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Com candidatos jovens, PCdoB aposta na inovação

Um ex-jogador de futebol que se encantou com Saramago, dois jornalistas, uma enfermeira e um rapper. Profissões tão variadas como estas estão representadas nas candidaturas jovens do PCdoB. Eles resolveram driblar as dificuldades e concorrer nestas ele

Em 1999, Tiago Andrino tinha 19 anos. Resolveu atravessar o oceano e aportar em Portugal para tentar a vida de jogador de futebol. Hoje, aos 27 anos, depois de obter 12 mil votos em 2006 quando tentou eleger-se deputado federal, disputa uma cadeira no legislativo de Florianópolis. “O futebol era a minha vida, mas quando fui tentar a sorte, vi o outro lado. Não gostei do mundo profissional daquele esporte, com sua rivalidade, seus esquemas e panelinhas”, lamenta.


 


A guinada aconteceu quando resolveu assistir a uma palestra feita pelo escritor José Saramago para a juventude do Partido Comunista Português. “Ele falava sobre como o capitalismo nos tornava produtos do sistema e era como eu estava me sentindo no futebol. Os jogadores eram tratados como objetos. Percebi, então, que minha vocação era outra”. Andrino retornou ao Brasil um ano depois e começou a estudar Direito. Na faculdade, passou a se envolver com o movimento estudantil.


 


Em 2005, foi uma das principais lideranças da “revolta da catraca”, uma manifestação que reuniu milhares de jovens em protesto contra a tarifa de ônibus em Florianópolis. “Conseguimos baixá-la, mas ela continua sendo uma das mais caras do Brasil. Por isso, quero ir para a Câmara defender um transporte público de melhor qualidade, tarifas mais baixas, corredores urbanos e transporte marítimo”. Além disso, diz, quer lutar para fazer da cidade um pólo da indústria do conhecimento e da tecnologia. 


 


“Graças à formação que tive na União da Juventude Socialista (UJS), tenho certeza que estou preparado para assumir uma cadeira na Câmara de Florianópolis. É uma entidade que canaliza a rebeldia e a vontade do jovem de mudar as coisas para a ação política que pode, de fato, permitir tais mudanças”, sintetiza.



Lideranças de projeção
O maior destaque da leva de jovens comunistas que disputam estas eleições é a jornalista gaúcha Manuela D’Ávila que, aos 27 anos, figura no segundo lugar na disputa em Porto Alegre. Ela já foi a vereadora mais votada de Porto Alegre em 2004 e em 2006 a deputada federal mais votada de seu estado. Participou de projetos importantes para a juventude. Foi relatora da nova Lei dos Estágios e propôs a lei que garante a transparência da gestão fiscal com gastos públicos.


 


Apesar da experiência, tem sido atacada justamente pela sua pouca idade. A campanha de Maria do Rosário, do PT, tem procurado enfatizar este aspecto. Em resposta, Manuela tem se contrapõe como uma novidade que, mesmo jovem, tem conhecimento, criatividade e ousadia para governar de maneira diferente e melhor. 


 


Outro destaque é Gustavo Petta, ex-presidente da UNE, que tenta uma vaga na Câmara de São Paulo. Questionado sobre a falta de motivação que muitos jovens sentem com relação à participação na vida política do país, Gustavo diz que o desgaste não está apenas nessa faixa da população. “Vivemos cotidianamente um bombardeio ideológico que tenta imputar às pessoas que participam diretamente do processo político a imagem de corrupto, aproveitador, de descompromissado com o povo e com o país”, denuncia. E completa: “a mídia e os setores conservadores da sociedade são os principais responsáveis pela reprodução desse pensamento, que tem o objetivo perverso de afastar as pessoas da política e evitar que elas se engajem, participem e exerçam seu direito legítimo de interferir nos rumos do Brasil”. Enquanto prevalecer essa visão, pondera, “a democracia não será consolidada e quem perde é o país e o povo”.


 


Para ele, ter jovens disputando vagas no Legislativo e no Executivo contraria esse discurso e oxigena a política. “Andando pela cidade e conversando com as pessoas percebo que, apesar da resistência, há o desejo de transformação e uma receptividade ao diálogo, às novas idéias”.


 



Um mano na Câmara
Beto Teoria é outra aposta do PCdoB. Ele busca eleger-se vereador pela cidade de Ribeirão Pires, no ABC Paulista. Rapper do grupo Teoria, ele tentar engatar uma campanha com poucos recursos e que sofre preconceitos. “O movimento hip hop ainda é visto como coisa de ‘moleque à toa’. Ser candidato a vereador, então, para a elite, soa como uma afronta. Ou seja, além de fazer campanha, tenho que passar para o eleitor o preparo que tenho para atuar como vereador e ser uma ferramenta de trabalho em prol da juventude”, diz.


