Sem categoria

Preconceito à venda: HQ racista de Tintin fatura como nunca

Tintin no Congo – a segunda aventura do personagem criado por Hergé – surpreende e ofende pela visão dos africanos transmitida nessa história em quadrinhos. Dono de um peculiar topete, o saltitante repórter encontra aborígines caricaturescos, ing

Uma visão estereotipada e simplista, cheia do paternalismo próprio da época em que foi realizada a historieta, os anos 1930, e que foi base constante das acusações de racismo contra Hergé. Um erro que o autor resolveria a partir de O Lótus Azul, com um rigoroso e exaustivo trabalho de documentação anterior, que seria a marca definitiva dos álbuns do tarimbado repórter.


 


Antes, de fato, o próprio Hergé se sentiu muito pouco feliz com o resultado da encomenda que lhe fez o abade Norbert Wallez, diretor do Petit Vingtième. Como reconheceu a Numa Sadoul no livro Conversaciones con Hergé, publicado há 21 anos:


 



“Era 1930. Eu só sabia desse país o que as pessoas contavam na época: 'Os negros são crianças grandes… têm sorte de nós estarmos lá'. Desenhei os africanos segundo esses critérios de puro paternalismo. Estava imbuído dos preconceitos do ambiente burguês da época em que eu vivia”.


 


Visto assim – e só assim -, seria possível afirmar que Tintin no Congo não é uma visão racista da população negra africana, mas um testemunho sociológico dos preconceitos e estereótipos raciais que a sociedade da época tinha em geral sobre a África. O jovem autor de 23 anos só repetiu o que era comum em livros, quadrinhos e filmes que chegavam a suas mãos na época.


 


Tradição ocidental


 


Não há muita diferença entre essa visão e, por exemplo, a que se podia encontrar dos orientais nas primeiras tiras de Terry e os Piratas, a obra-prima de Milton Caniff, ou dos índios americanos nos primeiros westerns dos anos 30.


 


Quinze anos depois de sua publicação, Hergé redesenharia o álbum para sua edição em cores, eliminando as referências colonialistas que enchiam a primeira versão. Mas, é verdade, mantendo ainda muito da ingenuidade da colocação inicial.


 


A denúncia feita pela Comissão para Igualdade Racial do Reino Unido (CRE) em relação ao álbum poderia ser qualificada como mais um prolongamento dessa interminável novela, se não incluísse matizes preocupantes. Aproveitando o lançamento pela primeira vez no país da edição modificada em cores de 1946, a comissão recomendou que a nova edição do álbum fosse colocada nas seções de adultos das livrarias.


 


A sugestão já fora previsto pela Egmont – a editora que publica o livro, incluindo uma etiqueta que adverte que os quadrinhos contêm “estereótipos burgueses e paternalistas da época, interpretação que alguns leitores poderão achar ofensiva”. No entanto, o nível de declarações aumentou.


 


Nas últimas intervenções a CRE defendeu a proibição total da venda do livro, chegando a indagar aos diretores da rede de livrarias Borders como era possível que permitissem que o livro fosse posto à venda, instando sua reclusão em museus sob um cartaz de “disparate racista e fora de moda”.


 


Disputa rentável


 


Mas, exatamente, a única coisa correta em sua análise é que Tintin no Congo é um álbum fora de moda. Evidenciar o contexto histórico em que foi criado implica somente gerar carne fresca para a ultracorreção política, como se poderia fazer com milhares de obras clássicas de qualquer expressão cultural.


 


Afinal, o debate está aberto, mas só tem um vencedor: a editora Egmont, que viu as vendas da nova edição aumentarem 4.000% e o livro ficar entre os dez mais vendidos da livraria online Amazon.


 


Da Redação, com informações do El País