Estado brasileiro pede desculpas por assassinato de Herzog e indeniza família
Acordo estabelece o pagamento de R$ 3 milhões por danos morais. AGU estuda mover ação para cobrar ressarcimento solidário do Estado por parte dos agentes responsáveis pelos crimes
Publicado 27/06/2025 14:06 | Editado 27/06/2025 19:28

O Estado brasileiro assinou acordo para garantir indenização à família do jornalista Vladmir Herzog e, mais uma vez, pediu desculpas publicamente, nesta quinta-feira (26), pela violência extrema perpetrada por agentes da ditadura militar, que resultou em sua morte no DOI-Codi de São Paulo, em 1975.
O acordo foi firmado na sede do Instituto Vladimir Herzog, na capital paulista, com Advocacia-Geral da União (AGU) representando o Estado, é o desdobramento de um processo judicial contra a União apresentado pela família do jornalista.
Conforme estabelecido, será feito o pagamento de cerca de R$ 3 milhões, a título de danos morais, incluindo valores retroativos da reparação econômica em prestação mensal e continuada paga à viúva do jornalista, Clarice Herzog, em razão de liminar anteriormente concedida pela Justiça Federal.
Durante a cerimônia, o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, declarou que vai estudar a possibilidade de cobrar os valores referentes às indenizações dos agentes responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar. Neste caso, haveria uma ação judicial regressiva, através da qual eles poderiam ser obrigados a ressarcir o Estado de forma solidária pelo dano causado às famílias das vítimas.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia condenado o Estado brasileiro, em 2018, por não ter investigado, julgado e punido os responsáveis pela tortura e assassinato de Herzog, definido como um crime de lesa-humanidade. A sentença determinou, ainda, que a ação penal fosse retomada.
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O acordo foi construído pela Coordenação Regional de Negociação da 1ª Região, em conjunto com a Procuradoria Nacional da União de Negociação da AGU (PNNE/PGU/AGU), tendo como base legal, além da Constituição Federal, a Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o regime do anistiado político. O acordo será enviado pela AGU à Justiça Federal para homologação.
“O processo de busca por justiça e verdade da nossa família começou 50 anos atrás, quando imediatamente minha mãe (Clarice) repeliu a versão sobre a morte do meu pai que o Estado tentava impor naquele momento”, declarou Ivo Herzog durante o ato de assinatura. A versão oficial, à época, atribuiu a morte do jornalista a suicídio.
Conforme ressaltou Jorge Messias, “estamos falando de uma mudança muito profunda de um Estado algoz, que perpetrou violência de Estado, reconhecida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Judiciário brasileiro, e que está vindo aqui pedir desculpa por toda a barbaridade, por toda a violência que perpetrou e reconhecer direitos”.
Em março deste ano, Herzog foi reconhecido com anistiado político post mortem pela Comissão de Anistia do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC).
Tortura e morte
O assassinato de Vlado, como era conhecido, foi um dos mais rumorosos da ditadura, tanto pela crueldade envolvida quanto por ter ficado explícita a tentativa de os agentes da ditadura forjarem uma cena de suicídio que não ocorreu.
Diretor de jornalismo da TV Cultura e membro do PCB, Herzog foi procurado por militares na emissora e, um dia depois, 25 de outubro, compareceu espontaneamente à sede do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. No local, ele acabou sendo barbaramente torturado e morto.
Apesar de todo o contexto indicar seu assassinato, laudos sobre o crime apontavam que Herzog teria “cometido suicídio ao enforcar-se com a cinta do uniforme de prisão, amarrada a uma janela tão baixa que seu corpo teria ficado com os joelhos flexionados e os pés apoiados no chão – posição que ressalta a impossibilidade de enforcamento”, conforme assinalou o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
O caso logo repercutiu na sociedade civil organizada e entre militantes e entidades que lutavam contra os crimes da ditadura, resultando em diversas denúncias e mobilizações.
Um exemplo ocorreu no sepultamento. Vlado era judeu e, conforme essa crença, suicidas deveriam ser enterrados às margens do cemitério israelita. Mas, como forma de se contrapor à versão dos militares, deixando clara a incredulidade em relação ao suposto suicídio do jornalista, no dia de seu enterro, 27 de outubro, o rabino Henry Sobel decidiu que ele deveria ser sepultado no centro do cemitério.
Em 1978, ainda durante a ditadura, a Justiça condenou a União pela prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog. O atestado de óbito, porém, só foi retificado e entregue à família em março de 2013. No documento, ao invés de constar que ele morreu devido a uma asfixia mecânica (enforcamento), passou a ter a descrição de morte decorrente de “lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do II Exército – SP (DOI-Codi)”.