Saúde Pública x Saúde Privada
…Nesse período todo fiquei observando as condições dos demais seres humanos por ali jogados. Jovens, velhos, mulheres. Traumas de todas as espécies. Ferimentos variados. Gente sangrando ou vomitando pelos corredores. Paciente tomando soro se
Publicado 15/06/2007 19:57 | Editado 04/03/2020 16:43
Iran Caetano*
No início deste mês fui encarregado de duas tarefas que me mostraram casualmente um quadro de absurda desigualdade no trato da saúde do povo de nosso Estado do ES, pois ao transportar um paciente para um hospital público deparei com cenas que talvez só Dante Alighiere houvesse pensando em seu “Inferno”. Porém dois dias depois fui visitar um amigo num desses hospitais ” shopping” de luxo e inevitavelmente montei as comparações e passo a compartilhar com meus dois ou três leitores o que senti.
No pronto socorro do hospital público minha entrada foi facilitada pela gravidade do quadro e talvez por eu ser médico. A eficiência do pessoal evidente, mas os recursos escassos. Tiramos o paciente da ambulância de maca e a mesma ficou retida pois não havia leito para ele. O médico atendeu prontamente e o enviou para o raio x a fim de avaliar o quadro com mais precisão. Feito o exame constatou-se a necessidade de cirurgia urgente, pois havia sangramento interno. Aí começa a batalha do cirurgião por um espaço no centro cirúrgico já que todas as salas de operação estavam ocupadas. Tivemos que esperar. Transfusão na veia do coitado. Corre sangue, corre soro. Deita a esperar. Milagrosamente a pressão se estabiliza e o paciente melhora o estado geral. Parece que a hemorragia se estancou temporariamente. Duas horas depois abre uma vaga para cirurgia e nosso paciente entra para ser operado. Mais três horas de espera e termina aparentemente bem o ato. A veia que sangrava foi ligada e os ferimentos foram devidamente suturados. Continua não havendo leitos. Volta o rapaz para a maca, para o corredor. Somente pela manhã do dia seguinte conseguiu-se um local decente para ele ficar e a maca foi devolvida para liberar a ambulância.
Nesse período todo fiquei observando as condições dos demais seres humanos por ali jogados. Jovens, velhos, mulheres. Traumas de todas as espécies. Ferimentos variados. Gente sangrando ou vomitando pelos corredores. Paciente tomando soro sentado pois a certa altura não havia lugar nem mais para se esticar um cobertor no chão. Cenário de guerra. O odor: uma mistura de fezes, vômitos, sangue e suor…
Vamos pular dois dias.
Hospital ” shopping” de luxo. Meu amigo em um apartamento com ar condicionado. Televisor. Leito confortável, moderno, só para ele. Sofá cama para acompanhante. Refeições de qualidade durante o dia. Suprimento de oxigênio e o que mais se fizesse necessário. Medicação na hora certa. Avaliação dos dados vitais como manda o figurino. Exames a tempo e a hora. Estrutura de primeiro mundo. Perguntei -como se já não soubesse: – como você vai pagar isso tudo? – Ah, não se preocupe, tenho o plano de saúde tal…
Que bom, pensei aqui o tratamento que todos, sem exceção deveriam ter. Que trágico, lá o tratamento que ninguém deveria ter. Porque será que isso acontece em nosso País , nosso Estado, nossos Municípios ?
Aparentemente o cidadão paga pelo plano de saúde e isso lhe dá esses direitos e outros mais. Aparentemente o outro cidadão não paga plano de saúde e por isso não tem direitos. – Verdade? – Não! – Mentira! Todos os dois sistemas são pagos pelos cidadãos que trabalham, embora na aparência a Medicina de luxo é paga individualmente por aqueles que têm os tais planos de saúde. Digo aparentemente pois as despesas com planos de saúde são dedutíveis no imposto de renda, logo quem paga é a nação brasileira. Já os atendidos pelos SUS sofrem descontos em folha para a previdência e uma parte vai para a assistência à saúde. Além dos impostos pagos no dia a dia acoplados aos preços das mercadorias.
Mesmo com as distorções visíveis seria possível que o SUS prestasse um atendimento em geral melhor à saúde se tal coisa fosse de interesse de fato das autoridades que nos governam. Infelizmente isso não acontece.
Para se ter idéia dos fatos há mais de vinte anos a tabela pela qual se remunera os diversos serviços prestados pelo sistema público e filantrópico não recebe aumento ou mesmo reajuste. Essa tabela que paga cirurgias, consultas e exames é a mesma deixada por Itamar Franco em seu curto período de governo. Uma consulta simples remunera o médico com R$ 2,04. Uma consulta especializada paga míseros R$ 7,00 e todos os demais procedimentos são pagos por uma escala baseada nesses valores anteriores. Infelizmente tem mais. Constitucionalmente os Estados e Municípios teriam que investir nas ações de saúde valores percentuais conforme seus orçamentos. No entanto isso não acontece. Os valores não aumentam também há vários anos. Independentemente dos diversos fatores sociais que exigem revisão dessas tabelas e orçamentos. Aqui no ES a prioridade é a infraestutura industrial, comercial e rodoviária. O que sobrar vai para a área social.
Obviamente por trás disso tudo está o simples fato: Pobre não tem planos de saúde. Rico não freqüenta hospital público.
Paro por aqui temporariamente. Prometo continuar tratando dele em uma próxima quinta feira.
Até a próxima.
*Iran Caetano é Médico e Secretário Político do Comitê Municipal de Vila Velha, ES.