Nikolas Ferreira gastou R$ 750 mil impulsionando desinformação na Meta

Deputado do PL de MG usa empresa própria para lucrar radicalização política e fake news nas redes impulsionadas com verba milionária

Vídeo do parlamentar insinuando uma futura taxação do Pix pelo governo federal alcançou mais de 300 milhões de visualizações em 2 dias (Reprodução)

Uma investigação publicada pelo The Intercept Brasil expôs nesta semana um esquema envolvendo o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o mais votado do país em 2022, e sua empresa Destra Cursos LTDA, voltada à formação cristã com conteúdo ideológico de extrema direita. Segundo a reportagem, o parlamentar desembolsou R$ 750 mil diretamente à Meta, controladora do Instagram e Facebook, para impulsionar vídeos com conteúdo falso ou distorcido com o objetivo de alcançar milhões de pessoas.

Os dados analisados mostram que entre abril de 2024 e abril de 2025, a Destra veiculou mais de 3.300 anúncios pagos nas redes sociais da Meta. Os conteúdos promovidos incluem vídeos virais com desinformação política, como o que denunciava uma suposta “taxação do PIX”, visualizado mais de 330 milhões de vezes.

Essa estratégia agressiva de tráfego pago, somada ao enorme alcance orgânico dos perfis de Nikolas Ferreira, reforça o uso de recursos empresariais e religiosos para fins político-eleitorais, à margem da legislação vigente.

Apesar da gravidade, Nikolas Ferreira não respondeu aos pedidos de esclarecimento, nem a Destra Cursos emitiu nota. A Meta, por sua vez, tem sido criticada por permitir e lucrar com anúncios que violam suas próprias regras de desinformação política.

A empresa oculta de Nikolas

Embora o site da Câmara não informe qualquer profissão do parlamentar, Nikolas é sócio da Destra Cursos LTDA, empresa fundada em 2020 que, originalmente, atuava com marketing eleitoral. A entrada oficial do deputado como sócio ocorreu ainda em 2020, após a empresa receber R$ 68 mil de Bruno Engler, candidato à prefeitura de Belo Horizonte apoiado por Nikolas.

A Destra foi reformulada em 2022 como uma plataforma de cursos online cristãos, com foco em jovens evangélicos. O próprio Nikolas é um dos “professores” da plataforma, promovendo conteúdo com estética moderna e forte apelo emocional.

Os cursos têm como objetivo fortalecer valores cristãos supostamente ameaçados, mas funcionam como uma espécie de funil de radicalização religiosa e política, alinhado à retórica bolsonarista.

O lucro por trás da cruzada digital

A Destra afirma ter formado mais de 60 mil cristãos. Considerando que o plano de assinatura da plataforma custa R$ 500, o faturamento da empresa pode ultrapassar os R$ 30 milhões — embora esse número não tenha sido auditado e seja, provavelmente, inflado para atrair novos assinantes.

Segundo o jornalista responsável pela investigação, que se inscreveu no curso com um pagamento via PIX de R$ 497 diretamente à empresa, o conteúdo da plataforma mescla sermões disfarçados de aulas com teorias políticas extremistas.

Há cursos que ensinam “como se posicionar como cristão na política” e outros voltados à “formação de líderes conservadores”, com trechos que reforçam a ideia de uma luta espiritual contra o feminismo, o socialismo e os “inimigos da família”.

Estratégia de radicalização em etapas

A investigação revela que a plataforma Destra funciona por módulos de formação: de vídeos introdutórios e pregações, até aulas com Nikolas, em que o discurso religioso é usado como base para radicalização política. A retórica do deputado se apresenta como uma missão divina contra a “destruição dos valores cristãos”.

No módulo “Destra Front”, Nikolas Ferreira aparece diretamente, promovendo um curso intitulado “O Cristão e a Política”, no qual apresenta a política como uma guerra espiritual entre “o bem e o mal”. A estética é profissional, com vídeos editados como peças de marketing político. Em vez de debate, há doutrinação com verniz religioso.

Conexão com Le Cercle e referência ultraconservadora

Um dos módulos mais polêmicos da plataforma se chama “Le Circle”, que se anuncia como uma “comunidade cristã engajada”. A funcionalidade ainda não foi lançada, embora prometida para junho. O nome, no entanto, remete ao Le Cercle, grupo ultraconservador europeu fundado no pós-guerra, ligado a redes anticomunistas e ao financiamento do apartheid na África do Sul.

Não há comprovação de relação direta entre Nikolas e o grupo europeu, mas a coincidência de nome e o conteúdo ideológico do módulo levantam suspeitas de inspiração.

Impulso pago para fake news e possível violação eleitoral

O principal dado revelado, no entanto, está no investimento direto da Destra em publicidade na Meta: mais de R$ 745 mil em um ano, a maioria promovendo conteúdos com desinformação sobre políticas públicas, ataques ao STF, e teorias conspiratórias.

Essa verba expressiva levanta questionamentos sobre o uso indevido de impulsionamento para fins políticos, o que pode configurar abuso de poder econômico e eventual crime eleitoral, especialmente se os conteúdos forem utilizados em pré-campanhas disfarçadas.

A religião como escudo da radicalização

Ao final da jornada investigativa, o Intercept conclui que a Destra não se propõe a evangelizar, mas sim a radicalizar politicamente fiéis já convertidos, criando uma comunidade fechada e ideologicamente alinhada com a extrema direita cristã.

Os cursos vendem “formação” como produto, mas entregam doutrinação política com roupagem religiosa, cultivando seguidores prontos para atuar como militantes em nome de Deus e de uma causa.

Nikolas Ferreira, ao mesmo tempo deputado federal e sócio de uma empresa de educação digital, lucra — financeiramente e politicamente — com esse ecossistema. O caso expõe não só a fragilidade das regras eleitorais e das plataformas digitais, mas também a instrumentalização da fé como ferramenta de poder.

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