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A corrente emancipacionista e a trajetória da UBM

Abaixo, o anexo 2 do documento aprovado pela Comissão Política Nacional para a Conferência Nacional sobre a Questão da Mulher.

Anexo 2


A corrente emancipacionista e a trajetória da UBM



A trajetória da corrente emancipacionista teve início, mais dirigida e organizadamente, pelo PC do B, no início dos anos 80, quando surgiram várias uniões de mulheres pelo país afora.


Em 1986, surge a revista Presença da Mulher que, em 1987, no Rio de Janeiro, realiza o Encontro das Entidades Emancipacionistas, onde é deliberada a realização de um Congresso para a criação da UBM – União Brasileira de Mulheres, ocorrido em agosto de 1988, em Salvador-Bahia.


A UBM surge num momento de ascenso do movimento social no Brasil, como uma entidade articuladora das várias uniões já existentes, na perspectiva  de se constituir numa entidade de amplas massas, defendendo a concepção, do que costumamos chamar de feminismo emancipacionista, que “entende e analisa a especificidade da opressão da mulher como fruto da perda da liberdade de produzir e confinamento à esfera privada”.


Consequentemente, a opressão específica da mulher, sua gênese, seu processo de formação, coincide no tempo (Engels, em ‘A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado’) com o aparecimento das classes, com elas se entrelaçando e refletindo seu antagonismo e sua luta ao longo da história, nas diversas etapas e em diferentes formações econômico-sociais. A opressão específica da mulher caminha e se desenvolve ‘pari-passu’ com a opressão social, de classes, caracterizando, assim, a mulher como oprimida enquanto ser sexual e ser social (Bebel, em ‘A Mulher e o Socialismo’)”  (Valadares, 1990)


A UBM realiza seus dois primeiros Congressos, com ampla representação do movimento feminista e popular, envolvendo figuras representativas de vários segmentos – parlamento, movimento sindical, estudantil e juvenil, comunitário, anti-racista, da academia, artistas  -, tendo como centro a luta em defesa da mulher trabalhadora.


O Plano de Lutas do 1º Congresso destaca  duas campanhas, uma de apoio ao trabalho da mulher, englobando as lutas por creches,  pela formação e aperfeiçoamento profissional e  pela implantação de cooperativas de trabalho para a mulher e a outra de defesa da função social da maternidade, incluindo a defesa da licença maternidade e paternidade, pressão  para o cumprimento da legislação sobre as creches e em defesa do atendimento especializado à mulher na sua decisão de ter ou não ter filhos.


Lança, então, a campanha nacional “Ser Mãe Não é Crime: Trabalho Direito da Mulher”. Neste período tem uma ação bastante articulada com a Presença da Mulher, alcançando esta o montante de 800 assinantes,  realizando debates conjuntos em vários lugares. Foi um momento importante de introdução e afirmação da corrente emancipacionista no seio do movimento feminista e de mulheres no Brasil. Foi eleita presidenta Jô Moraes.


O 2º Congresso, realizado em 1991, em Guarapari-ES, cujo lema foi “Mulher, Poder e Trabalho”, momento em que aconteciam, em diversos lugares, denúncias sobre a exigência do teste de gravidez e atestado de laqueadura, pelos patrões, para as mulheres trabalhadoras. É avaliada como exitosa a Campanha “Mulher seu Voto não tem Preço”. O Congresso realiza a mesa Feminismo e Socialismo, coordenada por Loreta Valadares. É eleita Gilse Consenza, para a presidência da entidade.
Surge entre as comunistas que atuam na UBM, neste período, a discussão se a entidade deveria continuar  constituindo-se enquanto tal ou deveria se transformar apenas numa corrente de opinião. Saiu vitoriosa a opinião de que deveríamos ser uma entidade, que representa uma corrente de pensamento, traduzida na concepção emancipacionista.


O terceiro Congresso da UBM, realizado em 1994, em Goiânia-GO, com o lema “A Mulher Brasileira e a Nova Ordem”, numa outra conjuntura, de descenso do movimento social, o que refletiu na concepção do congresso, voltado para dentro, sem participação de outros segmentos do movimento feminista. Discutiu-se a corrente emancipacionista e as novas formas de organização e ação.


Na ocasião foi reformulado o estatuto da entidade e se definiu, mais claramente, a idéia da corrente emancipacionista, tendo  a UBM como núcleo irradiador e articulador desta corrente, levando-se em conta que as mulheres estão em todos os espaços e movimentos, não podendo assim ter uma participação exclusiva na UBM. Gilse é reeleita presidente da UBM.


