Encontro debate dança na Europa e América do Sul
Encerrado quinta passada, o I Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos reafirmou a dificuldade atual de se dançar junto.
Publicado 16/04/2007 18:07 | Editado 04/03/2020 16:37
Palco de batalha. De um lado da trincheira, a contemporaneidade a estimular a proliferação de eus. Do outro, o mercado a virar a cara a quem ouse negar seus padrões. Em meio ao fogo cruzado, artistas-ilhas, tendo que fazer tudo sozinhos. Entre a audácia e a ingenuidade, o I Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos (CoLABoratório), destaque na última semana no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, quis reverter tal conflito em potência criativa.
Parceria da Bienal Internacional de Dança do Ceará com o Festival Panorama de Dança (RJ), o Fórum Internacional de Dança (MG) e mais algumas entidades e mostras européias, o CoLABoratório, como se diz no popular, pôs o dedo na ferida. De terça à quinta-feira últimas, passaram por Fortaleza 18 artistas, vindos de 12 diferentes países, e oito montagens, fruto do processo iniciado em novembro de 2006, no Rio de Janeiro. Olhar o repertório composto é se confrontar com um dos perigos que rondam a criação contemporânea. Está cada vez mais complicado se dançar junto. Por quê?
Complexa, a questão tem tirado o sono de muita gente nos últimos tempos. Em parte, a emergência do CoLABoratório se justifica como afronta a esse impasse. É aí que o projeto se faz audacioso: detectou um problema e se dispôs a enfrentá-lo. No entanto, foi, no mínimo, ingênuo ao acreditar que coreógrafos pudessem criar coletivamente. Na dança, o coreógrafo é tal como o encenador no teatro. Cabe a ele pensar todos os pormenores da cena, mas não propriamente estar nela. Claro, há os que se permitem. São exceção, porém. Não a regra. O palco é ingrato.
Tão perto, tão longe
O CoLABoratório — na verdade, um investimento no encontro, na troca de informações, na aproximação de mundos aparentemente tão distantes — podia ter se contentado com o processo. Mas, não. Explicitou-se. Não à toa, quase todos os trabalhos apresentados se destacaram pela incompletude. O que não chega a ser um problema. Absolutamente. O problema se dá quando o inacabado se justifica pelo processo. Logo no primeiro dia de programação, a performance assinada pela mineira Margô Assis, em parceria com a espanhola Estela Lloves e a venezuelana Sara Gebran, carregava em si a imperfeição ao intitular-se “Só mais um segundo… não estou pronta”. Nem pronta, nem coesa. Juntas em cena, pareciam apartadas.
Eis aí o grande dilema do CoLABoratório. O encontro escorregou na casca da banana que ele próprio comeu. O que tinha como objetivo maior aproximar, acabou por reafirmar a incapacidade contemporânea de partilhar. Talvez, o melhor fosse ter optado por dividir o número de selecionados entre bailarinos e coreógrafos. Sim, os coreógrafos são disseminadores de idéias mais potentes. Os bailarinos, no entanto, são bem mais instigantes, pelo menos aos olhos do público. O bom é que se escancarou que a criação contemporânea não se faz só no pensar. Tem uma esfera da execução que é preciosa e que carece de mais atenção. Fortalecer o coreografar quase que se perde sem o aguçar da realização.
Mesmo assim, o I Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos teve pontos muito positivos. Seu atrevimento em peitar dificuldades e “obrigar” um inglês a dançar com uma chilena, uma colombiana com uma tcheca, já lhe justificam a existência. Das oito montagens apresentadas em Fortaleza semana passada, com temporadas agendadas para Belo Horizonte e Rio de Janeiro, é bem provável que nem todas tenham um desdobramento linear. Nem todas vão se maturar, ganhar mais alguns minutos e voltar a cena, mas todas, sem dúvida, em algum momento, vão reverberar mundo afora. Mesmo que separadas.
Executadas em grupos mistos, de no máximo quatro coreógrafos, foi grande a afinidade de idéias entre as performances. Maior ainda é urgência da dança pelo falar. Muitos trabalhos tiveram cenas longas e verborrágicas. Também a necessidade de toque é imensa. “Produto de 1ª”, dobradinha do cearense Fauller com a mineira Renata Ferreira, pedia que o público carimbasse seus corpos, expostos em cena.
A outra cearense envolvida, Valéria Pinheiro, no encontro com o venezuelano Rommel Nieves, desenvolveu “Ruaca”, também um manifesto em explícita defesa da interação. Foram só três dias de mostra aqui em Fortaleza. Dias decisivos, vale dizer. Agora em 2007 é ano de Bienal Internacional de Dança do Ceará e, não há como negar, o Encontro Sul-Americano Europeu de Coreógrafos antecipou alguns pontos complicados que podem ser trabalhados antes de outubro chegar. O velho colonialismo, deslubre com o outro, de parte da cena local merece atenção.
Por Geraldo Magela/DN