Inferno em Minas
Os dias vão se passando e a tragédia de Ponte Nova vai sumindo dos jornais.
Vinte e cinco presidiários negros e pobres queimados vivos em uma delegacia
parece não ser um fato que mereça a devida atenção para que seja analisado e
devidamente es
Publicado 29/08/2007 12:38 | Editado 04/03/2020 16:52
A noite do dia 23 de agosto ficará para a história como a maior chacina
carcerária mineira e a terceira do país. As explicações iniciais apresentadas pelas autoridades não respondem as mínimas interrogações. Como uma gangue rival portando apenas uma arma de baixo calibre pôde prender em uma cela 25 homens e atear fogo com gasolina sem que nada fosse feito.
As denúncias apresentadas por familiares de mortos fortalecem os indícios de participação de policiais. Segundo informações prestadas à deputados da CPI Carcerária, alguns dos detentos foram transferidos propositadamente semanas antes do massacre para a cela onde foram atacados, por ordem da direção da unidade prisional. O objetivo da manobra seria facilitar o confronto entre os grupos rivais de presos.
As suspeitas de envolvimento de agentes públicos na chacina não param por aí. Existem denúncias também de que um detetive, que mora na unidade prisional, tinha ligações estreitas com Wanderson Luiz Januário, o Biju, líder da facção que ateou fogo na cela 8. Para completar, o principal alvo do massacre, Cleverton Alexandre da Cruz, o Clevinho, jurado de morte pelo grupo de Biju, estava na cela 3, onde ficam os presos ameaçados, até que por ordem da direção foi transferido para a cela onde foi queimado.
O massacre de Ponte Nova se caracteriza por mais “Crônica de uma morte
anunciada”. Em maio, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, na última das três visitas à cadeia, identificou várias irregularidades, como superlotação, tortura em presidiárias grávidas, ameaças de morte. Desde aquele momento, vislumbraram os perigos da guerra entre gangues dentro e fora da cadeia. A comissão foi convocada para a cidade justamente porque dois presos haviam sido encontrados mortos e enquanto a direção da Delegacia alegava suicídio, os familiares denunciavam
assassinatos.
Outros órgãos apresentavam suas preocupações em relação à Delegacia. O Tribunal de Justiça do Estado vinha alertando o governo Aécio Neves (PSDB) para problemas na cadeia desde o início deste ano. Em ofício encaminhado à Secretaria da Defesa Social em março, apontou a situação carcerária como ''insustentável''. Diante das cobranças, a Secretaria já havia tomado a decisão de assumir a responsabilidade pela Unidade Carcerária, até então nas mãos da Polícia Civil. Infelizmente, em função do famoso controle de gastos feito pela política tucana, adiou a transferência, realizada agora as pressas depois do massacre.
Esta tragédia anunciada não se restringe aquela Delegacia. Vários presídios mineiros estão na mesma situação. Em abril deste ano, o deputado estadual do PCdoB, Carlin Moura, acompanhado do colega Durval Ângelo (PT), fizeram uma visita ao 2º Distrito Policial de Contagem, acompanhados de defensores públicos, para avaliar a situação dos detentos. Projetadas para receber 40 presos, as três celas abrigam hoje 106 detentos. Nas carceragens, presos já condenados se misturam a outros ainda aguardando julgamento. A Comissão constatou que três deles estão com tuberculose; outros quatro informaram ser portadores do vírus da Aids. ''O inferno de Dante oferece uma visão mais agradável'', afirmou na época o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, Durval Ângelo.
“Abandonam toda a esperança aqueles que entram neste lugar”, sentenciava o letreiro da porta do Inferno, na A Divina Comédia, livro de Dante Aliguieri, lembrado pelo parlamentar. Certamente, até com o mais extremado pessimismo, ninguém imaginava que o destino de 25 brasileiros que deveriam estar se regenerando na Delegacia de Ponte Nova, um deles havia roubado apenas uma bola, seria o mais cruel dos castigos até hoje imaginado, queimar em chamas num cenário que não existe outro paralelo, a não ser o Inferno.
Para as famílias dos assassinados, nada resta a não ser a velha luta por justiça. Neste caso, é dever das autoridades e da sociedade mineira, exigir que os policiais envolvidos sejam punidos. Além disso, é dever do estado de Minas Gerais alterar urgentemente a situação das unidades carcerárias, para evitar que mais infernos se alastrem por outras localidades.