Lula quer moeda, banco e gasoduto para o Mercosul
''A gente tem que sonhar com uma moeda única, um banco único. Brasil e Argentina já estão trabalhando para ver se as trocas comerciais se realizam com as nossas moedas, com o real e com o peso. Sem precisar o dólar no meio.'' A afirmação é do presid
Publicado 09/05/2007 16:23
Terra Magazine – A integração da América Latina, do Cone Sul, é uma das prioridades do seu governo como política externa. Agora, isso tem contradições. No momento, por exemplo. O presidente Evo Morales com as suas questões internas do petróleo e do gás, o presidente Chávez e as nacionalizações… Como compor isso? Como conversar?
Luiz Inácio Lula da Silva – Eu não vejo que o fato de um presidente de República como o Evo Morales, o Chávez ou qualquer outro pensar em nacionalizar o gás, o petróleo ou outra empresa qualquer possa criar qualquer problema na relação de Estado para Estado. Tem a Petrobras, que tem uma relação em contrato…
P – … Empresarial, comercial…
R – …Com a Bolívia. Na hora em que for rompido isso a Petrobras vai aos fóruns internacionais brigar pelos seus direitos. A segunda coisa, Bob, é que a integração é, na minha opinião, a única possibilidade de transformar a América do Sul e a América Latina num continente a ser levado em consideração…
P – …Com força para negociar…
R – … Na chamada ordem política, social e econômica do mundo. Nós somos um continente de quase 370 milhões de habitantes, temos um PIB, eu diria, razoável, e estamos vivendo de costas um para o outro. Ou seja, todo mundo tinha uma preferência para negociar com os Estados Unidos e com a União Européia, e poucas vezes sentamos para conversar entre nós. O que nós fizemos? Nós fortalecemos o Mercosul – e precisa fortalecê-lo mais ainda por conta das assimetrias, já que dois países são menores, economicamente mais frágeis, o Uruguai e o Paraguai -, e temos de cuidar, ajudar esses países. E aí a responsabilidade é de Brasil e Argentina. Nós trouxemos a Venezuela para o Mercosul, queremos trazer a Bolívia, o Equador, a Colômbia, o Chile. Ou seja, nós queremos, na verdade, transformar a América do Sul num bloco unido politicamente, economicamente. A gente tem de sonhar em ter uma moeda única, um banco único…
P – O senhor acha que é possível ter um banco único? O Banco do Sul é uma miragem ou pode ser uma realidade?
R – Pode ser uma realidade. Se nós definirmos corretamente o que nós queremos do banco. Esse banco vai servir pra quê? Vai ser um banco de financiamento, ou um um banco de desenvolvimento? Será um banco para emprestar dinheiro quando o país quebra como o FMI ou será um banco de desenvolvimento como o BNDES brasileiro? Na hora em que a gente definir isso eu penso que poder-se-ia criar esse banco.
P – Mas as conversas estão caminhando?
R – Tá andando. Na sexta-feira houve uma reunião dos ministros da Fazenda dos países da América do Sul, em Quito. As conversas estão andando. Brasil e Argentina já estão trabalhando para ver se as trocas comerciais se realizam, sabe, com as nossas moedas, com o real e com o peso. Sem precisar o dólar no meio. Então nós estamos avançando. Esse avanço vai ser muito maior na medida em que a gente vá criando confiança na nossa relação. Porque é importante lembrar que durante muito tempo o Brasil foi visto como se fosse um país imperialista.
P – …O imperialista da região.
R – E nós não queremos ser imperialistas, não queremos relação hegemônica. Queremos relação de parceria.
P – Presidente, não devemos pessoalizar questões de Estado, eu sei disso. Agora, como cada Estado tem as suas circunstâncias, eventualmente é obrigado a jogar um pouco mais na frente, um pouco mais atrás. Numa conversa que tivemos, em meados de setembro, durante a campanha eleitoral, o senhor disse que, numa conversa disse para o Evo: ''Não coloque uma espada sobre a minha cabeça que eu coloco uma espada sobre a sua cabeça''. De lá para cá, dizem que há pouco tempo vocês tiveram outra conversa dura. Isso faz parte do jogo, como é que é?
R – Olha, deixa eu te contar. Faz parte do jogo porque eu compreendo um discurso do Evo para o povo boliviano e ele precisa compreender o discurso que eu tive que fazer para o povo brasileiro. Num primeiro momento, aqui no Brasil, na época das eleições, os setores mais conservadores queriam que eu fizesse críticas profundas à Bolívia. Eu nunca fiz porque eu sempre entendi que era direito de um país ter o domínio das suas matérias-primas, sobretudo em se tratando de matriz energética.
P – … E ele tem o eleitorado dele…
R – Ele tem de fazer o discurso. O que o Evo precisa pensar e o que eu tenho conversado com ele é que, ao fazer o discurso para sua gente, ele leve em conta…
P – …Que há parceiros…
R – Que há parceiros. E que, portanto, o discurso que ele faça para sua gente não pode truncar uma relação histórica entre Brasil e Bolívia. É apenas isso. Por exemplo, quando houve problemas com os sojicultores brasileiros, eu disse para o Evo: ''Evo, é no mínimo uma contradição entre nós dois; ou seja, enquanto eu estou fazendo um esforço imenso para legalizar 100 mil bolivianos que estão no Brasil, você está fazendo um esforço para expulsar os brasileiros da Bolívia!''. É um contra-senso, precisa ter no mínimo uma parceria.