Este foi o período que antecedeu Beijing e, em São Paulo, especialmente, atuamos efetivamente no processo de preparação da Conferência Nacional e a UBM participou com  uma delegação significativa na China, durante a V Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU. Marcamos presença com materiais próprios, impressos e faixas, e, na ocasião, juntamente com companheiras de Cuba, Argentina, Uruguai, organizamos a Rede Feminista Socialista, já sendo a UBM, então, filiada à FDIM – Federação Democrática Internacional de Mulheres.


O 4º Congresso foi realizado em maio de 1996, em São Paulo-SP, tendo quatro eixos centrais:


1. Lutas atuais da mulher brasileira – violência doméstica e sexual contra a mulher, saúde e direitos reprodutivos, repercussão das transformações do mundo do trabalho na vida das mulheres e a atual conjuntura nacional;
2. O movimento de mulheres no Brasil hoje – organização e estruturação do movimento no âmbito nacional e internacional, o papel das ONGs e os rumos do movimento feminista;
3. Relações de gênero e a perspectiva emancipacionista, a concepção estratégica da UBM e suas bandeiras de lutas;
4. Balanço da atuação da UBM e formas de organização e ação. Foi eleita  Liège Rocha como Coordenadora Nacional.
A partir do 4º Congresso, a UBM retoma sua participação nos fóruns e articulações feministas, integrando a Executiva da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras e da coordenação de vários fóruns estaduais. Contribui na organização da Rede Feminista de Saúde, chegando a coordenar por duas gestões a Regional da Rede, em São Paulo, sendo a UBM sede desta Regional. No período de 2000-2002 esteve na Secretaria Executiva Adjunta da Rede Nacional Feminista de Saúde.


O 5º Congresso da UBM foi realizado em Belo Horizonte-MG, tendo como eixos temáticos:


1. Mulher, Agora são Outros 500, onde se debateu as lutas atuais e a repercussão das transformações do mundo do trabalho na vida das mulheres, no contexto da conjuntura nacional e internacional;
2. Saúde e Direitos reprodutivos – a importância do SUS e do PAISM;
3. Políticas públicas sob a ótica de gênero;
4. Mulher Negra;
5. Desafios para o próximo milênio;
6. A violência contra a mulher.


No 5º Congresso reafirmamos a necessidade da constituição dos núcleos da UBM e maior enraizamento da corrente emancipacionista, pois ganhamos respeitabilidade e visibilidade no seio do movimento feminista e de mulheres, mas a nossa base organizativa ainda é muito débil o que dificulta uma atuação mais ampla e inserção maior junto às mulheres. Liège Rocha foi reeleita Coordenadora Nacional.


O 6º Congresso da UBM foi realizado em Salvador-BA, em 2003, abordando os seguintes temas:


1. O movimento feminista e a UBM no contexto atual, realizando-se uma retrospectiva do movimento feminista no Brasil, falando-se dos aspectos da institucionalização do movimento feminista e suas consequências no arrefecimento de sua radicalidade, característica primordial deste movimento, destacando-se o avanço das mulheres negras;
2. Políticas Públicas com a perspectiva de gênero no governo Lula atual, com ênfase na transversalidade de gênero nas instâncias de governo, insistindo na importância das políticas universais;
3. A Mulher no Mundo do Trabalho e Desafios Atuais.


Em setembro de 2004 Eline Jonas assume a Coordenação Nacional da Entidade. Katia Souto foi eleita Coordenadora Nacional da entidade.
Uma das linhas de atuação da UBM na sua trajetória foi a da capacitação, tendo realizado seminários nacionais sobre Mulher e Trabalho, em parceria com a CSC e o CES, além de seminários e cursos de formação para lideranças da UBM.
Outra marca de atuação da UBM foi a realização de campanhas, tais como “Mulher Seu Voto Não Tem Preço”, desenvolvida em todos os anos eleitorais.


A UBM desenvolveu projetos interessantes, que possibilitaram potencializar a organização da entidade: o estudo sobre o impacto do desemprego na saúde de homens e mulheres, em São Paulo e Espírito Santo. A capacitação de donas de casa na prevenção das DSTs/AIDS, em duas regiões da capital paulista e por último vem desenvolvendo projeto em Santo André, em parceria com a Prefeitura, também na área de capacitação, envolvendo vários segmentos de mulheres e coordenando o centro de capacitação João Amazonas.


