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Pesquisadora se opõe a mídia em defesa das lutas estudantis

Leia o sétimo e último artigo de Carolina Ruy, jornalista e pesquisadora do Museu da Pessoa, da série exclusiva ''História do movimento Estudantil'' publicada pelo Vermelho. No texto ''A retomada do movimento estudantil'', a reorganiza

A retomada do movimento estudantil


 


Por Carolina Ruy*


 


No fim da década de 1970 os protestos localizados ocorridos em diversos pontos do país criam as condições para a retomada do movimento estudantil, que vinha sofrendo baixas desde o golpe militar de 1964. Em 1977 ocorreram São Paulo as primeiras manifestações públicas de massa desde os anos 60 ''pelas liberdades democráticas''. Logo em seguida foi realizado o 3º Encontro Nacional de Estudantes (ENE), na PUC-SP, onde foi formada a chamada Comissão Pró-UNE, responsável por coordenar as lutas estudantis e encaminhar a reorganização da UNE. Em resposta à realização do Encontro, a PUC foi invadida e depredada por forças policiais, e vários estudantes foram feridos.


 


No 4º ENE, realizado na FAU-USP, foi convocado o Congresso de Reconstrução da UNE, que ocorreu em 1979 em Salvador, Bahia. ”No Congresso, como era costume o comparecimento do presidente que deixa o cargo, foi reservada uma cadeira vazia, e colocada uma grande bandeira com o rosto de Honestino Guimarães, um ato simbólico e uma homenagem ao ex-presidente assassinado”, conta Menegozzo.


 


Com a ditadura já mostrando sinais de desgaste, com o fim do AI-5 e a abolição (relativa) da censura, a UNE foi a primeira entidade nacional a ser reativada. A diretoria da UNE decidiu retomar a antiga sede na Praia do Flamengo, interditada pelo Corpo de Bombeiros, mas apesar da reação popular, o Tribunal Federal de Recursos manda demolir o prédio. A UNE, então, em 1983, instalou sua sede no bairro carioca do Catete, na Rua do Catete, 234. A entidade participou da Campanha das ''Diretas Já'' e apoiou a candidatura de Tancredo Neves à presidência da República.


 


No Congresso de Salvador inicia-se a rearticulação do movimento secundarista, continuada entre 1980 e 1981 com a realização de uma série de Encontros Nacionais de Estudantes Secundaristas (ENES), e que culmina na convocação do Congresso de Reconstrução da Ubes, realizado em 1981 em Curitiba. No mesmo período, em meados de 1980 e 1981, a UNE convoca importantes mobilizações massivas, como as greves nacionais de estudantes, que reivindicavam aumento das verbas para educação pública e redução das mensalidades nas instituições particulares. 


 


Fora Collor


 


Com o movimento estudantil reativado, ainda que defasado pelos estragos causados pela ditadura, a década de 80 foi marcada pelas campanhas por eleições diretas e pela Constituição. Os estudantes voltariam às ruas, roubando a cena social, no início da década de 1990, mobilizados pelas denúncias de corrupção no governo do presidente Fernando Collor. Estas mobilizações, apesar de terem sido puxadas pela UNE, contaram com grande volume de estudantes secundaristas. Nesta época o paraibano Lindberg Farias (mais tarde eleito deputado federal e atual prefeito do município fluminense de Nova Iguaçu), era o presidente da UNE, e tornou-se um ícone da campanha que ficou conhecida como “Fora Collor”.


 


Contudo, segundo a avaliação retrospectiva do ex-presidente da UNE, Felipe Maia (2001/2003), o evento que desencadeou o “Fora Collor” foi a passeata realizada em 11 de agosto de 1992 (dia do estudante) em São Paulo.


 


“A Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), que estava dividida (tinha duas diretorias desde 1984), se unificou no mês anterior, poucos dias antes da passeata. Esse foi um fato fundamental para o sucesso do ato e da própria campanha”, avalia.


 


A irreverência dos estudantes “caras pintadas” (conhecidos por pintarem o rosto com cores da bandeira e palavras de ordem) marcaram os protestos contra o presidente Fernando Collor, que se estenderam até outubro de 1992, quando o Congresso aprovou o impeachment do presidente, que foi substituído pelo vice, Itamar Franco. Itamar, em sua gestão, deu uma importante contribuição à UNE, assinando a autorização para retomada do terreno da Praia do Flamengo, onde funcionara a antiga sede.


