Diálogos e ações para a saída das cavernas
Diálogos com Marx, Bell Hooks, Grada Kilomba, Sueli Carneiro, Patrícia Collins, Loreta Valadares e as deputadas Daiana Santos e Erica Hilton
Publicado 28/04/2025 12:17 | Editado 28/04/2025 14:31

Escrever é um ato político, é um ato de tornar-se, pois ao escrever nos transformamos em narradoras e escritoras da própria história. O escrever pode ser um ato de descolonização, justamente nesse processo quando deixamos de ser objeto e nos tornamos sujeitos. Essa inspiração de pensar objeto para sujeito, segundo Grada Kilomba (2019), vem dos escritos de Bell Hooks (1989): trata-se de falar com a própria boca, escrever com as próprias palavras e seguir na resistência e na luta.
Neste sentido, é importante lembrarmos d’O Capital, de Marx, escrito para desmontar o castelo de ilusões, a começar do mais bem guardado segredo do capitalismo, a mais-valia. A mercadoria força de trabalho cria mais valor do que o que ela vale: o(a) operário(a) trabalha parte do tempo para produzir seu salário, mas outra parte do dia é “gratuita” — nesta parte ele(a) trabalha apenas para lucro do patrão.
O novo valor surge no chão de fábrica, na produção, quando o patrão paga por quatro horas, mas recebe mais três ou quatro de graça. No total, o(a) operário(a) é quem cria toda a riqueza, a começar pelo seu salário e pelas mercadorias extras que o patrão vai vender.
Marx afirma, no final do capítulo 4 do Livro 1 que a fisionomia dos personagens do drama se transforma. Atrás do capitalista sorridente vai o(a) trabalhador(a), contrariado(a) por perceber que está levando sua pele ao curtume (MARX, 1983, I, 145).
O próprio autor está afirmando que sua obra é o drama ao qual estão submetidos(as) todos(as) os(as) personagens, especialmente aqueles(as) que são obrigados(as) a vender a sua força de trabalho no mercado por não ter outra mercadoria a vender.
A obra-prima de Marx vai mostrar que o capitalismo, com sua produção de riqueza, se assenta na exploração do trabalho humano e é portador de grandes contradições, o que o torna um sistema sem futuro e sujeito a crises inevitáveis. Isso vai sendo estabelecido à medida em que Marx desvenda as leis de funcionamento do capitalismo, e situa a exploração do(a) trabalhador(a) como única fonte da riqueza capitalista.
A obra O Capital é a crítica do fundamento econômico do capitalismo e dessa forma, legitima, fornece substância científica e objetiva, sendo, assim, uma ferramenta política da revolução proletária. A compreensão sistemática de O Capital só pode ser alcançada mediante uma análise de seu método.
A exposição desenvolvida por Marx é completamente estranha ao método aplicado pelos economistas clássicos. E não deve ser compreendida apenas como uma obra de Economia Política, mas sim, como uma obra filosófica, à luz da filosofia de Hegel e da tradição dialética, nascida entre os filósofos gregos da antiguidade.
O método de avançar do abstrato para o concreto, ou seja, de tratar o concreto, a totalidade histórica, a partir de suas determinações mais abstratas e simples, era para Marx, o método correto.
O movimento pode ser denominado como do abstrato ao concreto, da aparência à essência. Assim, o conceito de capital é desenvolvido a partir de suas formas mais simples e aparentes, avançando para as formas mais complexas e concretas.
O percurso de O Capital pode ser compreendido como um caminho no qual Marx vai desmistificando vários mitos e ilusões da sociedade burguesa, combatendo a Economia Política e revelando as contradições inerentes ao capital. Superando as formas aparentes e abstratas, a exposição segue crescendo em determinação e revelando os pressupostos históricos, sociais, políticos e econômicos da sociedade produtora de mercadorias.
A ordem do discurso em O Capital é rigorosa e bem delimitada, constituindo um todo articulado que ao mesmo tempo em que desenvolve o conceito de capital, traz a sua negatividade. A exposição dialética parte das formas aparentes, apenas para abandoná-las em seguida. Afirma-se, num primeiro momento, apenas para negar num segundo e, assim, progredir na superação das ilusões, desmistificando e revelando as contradições do capital.
As lutas para sair da caverna
Lutamos pela organização de um processo coletivo de “saída da caverna”, este é um dos grandes desafios da classe trabalhadora, de cada um e cada uma de nós. Fica nítido que não há outra maneira de superar todas as ilusões deste modo de produção a não ser através da própria luta de classes, pelo enfrentamento entre as classes, enfrentamento em torno da extensão da jornada de trabalho (capítulo 8), da intensidade do trabalho (capítulo 12) e da magnitude do salário (capítulos 17 a 20), todos diretamente relacionados à magnitude da mais-valia, embora estes enfrentamentos representem apenas momentos da construção das condições subjetivas da revolução.
