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Dirigente comunista traça panorama da luta social mexicana

Pavel Blanco Cabrera, secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do México, esboça na entrevista abaixo, publicada no Diário.info, um amplo panorama das lutas sociais e políticas que se travam hoje naquele país. Ele também defende

Os governos do PRI (Partido Revolucionário Institucional) desenvolveram nas últimas décadas políticas neoliberais. Com a subida ao poder do PAN (Partido de Ação Nacional), com Fox e Calderon, a direita instalou-se sem máscara no poder. Qual o significado desta mudança para o México?
Os governos neoliberais que se instalaram em 1982 e que utilizavam os registros do PRI, realizavam políticas de direita. No entanto há uma mudança. Anteriormente no governo estavam os gerentes das empresas e hoje são diretamente os donos das empresas, ou seja a burguesia sem intermediários, executando o seu plano de privatizar e liquidar a soberania nacional. Esta mudança manifesta-se em determinados aspectos da vida política do país, sobretudo na política externa. De qualquer dos modos, antes de 1982, o México era um país que respeitava os princípios históricos da independência, da soberania, da revolução mexicana e da luta insurrecional de 1810, como por exemplo a autodeterminação dos povos, mantinha uma política independente de relação com os países do terceiro mundo, lutava claramente no cenário internacional para que algumas forças políticas insurrecionais obtivessem o estatuto de beligerantes, como por exemplo o Frente Farabundo Marti de El Salvador, a Frente Sandinista da Nicarágua ou a guerrilha da Guatemala. Hoje tudo isso acabou. Mas não vemos uma descontinuidade: na dialética do processo, a burguesia que desempenhou um papel progressista durante a revolução maderista de 1910, tornou-se uma classe reacionária. Ao adotar um discurso neoliberal e ao liquidar a sua base de sustentação, as empresas estatais – no México mais de 70% da economia estava nas mãos do estado – e isso permitiu a acumulação do capital que gerou uma burguesia monopolista que melhor serve os interesses do imperialismo norte americano. Agora o que temos é uma burguesia de rosto e ação fascista que está reprimindo o povo. Isto hoje é visível no México, o exército está nas ruas, há uma militarização total do país. Por exemplo, atualmente no México tenta-se implantar a chamada Iniciativa Merida. Esta iniciativa inicialmente tinha o nome de Plano México, isto porque era a versão mexicana do Plano Colômbia. Na realidade é um plano contra-insurgente, destinado a reprimir o movimento de massas que está a despertar no país e que tem uma perspectiva muito ampla, questionando profundamente o atual estado de coisas. Esta Iniciativa Merida, é estimulada por Calderón, eleito através de uma fraude eleitoral, e tenta obter legitimidade mediante a violência. Empregando um conceito que a nós nos parece muito correto, temos aqui claramente uma ditadura já sem fachada democrática. Hoje o Congresso apenas representa uma parte mínima da população. Calderón governa somente apoiado no exército, na repressão, na criminalização da sociedade e vinculado integralmente ao imperialismo americano.


 


Qual o balanço que os comunistas fazem do Tratado de Livre Comércio da América do Norte? Hillary Clinton e Barack Obama afirmam que renegociarão o Tratado com o México, caso sejam eleitos. Pensa que respeitarão este compromisso?
Em primeiro lugar quero dizer que hoje, passados 14 anos, já estamos em condições de fazer um balanço do TLCAN, que é totalmente negativo. A pequena e a média indústrias desapareceram do cenário nacional. Por isso há já uma ausência de mercado interno devido à política de importação. Atualmente temos uma economia totalmente dependente da economia dos EUA, sofrendo assim as conseqüências do imperialismo. Hoje, que os EUA atravessam uma grave crise, a inflação e o aumento de preço dos produtos básicos refletem-se diretamente na economia mexicana, sendo os trabalhadores os que mais sofrem. Atravessamos uma crise de grandes proporções. Quando o TLCAN entrou em vigor, em 1994, após um debate de quase três anos, nós, comunistas, afirmamos que a adesão a este Tratado equivalia a uma certidão de óbito do estado democrático. Estamos, praticamente, transformados num estado livre associado, como Porto Rico, e não somente do ponto de vista econômico.


