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Bolívia: direita autonomista recusa Constituição da autonomia

Os governadores dos departamentos bolivianos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, que conformam o mais influente bloco político oposto ao governo de Evo Morales, cresceram e afiançaram seu poder em torno de um objetivo central: consolidar as autonomias de

O movimento cívico empresarial da chamada Meia Lua – ao qual se somaram tardiamente setores políticos conservadores de Cochabamba e Chuquisaca – seguiu um itinerário político errático. Até hoje não se conhece com clareza quais objetivos persegue. A esquerda e até a centro-direita bolivianas concordam que a rançosa burguesia latifundiária e industrial do Oriente tenta recuperar pelo menos uma parte do poder político perdido e assegurar o controle dos recursos em suas áreas de influência.



Adolescentes rebeldes sem causa



A direita da Meia Lua propõe ao país um regime democrático muito pouco definido e explicado. Não tem programa nem estatutos. Não fez um balanço do modelo liberal vigente nos últimos 20 anos. Para muitos observadores, a proposta dos “cívicos” é pouco séria. Para muitos, a proposta se esfuma em uma luta generalista por “democracia e liberdade” e nunca se ficou conhecendo oficialmente qual a sua posição unitária sobre os diferentes temas debatidos na Constituição. Isso acontece porque provavelmente a ultra nunca desejou defender de frente para o público um modelo de desenvolvimento derrotado, nas urnas, nas ruas e na própria realidade.



Desde que Evo Morales assumiu a presidência, os cívico-empresários acomodaram seu discurso à conjuntura. Começara com a reivindicação da autonomia departamental; depois brigaram pelos dois terços  (de maioria para aprovar a nova Constituição); a seguir se opuseram ao Estado Plurinacional; e mais tarde fizeram barulho em apoio à transferência da sede do Executivo, de La Paz para Sucre. Desde então, a direita agro-industrial-latifundiária recorre à provocação: organiza e mobiliza grupos de choque, provoca conflitos regionais e fomenta a divisão territorial do país, incitando a violência com tintas racistas.



A última onda do movimento cívico autonomista foi a rejeição frontal do texto constitucional, que lhes reconhece formalmente nada menos que o direito à autonomia. Se Evo Morales é o pai da família boliviana, os filhos são os filhos adolescentes rebeldes sem causa, volúveis e egoístas, que não sabem o que querem.



A autonomia na Constituição



O artigo 270 da Constituição aprovada no último fim de semana estabelece que a Bolívia é um Estado autônomo regional, departamental, municipal e indígena originário camponês – cumprindo assim o mandato do referendo autonômico de 2006.
O artigo 287 reconhece que o governo de cada departamento autônomo é formado por um órgão executivo e um conselho departamental com faculdade deliberativa, fiscalizadora, legislativa exclusiva para estabelecer normas departamentais, no âmbito das competências designadas pela Constituição e pela Lei Marco de Autonomias e Descentralização.



Se é assim, por que os impulsionadores da autonomia departamental, o governador de Santa Cruz, Rubens Costas (que agora se faz chamar “comandante de Santa Cruz) e o presidente do Comitê Cívico, Branko Markinkovic, pedem para as pessoas “não obedecer à Constituição”, convocam à resistência civil e à “luta pela autonomia de forma militante em cada rincão, em cada bairro, em cada povoado”?



O chefe nacional do Podemos (Poder Econômico e Social), Jorge Tuto Quiroga, outro porta-estandarte da autonomia, adiantou que a organização cidadã que dirige não avalizará nem viabilizará a Constituição “ilegal e irregular” do MAS (Movimento Ao Socialismo). “Não existe nova Constituição, ela é nula, está viciada e nenhum boliviano que creia na democracia e liberdade pode aprová-la”, disse.



Os prefeitos da chamada Meia Lua ampliada ( (Ernesto Suárez de Beni, Leopoldo Fernández de Pando, Mario Cossío de Tarija, Costas de Santa Cruz e Manfred Reyes Villa de Cochabamba) anunciaram que, a partir do próximo sábado (dia 15), aplicarão autonomias departamentais de fato, desconhecendo a Carta Magna, o que viola a democracia e a Constituição.



