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Mundo dos esportes desperta para o problema do doping

Pode ser que no momento em que a batalha contra o doping se tornou a questão mais importante nos esportes, acima de tudo no ciclismo, um ex-infrator seja o homem a servir de exemplo.



Por Geoffrey Wheatcroft, da Prospect Magazine

Pelo menos, este parece ser o raciocínio por trás da escolha de David Millar, um ciclista de estrada escocês, como líder da Slipstream-Chipotle, a nova equipe de ciclismo, em seu retorno após uma suspensão de dois anos por doping. Um dos melhores ciclistas britânicos de sua geração, Millar foi campeão mundial de contra relógio e venceu o prólogo da Volta da França de 2000 dois segundos à frente de Lance Armstrong. E então, como um moralista vitoriano poderia dizer, ele caiu.



Nos últimos anos, um esporte atrás do outro tem sido devastado pelas drogas, um fato reconhecido com diversos graus de honestidade. O beisebol fechou seus olhos e ouvidos às evidências de aumento do uso de esteróides, até que o escândalo envolvendo Barry Bonds se tornou uma história nacional de primeira página. O atletismo deu de ombros diante de Ben Johnson, mas não pôde diante de Marion Jones, não depois que ela finalmente reconheceu e devolveu suas medalhas de ouro olímpicas.



De fato, a confissão está na moda, com Bjarne Riis reconhecendo neste ano que estava dopado quando venceu de forma inexplicável a Volta da França de 1996, dizendo tristemente que podiam vir e pegar de volta a camisa amarela. A antes grande corrida praticamente perdeu quase toda sua credibilidade após uma torrente de escândalos. A Volta de 2007 viu tanto o favorito antes da corrida quanto o ciclista que liderava com a camisa amarela serem eliminados. Mesmo o homem que sobrou -Alberto Contador, o imprevisto vencedor- está envolto em suspeita.



Diante de tal cultura, é fácil entender, apesar de não tolerar, o que aconteceu com Millar. Ele correu limpo até a temporada de 2000, ele disse, mas a pressão sobre ele se intensificou. Ele estava cercado por outros ciclistas usado de forma ilícita mas flagrante a EPO (eritropoietina), o hormônio sintético que aumenta a concentração de glóbulos vermelhos do sangue, mas que também tem a tendência de matar ao danificar a circulação. O código de silêncio do ciclismo significava que você supostamente não deveria notar quando companheiros de equipe recebiam gelo não para se refrescarem, mas para manterem seus frascos de EPO resfriados.



Na noite em que Millar abandonou a Volta da França de 2001 após uma desgastante etapa de montanha, seu chefe de equipe lhe ordenou que fosse para a Itália para se “preparar adequadamente”. Nenhum piscar foi necessário para explicar o que aquilo significava: arrume alguém para fornecer EPO e mostrar como usá-la. E quando a polícia realizou uma batida em seu apartamento em Biarritz, em 2004, ela encontrou duas seringas na estante. Ele disse que já tinha parado de se dopar àquela altura, mas mantinha as seringas como um lembrete, ou mesmo um desejo inconsciente de ser punido por sua queda.



Ele agora voltou a treinar com o Slipstream, que, segundo Millar e o diretor esportivo, Jonathan Vaughters, existe primeiro e acima de tudo como uma equipe rigorosamente isenta de doping e uma boa ação em um mundo sujo. “Para mim, existe muita honestidade em David, e o esporte precisa desesperadamente disso”, disse Vaughters.



Eu estou preparado para aceitar a sinceridade de Millar. Mas a batalha está longe de vencida. Às vezes ela parece mal ter começado. Agora que Christine Ohuruogu do Reino Unido foi liberada para disputar os Jogos Olímpicos e manteve seu título mundial dos 400 metros, não seria bom se ela desse uma explicação realmente sincera para ter faltado a três exames antidoping? Melhor ainda, ela seria a pessoa ideal pra insistir que, no futuro, qualquer um que deixar de se submeter a três – ou até mesmo dois – exames deveria ser eliminado definitivamente do esporte.