Não sei se Hillary Clinton e Obama estarão dispostos a cumprir a renegociação deste Tratado. Nós consideramos que a renegociação não é solução. É necessário denunciar este Tratado. E temos autoridade para isso. Nós comunistas, desde 1991, opusemo-nos ao que, inicialmente, se chamou de Acordo de Livre Comércio e posteriormente de Tratado de Livre Comércio da América do Norte. Inundamos o país de propaganda e promovemos um debate, mas nesse momento, o discurso do neoliberalismo que então se apresentava como um discurso de modernidade prevaleceu. Era a época do “fim da história”, da “desideologização”, e o presidente Salinas conseguiu vender ao país o projeto de que o México, assinando o Tratado, entrava no Primeiro Mundo. Afirmamos diversas vezes que isto era na realidade um pacto neocolonial. Defendemos pois a denúncia do TLCAN, por não estarmos em condições de renegociar, num plano de igualdade com os EUA. Nas presentes circunstâncias, a perspectiva é o controlo e domínio definitivos pelos EUA de todos os recursos energéticos, tripudiando sobre a nossa soberania e independência.


A Iniciativa Merida, que anteriormente referi, é conseqüência do TLCAN. Houve uma Cimeira da ASPAN (Aliança para a Segurança e Prosperidade da América do Norte) no Canadá, onde o presidente Bush, como se fosse o chefe das forças militares mexicanas, disse que ao exército mexicano caberia determinado papel, ao exército do Canadá outro, tudo sob o comando do exército norte-americano. O papel atribuído ao exército mexicano neste âmbito é o da repressão dos movimentos sociais e populares e a contenção da onda de protestos e da vaga de emigração vindas do sul, isto é “deslocar” a fronteira do norte para o sul.


Ainda sobre o TLCAN devemos acrescentar que não fomos somente nós a opor-nos. Houve também uma rebelião dos povos índios porque o Tratado significa a sua morte.


Criticamos por isso os movimentos que defendem a renegociação de Capítulos do Tratado, pois isso não serve para nada. Os preços de garantia nada resolvem. Aqui no México atingimos já o momento de lutar por tudo, ou perderemos absolutamente tudo. A bandeira nacional, o conceito de Estado-Nação são palavras mortas perante o TLCAN. Se o México, seguindo o rumos dos países que lutam por um mundo melhor, se quiser manter como nação independente terá de renunciar a este Tratado. Acrescento que não é apenas a este Tratado que devemos renunciar. Existe um Tratado de livre comércio similar com a União Européia que é igualmente nefasto, assinado por Fox quase em segredo e praticamente desconhecido da população. Concluo portanto reafirmando a necessidade absoluta de renunciar a qualquer tratado de livre comércio.


 


Na Europa, o debate sobre o Muro de Berlim permanece atual e é tema de todas as campanhas anticomunistas. Do Muro do México praticamente não se fala. Pode explicar-nos qual o significado deste muro construído pelos EUA?
Está sendo construído um muro físico desde o governo de Bush. É um muro que se estende ao longo de toda a fronteira, desde Tijuana até Laredo. Este muro existia desde há anos, com a peculiaridade de ser um muro humano que a Patrulha da Fronteira dos EUA criou para caçar emigrantes. Foi a partir do 11 de Setembro de 2001 que começou a sua construção física, alegadamente para combater o terrorismo. É uma hipocrisia. Segundo as conveniências e as necessidades de mão-de-obra dos norte-americanos, é ocasionalmente tolerada a entrada de mexicanos nos EUA, inclusive de maneira ilegal. Este muro é um muro da morte. Conduz a que a travessia realizada pelos ilegais mexicanos seja feita em condições de elevado risco para a sua vida. Segundo as estatísticas, morrem anualmente cerca de 500 mexicanos na tentativa de atravessar a fronteira. Por outro lado é um absurdo histórico porque essa zona dos EUA é um antigo território do México do qual fomos despojados. As minas de ouro da Califórnia permitiram o desenvolvimento do capitalismo norte-americano e, inclusive, que este entrasse cedo na sua fase imperialista. Este muro deveria ser denunciado. Observamos que há grande solidariedade dos povos do mundo conosco. Inclusive o comandante Raul Reyes na sua mensagem de saudação ao II Congresso da Coordenadora Continental Bolivariana apelou a que se realizasse uma grande campanha para a destruição desse muro. Esse muro, que é uma grande falácia da burguesia, tem que cair. A burguesia continua a falar do muro de Berlim e da Cortina de Ferro, enquanto erguem muros aqui, na Palestina, etc. A burguesia teme as migrações maciças vindas do sul. Nós afirmamos que numa nova sociedade não haverá necessidade de que os nossos compatriotas deixem o país. Não será preciso que os mexicanos partam para os EUA, pois terão casa e trabalho no seu país. A solução é a mudança do sistema. Entretanto cabe-nos denunciar o muro como expressão da barbárie do imperialismo


