faxina” na liderança militar trará riscos de politização no Exército americano em favor da agenda retrógrada do líder da extrema direita.

Em junho, Trump confirmou suas intenções ao ser questionado por repórteres da Fox News se demitiria generais descritos como “woke”. “Eu os demitiria. Você não pode ter (um) militar ‘woke’”, disse Trump. O termo “woke” se refere a agenda focada em justiça racial e social, mas usado de forma depreciativa pelos conservadores.

O republicano dá o primeiro passo para concretizar o plano de politização militar ao indicar o apresentador Hegseth para chefiar o Pentágono. O comentarista político é muito popular entre os conservadores, possui milhares de seguidores nas redes sociais e é conhecido por emitir opiniões reacionárias, incluindo questionamentos sobre a capacidade das mulheres no Exército.

“Estou apenas dizendo que não deveríamos ter mulheres em funções de combate”, disse Hegseth, em um podcast na semana passada enquanto promovia seu novo livro, “The War on Warriors” (A Guerra dos Guerreiros, em tradução livre). “Isso não nos tornou mais eficazes. Isso não nos tornou mais letais. Isso tornou a luta mais complicada”, afirmou.

No livro, Hegseth afirma que as Forças Armadas dos Estados Unidos possuem generais defensores da agenda “woke”, com políticas muito progressistas. Para ele, isso tem prejudicado a Defesa do país, com militares fracos e “afeminados”.

O comentarista também zombou de militares transgenêros e disse que, ao promover diversidade e inclusão, as FFAA estão afastando recrutas. Para Hegseth é necessária uma “limpa” no Pentágono. “Os filhos e filhas brancos da América estão se afastando, e quem pode culpá-los”, escreveu.

A nomeação do apresentador tem causado forte rebuliço no país. Mesmo o futuro secretário de Defesa sendo um veterano da Guarda Nacional dos Estados Unidos, tendo atuado no Afeganistão, no Iraque e na Baía de Guantánamo, em Cuba, agentes ligados ao setor classificam Hegseth como “desqualificado” para o cargo, já que tem pouca ou nenhuma experiência com gestão.

Um alto funcionário do Departamento de Defesa, falando sob condição de anonimato à agência Reuters, disse que Hegseth não estaria qualificado nem para um cargo menos importante na área. Outros dois comandantes militares dos EUA classificaram a nomeação como “ridícula” ou “pesadelo” em entrevista à CNN.

A indicação de Trump para o Pentágono seguiu o mesmo método utilizado para a nomeação de outros cargos da futura administração. O que importa para o presidente eleito é a lealdade daqueles que estarão em postos chaves da máquina pública.

Ainda que o escolhido para o cargo tenha pouca ou nenhuma qualificação para assumir o posto, o que Trump priorizará durante seu segundo mandato é a integridade que suas ordens serão cumpridas.

“[Trump] dá o maior valor à lealdade”, disse Eric Edelman, que serviu como principal responsável político do Pentágono durante a administração de George W. Bush , numa entrevista. “Parece que um dos principais critérios usados ​​é: até que ponto as pessoas defendem Donald Trump na televisão?”.

Ex-aliados fizeram campanha contra Trump

O bilionário Donald Trump tem outros motivos, além da ideologia que carrega, para manter os mais leais asseclas em postos chaves de Washington, sobretudo dentro das Forças Armadas do país. Além de ser alvo de inúmeros processos na Justiça, depois do fracasso eleitoral em 2020, quando perdeu a disputa para o democrata Joe Biden, Trump viu uma série de ex-aliados criticarem sua postura política em plena campanha presidencial.

O ex-presidente responde a quatro processos na Justiça americana: três ligados aos seus atos como presidente dos EUA (assalto ao Capitólio, fraude eleitoral na Geórgia e tomada ilegal de documentos secretos)  e o outro em que Trump é acusado por encobrir um pagamento feito à atriz pornô Stormy Daniels, durante a campanha eleitoral que o levou à Presidência em 2016.

A saga judicial de Trump ameaçava encerrar sua carreira política até os ministros da Suprema Corte dos EUA, a maioria nomeada ainda no primeiro mandato de Trump, em junho, decidirem que ele tem direito a receber imunidade parcial nos processos a que responde na Justiça norte-americana.

A vitória judicial não apenas abriu caminho para o seu retorno à Casa Branca, mas retomou seu ímpeto em cercar-se apenas dos mais leais correligionários. 

Irritado com as críticas de ex-aliados, Trump chegou sugerir que Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior Conjunto no primeiro mandato, poderia ser executado por traição. “Em tempos passados, seu castigo teria sido a morte”, escreveu na rede social Truth Social.

A fala reflete o nível de tensão entre o futuro presidente e setores da defesa que mantêm uma postura crítica em relação a Trump.

Em outra rusga com ex-aliados, John Kelly, ex-chefe de gabinete da Casa Branca, afirmou, antes da eleição, que Trump se encaixa “na definição geral de fascista” e que ele havia falado da “lealdade dos generais nazistas de Hitler”.

Ameaça de politização das Forças Armadas dos EUA

Com o objetivo de não errar mais em suas escolhas, segundo seus critérios, Trump agora procura politizar a caserna norte-americana colocando seus mais leais correligionários em postos-chave. 

A intenção é não passar pelos mesmos problemas que sua primeira administração teve, quando frequentemente era emparedado por oficiais de alta patente.

Em entrevista à Fox News em outubro, semanas antes de vencer a eleição americana, Donald Trump deu algumas pistas sobre seus planos para remodelar as Forças Armadas caso retornasse à Casa Branca: na época, disse que uma das maiores, senão a maior, ameaças aos EUA era o “inimigo interno”, referindo-se a imigrantes e a qualquer um que contestasse suas ações no governo. 

Se no primeiro mandato, por exemplo, Trump foi impedido de empregar soldados contra manifestantes ou em ações de combate ao crime, agora, com menos vozes dissonantes, o republicano parece perto de lançar uma das maiores reformas nas funções das Forças Armadas. E caminhará em uma zona cinzenta, que envolve questões legais, morais e estratégicas. 

O futuro presidente passou toda campanha prometendo empregar  a Guarda Nacional na contenção de distúrbios e nos planos de Trump para a imigração, incluindo aquela que ele chama de “maior deportação em massa da História”. “Se eu achar que as coisas estão saindo do controle, não teria problema em usar o Exército”, disse em abril, em entrevista à revista Time.

Em seus anos na Presidência, foram frequentes as frustrações de Trump com a falta de apoio para usar tropas nas ruas, como ele defendia. Há dois anos, Mark Esper, então secretário de Defesa, revelou ao Congresso que o presidente perguntou se os soldados poderiam atirar contra os manifestantes que estavam nas ruas protestando contra o racismo estrutural, em 2020.

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