Sobral: Um bom exemplo de educação básica
Uma notícia vem chegando lá do interior…
(Milton Nascimento-Fernando Brant)
Publicado 24/06/2008 17:00 | Editado 04/03/2020 16:36
Os dados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) relativos ao ano de 2007, publicados na semana passada pelo Ministério da Educação, permitem, de imediato, duas grandes leituras. A primeira é que a educação pública brasileira ainda vai mal. A escola pública é ruim no Brasil, e não consegue ensinar aos seus alunos. A segunda leitura é que, apesar disso, alguma coisa se move, especialmente nos anos iniciais da Educação Básica. Um movimento que, embora aparentemente pequeno, pode alavancar mudanças profundas na qualidade da escola pública.
Nesse quadro, Sobral, no norte do Ceará, desenvolve há oito anos uma política de educação para a qual precisam se voltar os olhos daqueles que almejam uma educação pública de qualidade. Não é que a educação no município seja das melhores do Brasil, com indicadores de aprendizagem de primeiro mundo. Não é isso. Nas séries iniciais, o IDEB de 2007 em Sobral foi de 4,9 numa escala que varia de 0 a 10 e para a qual se almeja, nos países mais desenvolvidos, pelo menos 6. Visto assim, Sobral ainda está longe do desejável, embora se situe acima da média nacional, que foi de 4,2. E, se considerarmos apenas os municípios do Nordeste, Sobral tem a quarta colocação entre as redes municipais.
O que chama a atenção no município é a consistência da sua política educacional nos últimos oito anos. Em primeiro lugar o município definiu com clareza as suas metas para cada gestão, colocando como meta prioritária a alfabetização das crianças de 6 e 7 anos. Em 2000, metade das crianças ao final do segundo ano não sabia ler. Hoje, mais de noventa por cento dos que concluem o segundo ano são leitores fluentes.
Outro ponto importante da política educacional foi a mudança nos paradigmas de gestão do sistema municipal e na gestão escolar. A Secretaria da Educação passou a representar a condução do processo, a cabeça pensante da política educacional, garantindo às escolas os insumos necessários e desenvolvendo um rigoroso sistema de acompanhamento e monitoramento das metas estabelecidas. Garantiu às escolas autonomia financeira, pedagógica e administrativa. Os diretores, selecionados em rigoroso processo, têm formação em serviço desde 2001. São responsáveis pelos resultados de cada escola e respondem diretamente por eles. Os resultados dessa nova política de gestão podem ser sentidos tanto nos indicadores de aprendizagem das crianças quanto em outros, como por exemplo, na taxa de abandono. Em 2001 a taxa de abandono era de 7,1%. Desde 2005 é inferior a 1% e em 2007 foi de 0,1%. Dos 24.068 alunos matriculados no Ensino Fundamental apenas 33 deixaram a escola, e todos nas séries terminais (6º ao 9º ano). O abandono nas séries iniciais (1º ao 5º) foi zero.
O município não apenas definiu metas como criou um sistema de avaliação próprio, externo às escolas, através do qual monitora os resultados duas vezes por ano e permite que intervenções sejam propostas tanto no macro, por parte da Secretaria da Educação, quanto no micro, por parte das próprias escolas. A cultura da avaliação permanente é hoje enraizada dentro de cada sala de aula.
Sobral investiu ainda em uma sólida e bem pensada política de formação de professores. Todos os professores da rede passam por formação em serviço, mensal. Essa política de formação em serviço se ancora em três princípios: proposta curricular, material estruturado e rotinas de sala de aula. Tal investimento na formação de professores demandou inclusive a criação de uma Escola de Formação de Professores, existente desde 2005 e atuando hoje em Sobral e em outros municípios. A política de formação tem ainda um outro grande eixo, de formação pessoal, que coloca os professores em contato com linguagens e abordagens plurais, ampliando seu universo cultural e sua forma de enxergar o mundo. Escritores, pesquisadores, artistas populares, conversam sistematicamente com os professores e ajudam a qualificar os processos de ensino e aprendizagem no município.
Outro ponto importante é que Sobral pensa na sua rede e não em escolas isoladas. Não há escola-modelo no município. Tanto na zona urbana quanto na zona rural as escolas têm um desempenho uniforme. Prova disso é que, das dezenove escolas municipais avaliadas pelo IDEB, Sobral tem dezoito entre as cem melhores do estado, em um universo de mil e seiscentas escolas públicas do Ceará. Os resultados do município são da rede total e não de uma ou outra experiência bem sucedida.
Uma outra coisa é a continuidade dessa política. De 2001 até agora foram dois prefeitos e quatro secretários de educação no município, mas os rumos da política educacional não foram alterados. Pelo contrário, os princípios e metas estabelecidos foram consolidados até agora.
Como já dito antes, Sobral não vive no melhor dos mundos. Ainda há muito por se fazer. Mas Sobral se move a uma velocidade bem maior do que a média dos municípios brasileiros e mostra como, num município do semi-árido brasileiro, educadores e gestores teimosos e determinados, conseguem construir uma educação pública de qualidade apesar de todas as adversidades. Adversidades que talvez precisem ser explicitadas: com cento e oitenta mil habitantes e localizado na depressão sertaneja, no norte do Ceará, no meio da caatinga, é um município pobre, na região mais pobre do país, o Nordeste. A pobreza não impede as crianças de aprenderem, é o que parece dizer a lição de Sobral.
Talvez, como recomenda a canção, devamos ouvir mais as notícias que nos chegam do interior.
Joan Edessom de Oliveira é Diretor da Escola de Formação Permanente do Magistério, em Sobral-CE.