Cossío, que era presidente da Câmara dos Deputados no regime do derrubado presidente  Gonzalo Sánchez de Lozada, e Fernández, velho político do extinto partido conservador PAN, advertem que, nas regiões onde o “Sim” ganhou o referendo de 2 de julho de 2006, aplicarão as autonomias “por mandato constitucional”. “Se a Assembléia (Constituinte) não reconhece a autonomia departamental, nós, dos departamentos do sim à autonomia, vamos exercer essa autonomia de direito, direito que surge das urnas”, afirma o tarijenho.



Marinkovic é mais radical. Rechaça sem mais a Constituição do Mas, “do racismo, do ódio, da revanche, que não quer o progresso da Bolívia”. A Constituição “não nos preocupa. (…) Creio que nós temos que nos dedicar ao estatuto autonômico, creio que vai ser um estatuto que busque de verdade a integração, o progresso, o bem-estar das pessoas. (…) Temos uma rota traçada, não sairemos dela e Santa Cruz vai ser autônoma.”



Costas informou que Santa Cruz se encontra em plena etapa de socialização de seus estatutos autonômicos, trabalho que irá até 14 de dezembro. Dia 15 apresentariam esse documento ao povo. Segundo Cossío, “se até 14 de dezembro a Assembléia Constituinte não entrega a nossos departamentos essa autonomia departamental, nós a exerceremos de pleno direito”.



Críticas vêm da própria oposição



Os líderes do movimento cívico-empresarial, autonomeados defensores da democracia e legalidade, querem exercer a autonomia de fato saltando os passos legais previamente pactuados. Alguns parlamentares conservadores do Podemos advertem: os cívicos cometem um erro que pode lhes custar muito caro.



A aprovação do estatuto autonômico “não me parece legal, mas acho, sim, que diante de ações ilegais, irregulares e abusivas (do governo), conforme a lei da natureza, acontecem sempre reações desmedidas, ilegais e irregulares. No entanto, claro que não posso estar de acordo com nada que esteja à margem da lei e da norma”, comenta o deputado do Podemos Fernando Messmer.



O senador Carlos Bohrt, também do Podemos, é mais explícito. Para ele, é inegável que se cometeu irregularidades e ilegalidades na última sessão que aprovou o novo texto, mas ele é o texto que saiu da Assembléia Constituinte e é com ele que temos de trabalhar. Temos a opção de votar pelo 'Não' nos referendos dirimitório e constitucional, este é o caminho da democracia; por onde quer que se veja, não existe outra saída. “Assim como devemos ser democratas em um cenário, devemos sê-lo no outro. Não pode existir autonomia sem que se reforme previamente a Constituição e sem que o estatuto autonômico de qualquer departamento seja aprovado em referendo departamental”, enfatiza Bohrt.



“Isso não faz sentido”



Seria paradoxal que os grupos de dirigentes de departamentos que recusam a Carta saída de Oruro, em cujo texto aparece a autonomia departamental, pretendam ao mesmo tempo buscar a autonomia à margem da única Constituição que lhes permite aplicá-la. “Isso não faz sentido, é um paradoxo que terminará desvalorizando e inutilizando as ações e discursos de quem hoje pretende estar empurrando o carro da autonomia sem reforma constitucional.”



O único respaldo dos cruzenhos para aplicar as autonomias é o referendo autonômico de 2006. Mas “essa autonomia está amarrada à Assembléia Constituinte. Não se pode fazer autonomia impugnando a nova Constituição. Esta é uma contradição, que os liquidará. Ou se aquietam, sentam, pensam com calma e realinham suas posições, ou podem sair perdendo”, adverte Bohrt.



O estatuto autonômico ainda deve seguir outros passos para chegar ao Congresso Nacional e ser aprovado enquanto Lei da República. O líder da bancada do MAS, Gustavo Torrico, recordou aos governadores oposicionistas que, para aprovar o estatuto autonômico é preciso esperar a aprovação da Carta Magna e em seguida desenhar o texto, definindo competências autonômicas para que sejam avalizadas enquanto lei. “Basta de bravatas e de intimidar a população. A esta altura, começar a ameaçar e dizer que o que a Constituinte fez é ilegal é apenas uma justificativa para procurar conflito”, criticou Torrico.



* Fonte: http://www.bolpress.com; intertítulos do Vermelho