Gervásio de Paula: A comunicação como sobrevivência social
Honoré de Balzac questionou a necessidade social da imprensa. Um erro do grande autor da ´Comédia Humana´?
Publicado 18/06/2007 13:09 | Editado 04/03/2020 16:37
O grande escritor Honoré de Balzac, numa de suas obras satíricas – “O Jornalista” – deu uma sutil alfinetada, na sociedade de sua época, ao afirmar que “se a imprensa não existisse, não seria preciso inventá-la”. Por mais que sejam audaciosas as suas refinadas e perspicazes observações, os gênios são passiveis de equívocos diante das realidades históricas. Até porque não deixam de ser humanos, com toda a sua bagagem de conhecimentos e acúmulo de experiências adquiridas com os azedumes da vida e com os erros cometidos no decorrer dos tempos.
Talvez, hoje, Balzac deixasse por menos alguns de seus amargores íntimos. E, meditando com mais tolerância sobre o progresso da humanidade, enxergasse que a modernização dos veículos de comunicação – a partir de seus geniais romances que compõem a “Comédia Humana” – pode exercer um papel preponderante no desenvolvimento econômico e social das sociedades contemporâneas. No entanto, é necessário democratizar os seus mecanismos.
Desde a mais tenra idade, o jovem precisa do rádio, do jornal e da televisão para conseguir elementos que facilitem a formação de um pensamento próprio, diante do labirinto de atos e de fatos que riscam todos os dias as páginas da sociedade em função da qual sobrevivemos, embora seja indispensável nessa trajetória a presença do professor, da professora ou de instituições, para orientar na leitura das irradiações das mais variadas idéias e pensamentos pelas mais distintas linhas de raciocínio. Criar um espírito crítico. Esteja essa juventude iniciada na carreira secundária escolar, esteja no patamar mais elevado do aprendizado superior.
Balzac, quando se dispôs a derramar a sua crueldade na sociedade em que viveu intensamente, talvez desejasse identificar alguns seres que, mesmo se beneficiando do sistema, se declarassem inimigos do progresso em escala social ampla, o que, infelizmente, ainda hoje existe no mundo chamado moderno. Porque nem o autor da “Comédia Humana” manteve-se mortal, nem esse tipo de gente é modificável facilmente.
Mas o fundamental é estarmos gradativamente elevando o nosso nível de consciência política, de maneira a enxergar que marchamos celeremente para um objetivo – com os saltos da sua ciência e da sua tecnologia -, embora não possamos alcançá-lo se não socializarmos essa parafernália técnico-mecânica saída do cérebro humano. Simultaneamente ao esforço para conseguirmos essa elevação cultural, há um labirinto de dificuldades e de equívocos, com o ser humano entrelaçando-se em problemas das mais distintas naturezas, sem saber, às vezes, como sair ileso e cônscio de seu papel social na sociedade que o abriga.
Célula máter
São tão imensos os problemas a serem resolvidos pelo homem na sua luta titânica e desigual pela sobrevivência – em qualquer que seja a atividade sócio-econômica e política -, que até o que nossos antepassados chamavam a célula mãe da sociedade, a família, parece ter chegado aos estertores da coexistência ética.
Testemunhamos, ainda hoje, com todos os avanços e tristezas, a desavença de pai contra filho; nações irmãs contra nações irmãs; filho contra pai; irmão contra irmão; como se a natureza estivesse querendo anunciar que a humanidade vai se dissolver, por si, caso não saibamos regular as suas desavenças ambicionais e egoístas. Pode até alguém achar isso uma brincadeira de mau gosto. Mas a história da humanidade comprova que outras civilizações, talvez até mais solidárias do que a nossa – como as incas, as astecas, as maias etc – desapareceram da face da Terra. Embora tenham ficado resquícios de experiências que também se vão diluindo diante dos avanços técnico-científicos apropriados por castas indiferentes e descompromissadas com qualquer bem-estar em nosso futuro.
Mas, enquanto essa utopia não se transforma em realidade, nos orgulhamos dolorosamente em saber procurar soluções para os problemas que afetam a todos nós. E um dos caminhos para se chegar a um bom início de uma verdadeira revolução social democrática é nos unirmos em torno de objetivos justos e isonômicos, em que todos possam ter melhores meios de sobrevivência e iguais manifestações de seus pensamentos.
Alguém já disse não haver na face da Terra, por exemplo, um País com mais leis do que o Brasil. No entanto, não são objetivamente cumpridas como deveriam ser. Talvez por isso o grande historiador cearense, de renome universal, Capistrano de Abreu, tenha dito que o brasileiro só precisa de uma Constituição, com um único artigo: “Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara. Revoguem-se as disposições em contrário”. Por essa razão, muitas dessas leis existentes precisam ser regulamentadas pela cidadania e colocadas mais facilmente ao alcance do cidadão comum para que ele possa, de forma mais direta, acioná-las de acordo com a necessidade social de cada coletivo.
Ainda bem que há muita gente dentro e fora do Congresso Nacional brasileiro que pensa em acelerar as reformas consideradas prioritárias, pelo menos por enquanto: a reforma econômica, a reforma política, a reforma administrativa, a reforma do Judiciário e até a reforma previdenciária.
Agora, todos nós devemos ficar conscientes de uma coisa, em particular aqueles que ouviram o galo cantar sem saber onde: sem a democratização do uso dos veículos de comunicação – conscientes de sua importância social e política – a serviço da grande maioria da população planetária, não chegaremos universalmente a lugar positivo nenhum. Sem a boa compreensão de como se deve usar a comunicação, nenhum ser conseguirá sobreviver socialmente. E Balzac passará a ter uma razão definitiva.
Gervásio de Paula é jornalista