Ao desenvolver estes projetos, a UBM garantiu seu funcionamento e atuação política, mas recebeu críticas de que estava se ‘onguizando’. Após o 3º Congresso da UBM, com a reafirmação de nossa atuação enquanto corrente de opinião e de núcleo irradiador, articulador e coordenador da corrente, criou-se uma dubiedade em relação ao caráter da entidade, como se fosse incompatível ser uma corrente de opinião  e desenvolver ações de massa.


No 5º Congresso da entidade foi reafirmado a necessidade do enraizamento da corrente emancipacionista, inclusive com a criação de núcleos da UBM nos diversos espaços de atuação. A UBM representa uma corrente de opinião que atua nos movimentos sociais, de  mulheres, desenvolve ações de massa, dirigidas pelas coordenações nacional, estaduais e municipais, devendo organizar núcleos onde as mulheres atuem.


O Manifesto Político, aprovado no 1º Congresso continua atual e o relançamos no 6º Congresso, realizado em Salvador, por ocasião dos 15 anos da entidade. Somos sem dúvida a principal força do movimento feminista brasileiro, juntamente com a Marcha Mundial de Mulheres, que continua levantando a bandeira do socialismo e é este fato que nos distingue das outras correntes.


Com a participação nos fóruns e articulações, por suas posições políticas ganhou respeitabilidade e passou a ser força fundamental nas grandes atividades e manifestações:


• Participou da coordenação dos últimos 8 de Março
• integrou a coordenação da Conferência Nacional de Mulheres Brasileira (2000)
• integrou a articulação de entidades e redes que elaborou o documento do movimento feminista brasileiro para o Comitê CEDAW
• participou de todas as articulações do movimento de mulheres para a elaboração de plataformas de candidatos, desde 89, à Presidência da República
• participou dos últimos Encontros Feministas Nacionais, com oficinas próprias e bancas de materiais
• participou dos últimos Encontros Feministas da América Latina e Caribe, com oficinas e bancas de materiais
• participou dos dois últimos congressos da FDIM, realizados em Paris e Beirute
• foi a única entidade feminista a integrar a coordenação do Fórum Nacional de Luta (FNL)
• participou de todas as edições do Fórum Social Mundial (FSM) realizados em Porto Alegre com atividades próprias, sempre muito concorridas. Também esteve presente nas duas edições do Fórum Social Brasileiro (FSB), realizados em BH-MG  e Recife-PE, como também  no Fórum Social das Américas (FSA), realizado em Quito-Equador. Recentemente participou do FSA/FSM em Caracas-Venezuela
• atualmente, integra a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS).
• é uma das entidades nacionais que tem representação no CNDM-Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.


Após o 6º Congresso, passamos por momentos difíceis no que se refere ao funcionamento da entidade, com problemas de direção política e certa paralisia e ausência nos principais fóruns do movimento social e feminista.  Não temos nenhuma de nossas companheiras da Executiva com tempo e exclusividade para atuar na entidade. Nossa atuação tem sido débil e desarticulada em atividades que vem envolvendo o movimento social e feminista na atualidade, como foi o caso na luta pela legalização e descriminalização do aborto, na luta contra a violência contra as mulheres e na manifestação nacional, em Brasília, no dia 16 de setembro. Ultimamente retomamos a nossa participação na Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e estivemos na Comissão Organizadora do 10º Encontro Feminista da América Latina e Caribe, realizado em outubro de 2005, em Serra Negra-SP. Integramos também as Jornadas Brasileiras pela Legalização do Aborto, que congrega entidades de todo o Brasil.


O processo da Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizado em 2004, promovido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal, as audiências nos estados para discutir o PL sobre a Violência Doméstica, a mobilização das trabalhadoras rurais e do movimento comunitário, demonstram as condições favoráveis de crescimento e fortalecimento da mobilização e organização das mulheres e conseqüentemente também é um momento favorável para a UBM fortalecer a sua organização e presença junto à luta das mulheres.


A UBM hoje está organizada em 18 Estados, com níveis diferenciados de atuação e funcionamento:


• Amazonas – Coordenação Estadual e nos Municípios: Manaus, Parintins e Benjamin Constant (5 Núcleos em Manaus)
• Amapá  –  Coordenação Estadual
• Acre – Coordenação Estadual
• Bahia – Coordenação Estadual e nos Municípios: Vitória da Conquista, Ilhéus, Jequié
• Ceará – Coordenação Estadual e nos Municípios de Aquiraz, Iguatu, Crato, Camocim, Sobral, Itapipoca, Horizonte e Maracanaú
• DF – Coordenação Estadual
• Espírito Santo – Coordenação Estadual
• Goiás – Atua através do CPM – Centro Popular da Mulher, que faz a representação da UBM
• Maranhão – Recentemente criou a Coordenação Municipal em Timon e está em estruturação a Coordenação Estadual
• Minas Gerais – Atua através do MPM – Movimento Popular da Mulher
• Pará – Coordenação Estadual
• Pernambuco – Coordenação Estadual
• Paraíba – Coordenação Estadual e Coordenações Municipais em Cabedelo, Belém do Caiçara e Campina Grande. Em João Pessoa tem um Núcleo de Jovens da UBM
• Paraná – Coordenação Estadual e Municipais em Rolândia, Londrina e Maringá. Responsáveis pela UBM nos Municípios Telêmaco Borba, Ponta Grossa, Pato Branco, Foz do Iguaçu, Paranaguá e Campo Mourão. Núcleos em dois bairros de Curitiba e em sindicatos
• Rio de Janeiro – Coordenação Estadual, Coordenação Carioca (da Capital) e outros Municípios e Núcleos na Capital foram criados recentemente
• Rio Grande do Sul – Coordenação Estadual e nos Municípios: Porto Alegre (Núcleos), Cachoeira do Sul, Caxias do Sul, Santa Maria, Canoas, Alvorada, Estância Velha, Ijuí, Sapucaia, São Leopoldo, Pelotas, Cruz Alta e Passo Fundo. Em formação: Campo Bom, Esteio, Guaíba, Bagé, Rio Grande, Gravataí e Novo Hamburgo
• São Paulo – Coordenação Estadual e Municipais em Guarulhos e Itaipava
• Santa Catarina – Coordenação Estadual e Municipais em Criciúma e Chapecó


Desafios da luta emancipacionista


Vivemos um momento de ofensiva de correntes conservadoras, capitaneadas pelo governo Bush, ofensiva esta que atinge vários aspectos da vida das pessoas, tanto do ponto de vista de questões de foro íntimo como ingerências que atingem as políticas públicas. Aqui no Brasil tivemos o exemplo das exigências da USAID para o financiamento de programas de prevenção da AIDS, com condicionantes referentes ao trabalho com as prostitutas, como também em relação a quebra de patentes para a produção dos retrovirais.


Por outro lado não podemos esquecer o que significou a derrota da experiência socialista no imaginário e nas perspectivas das pessoas. O avanço do neoliberalismo trouxe conseqüência direta na vida das mulheres com o enfraquecimento dos programas e ações na área social, e a hegemonia americana, são fatores que dificultam o avanço da corrente emancipacionista.


O momento exige de nós avançarmos na elaboração teórica , desenvolver o conceito de emancipação da mulher, o sentido da libertação das mulheres e as bandeiras a serem levadas no contexto da transição para o socialismo.


A UBM precisa desenvolver uma ação de massa efetiva, para isso a definição de bandeiras nacionais que unifiquem sua atuação no país é fundamental. O momento exige uma ampliação da atuação da UBM nos Estados e Municípios, colocando na ordem do dia a criação das Coordenações Municipais e dos Núcleos o que efetivamente cria as condições para o enraizamento da nossa atuação. A valorização do trabalho da mulher, a garantia e ampliação de direitos, e trabalhar a função social da maternidade devem ser as  bandeiras prioritárias.


Questões a serem aprofundadas


Sempre colocamos o trabalho como questão fundamental da emancipação da mulher, mas hoje as mulheres estão no mercado de trabalho formal e informal em condições desiguais em relação aos homens. Qual a dimensão da luta pela valorização e igualdade no trabalho?


Como trabalhar a relação público e privado, o sentido da produção e reprodução, divisão sexual do trabalho e um novo paradigma de família?


Em que dimensão as políticas públicas podem enfrentar as desigualdades e os equipamentos sociais podem minimizar a dupla jornada de trabalho para as mulheres?


Como fortalecer a corrente emancipacionista, transformando-a num movimento para a construção do socialismo, que coloque no centro de sua atuação a radicalidade em busca das mudanças e na construção de um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho?


Como enraizar a corrente emancipacionista, fortalecendo sua organização e  desenvolvendo ações políticas de massa?


O Partido foi o grande idealizador, através de João Amazonas, da criação da União Brasileira de Mulheres e vem dando a direção política à sua atuação. Como fortalecer a direção política da entidade para enfrentar os desafios que o momento exige?




Trecho do documento apresentado por Liège Rocha para discussão na Comissão Nacional de Movimentos Sociais do PCdoB.