 


O Partido Comunista é acusado pelo fato de ter participado em Quito no II Congresso da Coordenadora Continental Bolivariana. A sua solidariedade com as FARC hoje é também amplamente criticada, sobretudo após o bombardeamento do acampamento de Sucumbio, onde, além de Raul Reyes e outros guerrilheiros, foram também assassinados quatro jovens mexicanos. Qual é a sua atitude perante os ataques de que são alvo?
Consideramos ser muito importante estar atento a este processo de resistência que se desenvolve na América do Sul, em primeiro lugar dinamizado pelo processo bolivariano da Venezuela. Não é um tema que se esgote nos governos da Venezuela, do Equador e da Bolívia, porque na realidade é um movimento popular, de forças políticas e núcleos insurgentes. Afirmamos que Bolívar é uma bandeira de unidade, embora não tenha necessariamente uma grande influência no México onde a envergadura de Hidalgo, Morelos, Juarez, Zapata, Pancho Villa constituem uma referência suficiente para o nosso país. Embora o bolivarianismo não se imponha no México porque temos uma dinâmica própria, somos solidários com ele e por isso participamos com os companheiros que coordenam esse movimento e que injustamente sofrem hoje um processo de criminalização. Temos o exemplo dos companheiros do Peru que participaram neste Congresso e que, aquando do regresso a Lima, foram detidos por ordem do governo de Alan Garcia. E também o nosso partido, por ter participado nesse Congresso, está a ser alvo de perseguições no México. Está em curso uma grande campanha de criminalização do Partido dos Comunistas. Isto por nos mantermos fieis ao internacionalismo proletário, por nos termos atrevido a assumir, indo contra a corrente, que mantemos uma relação política bilateral com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Não nos envergonhamos disso, pelo contrário, estamos orgulhosos. Na nossa organização há três elementos básicos do internacionalismo, respeitados e discutidos pelos militantes que, quando falam do projeto socialista e da Outra Campanha falam em primeiro lugar da Revolução Cubana, e da necessidade de ser solidários com ela; da necessidade de ser solidários com a revolução colombiana e suas forças motrizes como as FARC, o movimento bolivariano, o Partido Comunista Colombiano; e da relação com os partidos comunistas em geral. São três elementos que enchem de orgulho os nossos militantes. Assim, nesta campanha de satanização das FARC promovida pelo estado mexicano, perante o assassínio do comandante Raul Reyes, é nosso dever dar a cara. Não vamos suspender a nossa relação com as FARC em qualquer circunstância. A solidariedade e o internacionalismo são princípios que devem ser defendidos, não acabaram com o senhor Gorbatchov. Ele foi o primeiro que tentou liquidá-los. Nessa vaga anti comunista dos anos noventa não abdicamos do internacionalismo proletário e da solidariedade e não renunciaremos a eles, porque mais do que nunca são hoje necessários. Porventura será delito solidarizarmo-nos com a resistência iraquiana que se opõe com firmeza ao imperialismo, será delito solidarizarmo-nos com o povo de Porto Rico que se opõe à presença dos EUA no seu país? Será delito a solidariedade com a Venezuela, com Cuba?