Na quadra política em que vivemos, o acirramento da luta de classes se apresenta na fase mais aguda da crise estrutural do capitalismo, tendo a barbárie, a misoginia, o racismo estrutural, a LGBTfobia e a violência institucional como regra na organização do Estado.
O capitalismo neoliberal aprofunda as desigualdades sociais, a divisão social e sexual do trabalho, precariza o trabalho, aumenta a alienação e a opressão de uma classe sobre a outra.
Os valores dessa sociedade são a mercadoria, o lucro e o trabalho até o esgotamento físico e mental, gerando mulheres e homens infelizes, doentes, oprimidos(as) e sem possibilidade de sonhar e ser feliz no seu convívio familiar.
As pautas históricas e as protagonistas na luta
A Lei de Igualdade Salarial entre Homens e Mulheres (Lei 14.611/2023) foi promulgada em novembro de 2023, mas os efeitos só começaram a aparecer em 2024, com a divulgação do primeiro Relatório de Transparência Salarial, obrigatório para empresas com 100 ou mais empregados(as).
A jornada semanal de trabalho remunerado masculina excede a feminina em 4,3 horas, enquanto a jornada de trabalhos não remunerados feminina supera a masculina em quase 10 horas.
Em um ano, as mulheres gastam 499 horas (ou 21 dias) a mais do que os homens em afazeres domésticos. Fica evidente a necessidade de políticas públicas voltadas para a redistribuição dos trabalhos domésticos não remunerados, como, por exemplo, a extensão da licença-paternidade e a ampliação da oferta de creches públicas.
A redução da jornada de trabalho é uma bandeira histórica da classe trabalhadora, é uma luta estratégica contra a exploração e precarização do trabalho.
A deputada Erica Hilton (PSOL-SP), protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que quer colocar fim à escala de trabalho 6X1, que carrega marcas de gênero, raça e classe, afetando especialmente as(os) trabalhadoras(es) em condições mais precárias e com remunerações mais baixas, que majoritariamente são mulheres negras e periféricas. Essas mulheres, ainda sobrecarregadas com o trabalho doméstico e de cuidado familiar, são privadas de descanso, qualificação profissional, lazer, educação e autocuidado. Precisamos dar um fim a toda a lógica de trabalho que não garante a trabalhadores e trabalhadoras tempo de descanso, estudo e convívio social.
A deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS), protocolou o PL 67/2025 que prevê a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais e garante dois dias consecutivos de descanso remunerado. Trabalhadoras(es) brasileiras (os) têm jornadas mais longas do que em países como Canadá (32 horas), Alemanha (34 horas), Reino Unido (36 horas), e Argentina (37 horas). Este projeto de lei é fundamental para todas e todos trabalhadoras(es), mas um grande avanço para as mulheres que vivem sobrecarregadas, com cansaço extremo, vivendo sem tempo para a família, para cuidar da sua saúde física e mental, sem tempo de sonhar, amar e ser feliz.
Mulheres negras e não negras continuam sendo as mais desempregadas e precarizadas segundo dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Os bons resultados do mercado de trabalho, devido ao crescimento de 3,5% do PIB, estão expressos na criação de 1,7 milhão de empregos com carteira, na queda do desemprego e no aumento recorde da massa salarial.
Apesar desse cenário positivo, as desigualdades entre mulheres e homens no mercado de trabalho permanecem inabaláveis. As mulheres continuam com as maiores taxas de desemprego, os menores salários e ainda acumulam tarefas domésticas, incluindo atividades relacionadas aos cuidados de outras pessoas, atribuição que muitas ainda realizam além dos limites dos próprios lares, como trabalho remunerado.
Segundo Sueli Carneiro (2019, p. 56), “a mulher negra não participa do processo produtivo em igualdade de condições com homens brancos, negros, amarelos, e mulheres brancas e amarelas”. Situa-se, assim, na base da hierarquia social; por esse motivo, é a mais penalizada tanto em relação às oportunidades, quanto à mobilidade na estrutura ocupacional.
Para Patrícia Collins (2019), uma das dimensões da opressão de mulheres negras é a forma específica com que o trabalho dessas mulheres é historicamente explorado para a construção e manutenção do capitalismo. A autora aponta que a interseccionalidade é, ao mesmo tempo, um conceito analítico de “projeto de conhecimento” e um instrumento de luta política, no combate às opressões múltiplas e imbricadas, com vistas à emancipação.
Segundo Loreta Valadares (2007), é fundamental compreendermos que a necessidade da luta contra a opressão de gênero se insere na luta contra todos os elos de opressão e pela conquista de uma sociedade radicalmente nova, sem qualquer tipo de discriminação: de gênero, de identidade de gênero, de orientação sexual, de raça e de classe.
Fazermos o entrelaçamento de classe, gênero, identidade de gênero, orientação sexual e raça, faz parte dos ensinamentos de Loreta, quando disse para irmos aonde ela não foi, pois lhe faltou tempo.
Já avançamos, mas temos muito que avançar.
Viva a luta da classe trabalhadora!
Viva a luta pela vida de todas as mulheres!
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