Renovabio: governo deve ajustar regra de oferta e demanda de créditos de descarbonização

Representante de distribuidoras regionais de combustível chama atenção para disparidades no programa e destaca que custo para a sociedade é elevado.

Foto: Christiane Peres

Criado em 2017, no governo Temer, e implantado no governo Bolsonaro como parte dos esforços para combater as mudanças climáticas a partir da redução da curva de intensidade de carbono (IC) da matriz de consumo dos combustíveis veiculares, o RenovaBio completou cinco anos, mas sem êxitos ambientais. Dados da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, do Ministério de Minas e Energia, apontam estabilidade na curva de intensidade de carbono (2018/IC = 73,34 gCO2 / MJ e 2023/IC = 73,79 gCO2 / MJ), e um custo financeiro alto para a sociedade: R$ 24 bilhões nos últimos cinco anos e uma expectativa não inferior a R$ 47 bilhões para os próximos dez anos.

Em vista disso, o programa vem enfrentando críticas e contestações judiciais quanto ao efetivo interesse público, com destaque para o desequilíbrio na relação entre a oferta voluntária e a demanda obrigatória dos créditos de descarbonização (CBIOS), relação econômica que, em tese, deveria compensar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) dos combustíveis fósseis com o incentivo do uso de combustíveis renováveis. No entanto, os preços ao consumidor dos combustíveis renováveis não baixaram o suficiente nos últimos cinco anos para motivar o cidadão a adquiri-los na proporção que impactasse na redução da curva de intensidade de carbono, e, por conseguinte viesse alcançar os objetivos ambientais.

Como parte dos esforços para revisar a política, o Ministério de Minas e Energia (MME) tem promovido debates sobre o Combustível do Futuro e Novas Políticas do Setor de Óleo e Gás. Na última semana, os desafios e as perspectivas do RenovaBio estiveram no foco da discussão.

O programa estabelece metas de aquisição dos CBIOS para cada distribuidora, conforme sua venda de combustíveis fósseis no ano anterior, e os preços dos títulos deveriam ser incorporados ao preço final do combustível comercializado. No entanto, a dinâmica do comércio de combustíveis é diversa. Um grupo de três distribuidoras – caracterizado por um oligopólio, que domina mais de 60% do mercado com contratos de exclusividade, liquidez no fluxo de caixa e grande escala de venda –, e outro grupo com mais de 100 distribuidoras regionais que, efetivamente, exercem a concorrência, com fluxo de caixa apertado e pequena escala de venda, e que não conseguem repassar os custos voláteis e abusivos dos CBIOS e reagem legitimamente às atuais regras do programa.

A dinâmica econômica de oferta e demanda dos CBIOS e a possibilidade de ajustes em relação à construção de uma racionalidade econômica e relação de custo e benefício conveniente ao interesse público esteve entre os pontos abordados no workshop.

Para o representante da Associação Nacional das Distribuidoras de Combustível Francisco Neves, esse é um tema relevante e que carece de atenção do governo para ajustes no programa. “O cenário socioeconômico do Brasil em que o consumo per capita de energia é inferior à média mundial, sinaliza para o desafio nacional de ampliar as condições de acesso da população à energia, inclusive os combustíveis veiculares, pois esse acesso está diretamente relacionado com a busca por melhoria no índice de desenvolvimento humano”, destacou.  

Neves chamou atenção para a participação do representante do setor financeiro no workshop promovido pelo MME, que, em sua fala, abordou a necessidade de ajuste na dinâmica entre oferta e demanda no mercado de CBIOS, com vistas a uma racionalidade econômica que permitisse a ampliação e o desenvolvimento do mercado.

De acordo com Boris Gancev, que tem larga experiência no balcão de compra e venda dos títulos, em 2021 havia um excedente de CBIOS no mercado, o que significou um preço baixo, entre R$ 40 e R$ 45. No entanto, já em 2022, o quadro mudou, com uma demanda maior que a oferta, e um pico de R$ 200 no valor dos CBIOS em julho daquele ano, o que gerou alterações nos prazos de cumprimento das metas estabelecidas, criando instabilidade nas previsões do programa.

“A gente começou a ter incertezas. O fato de não ter a elasticidade do CBIO, como a demanda do CBIO é dada, ela não tem elasticidade do preço. Então, quando o preço subir, a gente precisa adequar a demanda à oferta disponível. Na nossa visão, falta um mecanismo de cumprimento financeiro da meta do programa, num cenário onde você não tem um CBIO disponível”, destacou o palestrante.

Para Francisco Neves, essa situação demonstra a necessidade de revisão do RenovaBio. Para ele, o governo deve agir no ambiente da administração pública federal (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); MME; e Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)), de forma proativa, para ajustar a estrutura do programa e construir racionalidade econômica, bem como resultados efetivos e adequados às expectativas ambientais da sociedade e da própria lei.

“O comentário propositivo do executivo financeiro é oportuno e traz à tona um tema que precisa ser revisto no RenovaBio em busca de racionalidade econômica entre oferta e demanda. É inimaginável do ponta de vista econômico e da lógica de mercado, uma oferta flexível e uma demanda compulsória, obrigatória. São inevitáveis as distorções. É inconveniente ao interesse público e acaba por impactar a sociedade com os preços dos combustíveis elevados, decorrente desses títulos. Também não é justo sobrecarregar um único elo da indústria pelo custo financeiro do programa, pois o setor de distribuição é responsável por apenas 1% dos GEE da matriz veicular. O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que deve tratar o tema no curto prazo, precisa olhar atenção e espírito público para esse programa, no momento de definir as metas compulsórias para ano 2025”, pontuou.

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