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Morre Ingmar Bergman, o diretor que jogou xadrez com a Morte

Por André Cintra
Se a vida é algo entre o jogo e a armadilha, ninguém a representou melhor, no cinema, do que o sueco Ingmar Bergman, na cena de abertura de O Sétimo Selo. É ali que o cavaleiro medieval interpretado por Max Von Sydow prorro

Há apenas 12 dias, o cineasta concedeu longa entrevista, ao vivo, para a Rádio Nacional da Suécia. Declarando-se “homem de teatro”, tratou o cinema de forma ambígua, como “um trauma e uma paixão”. É conclusão surpreende para quem dirigiu 54 filmes – da estréia em 1945, com o modesto longa-metragem Crise, até a aposentadoria inesperada, com Fanny e Alexander, de 1982.

 


De uma ponta à outra, mesmo rebaixando o cinema, deixou obras clássicas. A consagração começou justamente com O Sétimo Selo, lançado em 1956. Nessa vistosa e melancólica produção em preto-e-branco, Bergman personifica seus dilemas existenciais por meio de um personagem que põe em julgamento Deus, a vida e o mundo. O filme venceu o prêmio do júri no Festival de Cannes e projetou, pela primeira vez, o cinema sueco.


 


Apesar de ser um antípoda da alienação e do otimismo hollywoodianos, Bergman obteve reconhecimento também do cinema americano. Foi o primeiro cineasta a receber por duas vezes seguidas o Oscar de melhor filme estrangeiro – por A Fonte da Donzela (em 1959) e Através de Um Espelho (1960). Na despedida, voltaria a vencer: Fanny e Alexander faturou as estatuetas de filme estrangeiro, fotografia, direção de arte e figurinos.


 


Reações


 


Por quase 40 anos, pudemos contar com a genialidade de Bergman – um cineasta sempre original e reflexivo, autor daquilo que se chama (com alguma malícia) de filme-cabeça. Seu fim pegou de surpresa jornalistas e críticos, que registraram opiniões em seus blogs. “Mil imagens estão fervilhando na minha cabeça. Preciso parar para decantar um pouco a sensação”, escreveu Luiz Carlos Merten.


 


Para Daniel Piza, tratava-se do “mais intelectual dos cineastas”, “completo – no roteiro, na direção de atores, na atenção à cenografia e à fotografia, na conjugação de teatro e pintura com uma narrativa transparente”. Já Ricardo Calil sustenta que “Bergman nunca foi capaz de cometer uma banalidade”.


 


Na opinião de Calil, o cineasta “fez um ou outro filme mais leve, mas no geral foi um cineasta sério, seriíssimo, metido a desvender a Alma Humana e falar de Grandes Temas como a Solidão e o Desejo, a Morte e a Ausência de Deus. Mas foi também um dos poucos a se meter nesses assuntos e não passar ridículo”.


 


Luiz Zanin foi mais longe: “Haverá mesmo quem sustente que foi o maior de todos, usando a sua arte para o mais radical mergulho na alma humana, naquilo que ela tem de tenebroso e de sublime”. Bergman, segundo Zanin, “esculpia em luz e sombras as contradições humanas, em especial quando elas se defrontam com a experiência amorosa. Seus personagens são seres atormentados, em busca de algum sentido mais transcendente, ou da simples felicidade, vista por ele como impossibilidade radical em seu aspecto mais ingênuo”.


 



Jogo de xadrez em O Sétimo Selo: cena clássica