Abertura da Bienal de Dança traz Isabel Torres ao TJA

Quando a cortina fecha, vão-se embora as sapatilhas, o figurino, a maquiagem. Ficam o corpo desgastado, os pés calejados e, não raro, uma sensação de vazio. Atrás da coxias, a magia em torno da bailarina se desfaz. O espetáculo Isabel Torres inverte a ord

Antes de ser espetáculo, Isabel Torres é bailarina. Aos 46 anos, com dois filhos, ela integra o corpo de baile do tradicional Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro há 25 anos. Isso significa que, nas montagens de peças clássicas do século XIX, ela está sempre lá no fundo do palco, misturada com o resto das pessoas, com a missão de emoldurar os solos dos primeiros-bailarinos. Após anos sem ascender nessa hierarquia, começam a surgir o cansaço e o enfrentamento das próprias limitações.


 


 


Foi esse material que o coreógrafo francês Jérôme Bel extraiu de Isabel. Um dos maiores expoentes da dança contemporânea, Bel criou o espetáculo, em 2004, no Ballet da Ópera de Paris. Por lá, a obra ficou conhecida como Veronique Doisneau. Nela, o francês trabalha elementos que o tornaram conhecido mundialmente: aposta mais na apresentação de um processo do que de um resultado virtuoso, além de estar permanentemente na fronteira entre a dança e o teatro.


 


 


Em 2005, o coreógrafo foi convocado a remontar a peça com uma bailarina brasileira para o Festival Panorama de Dança, no Rio de Janeiro. Após assistir às aulas do Theatro Municipal e fazer algumas entrevistas, ele chegou a Isabel, o perfil exato do que procurava: uma bailarina mais velha, já próxima da aposentadoria, capaz ainda de desenrolar passos e disposta a se doar ao público. Em cena, ela viraria o palco ao avesso e, ao invés de apresentar passos bem executados, contaria todos os seus dramas e suas inquietações, fazendo o público conhecer um pouco a realidade de uma bailarina.


 


 


No entanto, o processo de desnudamento provou-se mais complicado do que parecia. Afinal, deparar-se com as próprias fragilidades não é tarefa fácil. No espetáculo, a bailarina expõe tudo isso numa conversa com o público e, como num documentário, conta a sua própria trajetória entre uma e outra seqüência de dança. ''Para mim o processo foi horrível, péssimo! Fiquei fascinada pela proposta, mas pensava que não era capaz de fazer. Dizia 'Sou muito tímida, sou corpo de baile, não fiz sucesso, não tenho nada pra te dar´. E o Jérôme respondia ´É exatamente isso o que eu quero. Quero que você fale sobre seus sentimentos, suas emoções em relação a essa profissão, a sua vida e o espaço que você ocupa nesse universo´'', lembra.


 


 


Pelas mãos do coreógrafo, Isabel compreendeu a proposta. Ali ela não seria ''bailarina''. Seria, apenas, Isabel Torres. Como qualquer um de nós. ''Só sei dizer que, a partir daí, tudo mudou pra mim. Tudo ali é muito essência, muito simples. Foi isso que fez com que eu me deparasse com aquilo que me incomodava em mim mesma e que me fez mudar minha postura diante de meus medos, da minha timidez. Descobri que foi justamente por conta dela que não me tornei solista'', pontua.


 


 


Depois disso, já não importava o que poderia acontecer após a estréia. Ela sabia que, com seu depoimento, mexeria no vespeiro do tradicional Theatro Municipal. ''O Theatro é feito de glamour. Algumas pessoas achavam que aquela era uma atitude de desrespeito, mas aquelas que mais me interessam e que considero mais brilhantes se emocionaram e acharam que aquela foi uma atitude de puro amor. Amo fazer esse espetáculo, mas acho que ele já cumpriu o que tinha de cumprir pra mim. Cada vez que faço, acho que vai ser a última. Daqui a pouco completo 50 anos fazendo (risos). Faço porque as pessoas querem ver e porque o amo muito''.


 


 


Ao se sintonizar com as emoções do público, Isabel Torres o prepara para receber a atração que vem logo em seguida. Essa é a primeira vez que o coreógrafo francês Angelin Preljocaj traz a sua companhia a Fortaleza, em apresentação única no Brasil. Chega por aqui referenciado por grupos renomados, como o Ballet da Ópera de Paris, o New York City Ballet, o Ballet da Ópera de Lyon e o brasileiro Balé da Cidade de São Paulo, que guardam peças dele em seus repertórios.


 


 


Centaures (1998) é um duo masculino que explora o universo animalesco do ser humano. Os instintos afloram e passam pela luta em busca da dominação um do outro. Já Annonciation (1995) provocou rebuliço por onde passou. O duo coloca em cena um dos episódios mais retratados pelas artes plásticas. A anunciação do anjo Gabriel à virgem Maria vira o pretexto para Preljocaj falar sobre transformação. No entanto, a forte sensualidade da obra e o fato de o anjo ser interpretado também por uma mulher atiçou as críticas dos cristãos. Se vem a polêmica, vem também a qualidade do trabalho do coreógrafo, que sai elogiadíssimo dos lugares por onde passa.


 


 



 


Fonte: O Povo