 


Neoliberalismo


 


Os oito anos da gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso representaram um período de desavenças entre a UNE e o governo federal. Um exemplo deste braço de ferro foi a cassação, através de Medida Provisória, da validade da carteira de filiado à UNE como instrumento de identificação e para permitir garantia dos direitos dos estudantes. A apresentação da carteirinha da UNE era obrigatória para o pagamento de meia-entrada em eventos culturais. A MP, de iniciativa do então ministro da Educação, Paulo Renato foi, para Felipe Maia (estudante de economia da Unicamp, presidente da UNE na época da cassação), uma tentativa de desarticular e desmoralizar o movimento estudantil.


 


No final da década de 90, a UNE voltou a ter uma ação cultural direta, como ocorrera no início da década de 60 – em 1999 ocorreu, em Salvador, Bahia, a 1a. Bienal de Arte e Cultura da UNE, refletindo uma atualização do movimento estudantil; a 5a  Bienal da UNE, no Rio de Janeiro, realizada em fevereiro de 2007, foi fechada com a tomada, pelos estudantes do terreno na praia do Flamengo, onde funcionava a antiga sede da UNE – e onde ela será reconstruída, com um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer.


 


Segundo Arthur Poerner, os Cucas e a Caravana de Cultura da UNE, realizada em 2004 (Caravana Universitária de Cultura e Arte – Paschoal Carlos Magno) representam uma retomada, mas em outras bases, adaptando-se às mudanças dos tempos.


 


Mudanças


 


A UNE acompanhou as transformações ocorridas no perfil dos estudantes universitários, com profunda alteração em relação ao que existia até a década de 1970, quando a maioria era formada por estudantes de faculdades públicas.


 


O número de faculdades privadas cresceu muito, acelerando-se na década de 1990, quando 70% dos alunos estavam matriculados em instituições privadas. Além disso, segundo o censo do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, no ano de 2004 apenas 10,4% dos brasileiros com idade entre 18 e 24 anos estavam matriculados no ensino superior. Havia ainda um grande número de estudantes mais velhos nas faculdades, que deixavam para fazer o curso anos depois de terem concluído o ensino médio.


 


Este perfil era bastante diferente do perfil dos estudantes do fim dos anos 60, descrito pelo jornalista Franklin Martins (Memória do Movimento Estudantil, Rio de Janeiro, Editora Museu da República, 2005).


 


“O grosso do movimento estudantil vinha da classe média, filhos de funcionários públicos, intelectuais, pequenos proprietários, profissionais liberais, professores de universidades etc e, de certa forma, respondia aos humores e oscilações da classe média. Naquela época, 90% a 95% dos alunos eram de universidades públicas, 5% a 10% eram de universidades particulares, e estas eram basicamente as PUCs e uma ou outra mais – em São Paulo, o Mackenzie; no Rio, a Cândido Mendes”.


 


História continua


 


Em 2003 a UNE conseguiu juntar cerca de 15 mil delegados,no  48º encontro, em Brasília,  que elegeram para a presidência o estudante paulista de jornalismo, Gustavo Petta.


 


Junto com organizações como CUT, MST, UBES, ABI (Associação Brasileira de Imprensa), a UNE passou a integrar o CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais). A gestão de Gustavo Petta foi marcada pela retomada de projetos históricos da UNE, como o debate sobre a Reforma Universitária, a Caravana UNE pelo Brasil, uma espécie de reedição da UNE-Volante, e criação de centros culturais, que já estavam em questão, nos Congressos da UNE, desde fins dos anos 90.


 


Na opinião de Felipe Maia os estudantes são atores de um processo político mais geral e, em determinados momentos eles canalizam um processo que já está em gestação na sociedade. Desde a redemocratização até os dias atuais, com o surgimento do chamado “terceiro setor”, houve uma grande mudança na representação da sociedade com um todo. “É um momento histórico diferente, a luta política tornou-se mais ampla e complexa”, analisa Felipe, e complementa: “mesmo com esse ganho, é preciso unificar esta luta, e a UNE é uma das entidades que torna possível esta união”.


 


*Carolina Ruy é jornalista e pesquisadora do Museu da Pessoa.


 


Leia também:


 


1º Artigo: História do movimento estudantil (ME) do abolicionismo ao Estado Novo


 


2º Artigo: História do ME anos 30 e 40  


 


3º Artigo: Anos 50/60:gestão Aldo Arantes, um marco na história da UNE


 


4º Artigo: UNE: 70 anos fazendo história na cultura popular brasileira


 


5º Artigo: 70 anos da UNE: clandestinidade sob o tacão militar 


 


6º Artigo: História do movimento estudantil: a Fênix UNE