Adalberto Monteiro: ''O Centenário de Mario Quintana''

O poeta Adalberto Monteiro, membro do Comitê Central do PCdoB, assina o tributo que o Vermelho presta a Mario Quintana, cujo nascimento completa cem anos hoje (30/7). Segundo Adalberto, o poeta gaúcho ''escrevia ver

O Centenário de Mario Quintana


 


Por Adalberto Monteiro


 


Trinta de julho de 2006. Exatamente há cem anos, em Alegrete (RS), nasceu Mario Quintana. No centenário de seu nascimento, muitos de seus livros são reeditados, e várias homenagens ao seu legado poético se realizam pelo país. O Vermelho também rende suas homenagens ao poeta.


 


Quintana escrevia versos com a delicadeza e a incisividade de quem esculpe cristais. Um estilo claro, simples, bonito e, sempre, lírico. Quem sabe por isso, em muitas estantes, os livros de Mario Quintana estejam ao lado dos tomos de Manuel Bandeira. O desavisado julgará que seja somente pela coincidência dos prenomes iniciados pela mesma letra.


 


Uma poesia capaz de encantar qualquer pessoa, independentemente da estação da vida. Uma poesia que nasceu no século passado ao Sul do coração do país e se projeta para cativar sucessivas gerações de leitores.


 


A complexidade da alma, a vastidão dos sentimentos, a ganância dos desejos, tudo isso pode ser revelado com beleza e simplicidade. Talvez, isso dê pistas para que se entenda a perenidade da obra poética de Quintana.


 



          O Poema
          (Mario Quintana)



          Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
          Como um pobre animal palpitando ferido.
           Como pequenina moeda de prata
                          perdida para sempre na floresta noturna.



 


            Um poema sem outra angústia
                            que sua misteriosa condição de poema.


 


Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.


 


 


Canção para Quintana
(Adalberto Monteiro)


 


É uma manhã fria de domingo,
Embora arda o sol.
São os primeiros dias da primavera gaúcha.
E caminho por uma quase deserta Borges de Medeiros.


 


Adentro-me a uma pequena praça defronte
Aos restos do cinema Capitólio.
E encosto o rosto
Na enrugada pele de um centenário cipreste
Que imagino ter sido tocada pelas tuas mãos.


 


Presumo que caminhavas muito por essa calçada
Que margeia o cais do Guaíba.
Então sob um olhar
Assustado, aquoso e azul de um barqueiro
Beijo o chão que foi pisado por ti.


 


Procuro vestígios teus por toda parte:
Em frente à Escola Militar
Assisto em honra à pátria
Ao desfile de teus conterrâneos.
Se tivesses tombado nos campos da Itália,
Eu jogaria um botão de rosas
No Parque Farroupilha ao pé do Monumento aos Heróis.
Mas morreste, poeta, como uma centenária árvore morre.
De tanto nos dar flores, de tanto parir frutos.


 


Como posso homenagear-te, então?


 


Bebo um bom vinho das serras de tua terra,
E dou o meu rosto (aos socos) à carícia cortante do minuano.
Lá na Ilha da Pintada, numa festa de pescadores,
Enquanto saboreio uma tainha assada na taquara,
Deslumbro-me com a lua
Banhando-se nua no Jacuí.
Contemplo o teu porto que ficou ainda mais alegre, com
Tua poesia, poeta.


 


No Largo em frente ao Mercado atiro um pastel de carne
A uma cadelinha grávida, faminta e sem dono;
Ela me diz alguma coisa e eu a entendo
Porque aprendi contigo, Quintana, o idioma dos bichos, das pedras,
Das águas e das plantas.


 


Que mais posso fazer para alegrar-te, cidadão de Alegrete?


 


Com o alçapão da memória prendo para sempre
Dentro de mim, um passarinho
Que saltita e trina nos galhos de um ipê lilás.


 


Olho para ti e vejo um ar de censura,
Dize-me: ''a homenagem não está completa''


 


Então,
Com a delicadeza e a pureza de tua poesia,
– Quintanamente –
Beijo uma gaúcha.


 


Mas ninguém beija uma gaúcha impunemente.


 


Ela faz de mim
Um cavalo crioulo,
Espora minhas coxas,
E conduz-me às missões do afeto,
Aos pampas da paixão,
Aos campos do carinho,
À aridez dos desertos da solidão,
Morde minhas ancas e arrasta-me
Às alcovas de Porto Alegre dos Casais,
E lá me faz galopar às fronteiras da loucura.


 


(Na serra atirou-me à relva alva de neve
E deitou-se sobre mim, caliente,
– Um caule de pinheiro incandescente.)