Sem categoria

Criação de central dá múltiplas expectativas aos classistas

Por André Cintra
Aprovada por unanimidade no 7º Encontro Nacional da CSC, a construção de uma central classista e democrática vai muito além de suas perspectivas aparentes. É o que apontam sindicalistas entrevistados pelo Vermelho dura

Em primeiro lugar, os consensos. Com central a ser criada em dezembro, é possível – e necessário – dinamizar o movimento sindical e buscar unidade nas principais lutas dos trabalhadores. Também deve haver vigília permanente para que a central não incorra nos vícios e desvios que esgotaram o potencial da CUT – erros como o hegemonismo de sua tendência majoritária e o adesismo acrítico ao governo Lula.


 


Mas é “nas entrelinhas” dessa iniciativa que surgem desafios mais específicos – e se projetam as expectativas de diferentes regiões, categorias e cenários. O professor Adenilton Lima da Silva, o “Pinto”, Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas (Sinteam), é um dos classistas que traz as demandas na ponta da língua.


 


Segundo ele, ainda não existiu central sindical que olhou para o Brasil de ponta a ponta. Em geral, a atuação no Sudeste ganha tal prioridade que prejudica as demais regiões do país e suas causas urgentes. “Espero que a central classista não se regionalize e reconheça as lutas do Amazonas, do meio ambiente, das populações ribeirinhas.”


 


Adenilton assegura que, até mesmo entre os sindicalistas do Norte, é difícil promover reuniões e atividades conjuntas. “De Manaus a Porto Velho (capitais de dois estados vizinhos – Amazonas e Rondônia), a viagem por via terrestre dura dias”. Maior unidade federativa do Brasil, o Amazonas tem o tamanho da região Nordeste e 62 municípios. A falta de estradas e a precariedade financeira limitam a atuação das entidades.


 


Também houve dificuldades para Adenilton ir de avião de Manaus a Salvador. “Eu embarcaria às 23 horas de quinta-feira (27), mas o mau tempo adiou o vôo para as sete horas de sexta.” A viagem foi longa, e o credenciamento ao encontro da CSC atrasou. Mas Adenilton não se abalou. “Com tudo isso, chegamos mais aguerridos ainda. Somos mais 40 sindicatos lá no Amazonas. Precisamos dessa central.”


 


De carona


 


Igualmente longa e exaustiva foi a viagem da delegação do Rio Grande do Norte, que enfrentou 20 horas de estrada de Natal à capital baiana. Mas esse deslocamento vai ficar marcado por um gesto de solidariedade. Ao passar por João Pessoa, o ônibus acolheu 14 sindicalistas paraibanos, que não tiveram tempo de viabilizar transporte próprio e corriam o risco de perder o encontro.


 


“É um exemplo do espírito que deve reger a nova central”, diz Mirabol de Medeiros Nóbrega, que pegou a carona e foi ao plenário como delegado do Sindicato dos Comerciários de Campo Grande. Mirabol é um dos entusiasmados com os rumos da CSC. A seu ver, sair da CUT para construir uma central democrática e classista “não é um salto no vácuo, não é um salto em vão”.


 


O líder comerciário, na realidade, defende essa idéia há mais de 15 anos. Já estava na luta sindical quando, em 1991, a CSC resolveu se filiar à CUT. “Eu respeitei a decisão, claro, mas acho já podíamos ter criado, ali mesmo, a nossa central.” A CUT, diz Mirabol, não é capaz de “dar segurança de que os trabalhadores precisam para atuar.”


 


A tecelã Francisca Elpídio de Araújo chegou a Salvador no mesmo ônibus. Se o semblante é de uma pessoa tranqüila, maternal, o discurso revela os impasses que passam sua categoria em particular e o sindicalismo em geral. Em 1989, o Rio Grande do Norte empregava 10 mil trabalhadores na área têxtil e, hoje, tem aí somente 6 mil postos de trabalho. Além de dar os números, Francisca situa a Era Collor como marco inaugural da crise e aponta que a categoria sofreu os impactos das novas tecnologias.


 


Mas uma parte da conta, segundo ela, deve debitada da CUT, que “tinha um perfil mais dirigido aos servidores públicos e praticamente abandonou os trabalhadores do núcleo privado.” A tecelã acredita que uma central classista pode superar essa falta – se não repetir os erros da CUT. Num “olhar de conjunto”, Francisca analisa o encontro como o “primeiro passo” para o movimento sindical pôr em prática, nos dias de hoje, “a união dos trabalhadores e um projeto claro de desenvolvimento”.


 


O “carro-chefe”


 


Essa é também a opinião de Silvany Braga de Jesus, diretor estadual da Federação dos Trabalhadores da Construção Civil da Bahia (Fetracon-BA). A central classista, diz ele, há de se destacar “pela maior defesa dos interesses dos trabalhadores e no desenvolvimento de políticas públicas e sociais”.


 


Silvany invoca mais questões, como a necessidade de inclusão de mulheres e negros. Visivelmente entusiasmado com as deliberações do encontro, o sindicalista e militante negro acredita que a central será “uma referência – um motor – na construção de uma sociedade justa e igualitária, com amplitude de gêneros e raças”.


 



Silvany: exemplo da força do sindicalismo baiano na construção da central


 


A Bahia de Silvany – mais do que sede ou detentora da maior delegação – sai como vedete do Encontro Nacional da Corrente Sindical Classista. “O sindicalismo da Bahia é o carro-chefe da CSC”, reconheceu o coordenador nacional da corrente, João Batista Lemos. “Este encontro não podia ser realizado em outro lugar.”


 


No estado, o movimento sindical sobressai tanto na zona urbana como no campo. Tome-se o exemplo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia (Fetag-BA), que representa 416 sindicatos. Cinqüenta deles enviaram representantes ao histórico encontro da CSC.


 


Um deles é Milton Sales dos Santos, posseiro no Recôncavo Baiano e representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Felix. Em seu canto de terra, ele planta mandioca, inhame aipim, batata doce, milho, feijão, entre outros produtos.


 


A criação da central classista é apoiada por Milton – e não sem razão. Como representante dos trabalhadores rurais, o sindicalista acusa a CUT de ser demasiadamente “voltada para a zona urbana” e não dar “respaldo ao trabalho criativo da base”.


 


“Uma central precisa, no mínimo, compreender as muitas dificuldades de quem trabalha na agricultura”, alerta. Afora as desigualdades históricas e a concorrência massacrante do latifúndio, Milton lembra impasses conjunturais que merecem estudos e respostas da central classista. “Às vezes, na época do plantio, estamos sem semente. Ou então, quando temos sementes, falta financiamento. Temos muitos problemas, muitas dificuldades.”


 


Num meio de muitos desafios como o movimento sindical, a CSC tem se superado na luta pela construção de uma central alternativa, de lutas, com princípios classistas e democráticos. Exemplarmente unidas até aqui, as bases anseiam por uma central que não só rearticule o sindicalismo – mas que também as ouça e faça valer suas justas reivindicações.