P – Mas uma necessidade de radicalidade oral que ele eventualmente tenha não pode criar problemas maiores?
R – Eu penso que a necessidade da radicalidade oral é incompatível com a necessidade de bom-senso de quem governa. Ou seja, quando a gente governa a gente descobre, ao longo do tempo, que a gente governa para todos: o rico, a classe média, o branco, o preto, o índio… Embora você possa ter as suas atitudes preferenciais. Aqui no Brasil eu digo todo dia: eu governo para todos, agora, a minha preferência é ajudar a parte mais pobre da população. O Evo, então, tem uma preferência de ajudar a maioria da Bolívia, que são os indígenas. Então, tudo bem. Mas isso não pode chocar…
P – …Obstaculizar…
R – …Obstaculizar uma boa relação entre o estado brasileiro e o estado boliviano.
P – Tem uma personagem ausente nessa conversa nossa aqui que é a chamada mídia. E por isso eu faço essa pergunta. A sua relação com o presidente Chávez, de parte a parte – às vezes dizem que vocês estão brigados. Às vezes, no meio de uma eleição, ele se torna um demônio e assim é relacionado à sua pessoa. Em outras vezes ele é como se fosse um sócio da sua pessoa e das suas políticas. O que existe de verdadeiro na relação com o Chávez? Vocês se dão bem? Como é que é? À parte as nacionalizações – agora ele anuncia que vai nacionalizar a siderúrgica (NR: Ternium-Sidor, que tem participação acionária da Usiminas, do Brasil), o que é uma questão interna da Venezuela… Como é que é? Eu leio tanta coisa…
R – …Deixa eu te contar: eu nunca aceitei a demonização do Chávez. Durante a campanha eu fiz questão de…
P – …Ir até a fronteira…
R – …De trazer o Chávez ao Brasil, o Chávez veio aqui e me apoiou, sabe, eu não tive nenhum problema. Fui à Venezuela e apoiei o Chávez com a maior…
Deixa eu lhe contar: primeiro, a minha relação com o Chávez é uma relação pessoal, muito sincera e muito forte. E a relação Brasil-Venezuela também é forte. Nós temos coisas importantes a fazer pelo continente, por exemplo, o gasoduto.
P – …E sai?
R – Sai!
P – A obra passa pela floresta amazônica!
R – Veja, nós estamos com dezenas de técnicos trabalhando, é preciso elaborar um projeto, e depois que tiver um projeto executivo pronto é que nós vamos ver o tamanho do custo do empreendimento e o tamanho dos problemas ambientais que vamos ter.
Mas a idéia é que poderemos fazer um gasoduto perpassando todo o território nacional, chegando à Bolívia, chegando ao Uruguai, à Argentina, e quiçá chegar ao Chile. Nós temos parcerias da Petrobras e da PDVSA, que são importantes. Temos um projeto na Venezuela em que a PDVSA tem 40% e a Petrobras tem 40%.
P – E com essas questões agora, as nacionalizações, o senhor não…
R – …Não tem problema. E temos outro projeto em Pernambuco…
P – …A refinaria Abreu e Lima…
R – …Em que a Petrobras tem 60% e a PDVSA tem 40%. Então veja, o fato de um país querer nacionalizar determinadas indústrias que eles entendem que sejam estratégicas para eles… Vamos pegar a história do petróleo no mundo: como é que surgiu o Saddam Hussein? Como é que surgiu Kadhafi? Se você pegar esses exemplos você vai ver que todos eles surgiram por conta de briga do gás, da nacionalização de petróleo. E nós não podemos fazer disso uma razão pela qual a gente tem divergência. Eu quero terminar dizendo o seguinte: eu tenho pelo Chávez um profundo respeito, tenho certeza que há muitos anos a Venezuela não tinha um presidente comprometido com o povo pobre do seu país como o Chávez e, na hora que a gente tem divergência, a gente pega o telefone, liga um para o outro e resolve essa divergência.
P – Para encerrar. A gente então caminha para uma moeda única, e a relação do Brasil com os Estados Unidos… Não interfere, não atrapalha isso de forma alguma?
R – Não interfere. Veja: Brasil e Argentina têm que compreender que, como são as duas maiores economias do Mercosul, os gestos que nós fizermos podem repercutir favoravelmente aos outros países, os que já estão no Mercosul ou os que querem entrar. Os EUA têm consciência de uma coisa: o fato de o Brasil, a Argentina e outros países terem relações estratégicas com os EUA não impede que a gente construa entre nós as nossas relações.
P – …Nem que aos olhos deles (os EUA) o senhor seja uma alternativa de ''equilíbrio''?
R – Não tem nenhum problema… Aliás, eu acho que o equilíbrio deve ser nós mesmos aqui. Acho que não será ninguém de fora que será um ponto de equilíbrio. Aliás, sempre que alguém de fora tentou ser o ponto de equilíbrio…
P – …Tivemos desequilíbrio…
R – …Nós tivemos problemas em todos os países da América do Sul, um desequilíbrio. O dado concreto é o seguinte: nós somos um bloco de países que estamos construindo uma democracia, muitas vezes ainda incipiente, com rescaldo de autoritarismo, por ingerência de outros… E nós queremos acertar por nós mesmos. É só isso. Nós vamos acertar. Não tenho dúvida de que o século 21 será o século da América Latina.