 


Com pouca grana, mas muita garra, Teoria se engaja na campanha e ganha adesões fundamentais para levar seu projeto adiante. “O único carro de campanha é meu Escort 88. O som foi doado pelo DJ Celinho, meu amigo. O site e arte gráfica ficam por conta do grafiteiro Thiago Vaz. Na rua, panfletando, vão o B.Boy Chris e a militante do hip hop LHYU que marca presença representando as minas”, explica. Com o objetivo de unir forças, está promovendo um evento no ABC, neste sábado, dia 6, que reúne além dele outros dois candidatos comunistas a vereador: Daniel Vaz, de Santo André; Michelle Gomes, de São Caetano.


 


Para Teoria, esses obstáculos são naturais. “O PCdoB sempre foi um partido de luta e conquistar algo, para nós, nunca foi fácil. Afinal, somos a juventude do Araguaia!”, lembra. Ele tem apoio de nomes conhecidos do movimento hip hop paulista como Rappin Hood, o também candidato do PCdoB Nuno Mendes, o rapper Axé e o DJ Spaiq – que acompanha o músico Thaide, além de bandas de rock. “Estão todos juntos. De fato sou um candidato da juventude e isso traz confiança”, resume.


 


Karla Trindade também desponta entre os jovens do PCdoB. Aos 30 anos, ela tenta uma vaga na Câmara de Aracaju. Além de ser um nome jovem disputando com políticos experientes, traz consigo o desafio de ampliar a participação das mulheres na Casa. Hoje, dos 19 parlamentares, apenas uma é mulher. Ex-estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Sergipe, começou sua militância no centro acadêmico e entre 2000 e 2003 foi presidente estadual da UJS. Teve participação importante na gestão de Edvaldo Nogueira na prefeitura da capital e ajudou na construção da Assessoria Municipal de Juventude.


 


A UJS, explica, “me ensinou que nossos sonhos são coletivos”. Ela lembra que conheceu a entidade durante uma passeata. “Vi aquela movimentação, a bandeira de Che Guevara e procurei a entidade”. Como vereadora, diz, “gostaria de lutar por mais espaços e qualidade de vida para nossa juventude, que precisa de mais lazer e educação”.


 



Escola socialista
Muitos dos jovens que hoje se candidatam pelo PCdoB são oriundos da União da Juventude Socialista (UJS), uma organização, conforme seu estatuto, “juvenil, ampla e socialista”, que atua “politicamente através do movimento juvenil, buscando responder às especificidades deste e apresenta o socialismo, único sistema capaz de ser alternativa ao capitalismo no Brasil.


 


Dali saíram lideranças que hoje ocupam posições destacadas na política nacional como, por exemplo, o ministro do Esporte, Orlando Silva, o deputado federal e candidato a vice-prefeito de São Paulo, Aldo Rebelo e o deputado federal Renildo Calheiros, candidato a prefeito de Olinda


 


“A gente costuma dizer que a UJS é uma escola onde o jovem tem contato, desde muito cedo, com a atividade política. Essa escola faz com que os nossos jovens desenvolvam uma série de opiniões sobre problemas que atingem a juventude”, diz o presidente da UJS, Marcelo Britto, o Gavião. Segundo ele, a entidade forma os jovens ao longo dos anos para a vida política. “Por isso, ser candidato é uma conseqüência natural”, explica.


 


Há candidatos vindos da UJS em diversos estados, entre eles Santa Catarina, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará, Amazonas e Amapá. “Em relação a 2004, certamente há um número maior de candidatos da juventude”, conta. De acordo com o dirigente, a explicação está principalmente no fato de a UJS estar “ganhando cada vez mais corpo e protagonismo para disputar vagas em processos eleitorais”. Além disso, constata, “parte significativa dos militantes da UJS são também militantes do PCdoB e como o partido tem sido mais ousado ao lançar candidaturas, há mais jovens disputando”.


 


De acordo com Gavião, o que diferencia os jovens candidatos da UJS daqueles ligados a partidos especialmente do campo conservador é a forma como essas lideranças nascem. “Nas candidaturas vindas da UJS, dificilmente há o sobrenome ‘neto’, ‘filho’ ou ‘júnior’, que caracterizam a ‘renovação’ da política brasileira. Os que conseguem vencer eleições em geral são herdeiros de uma trajetória, como é o caso de ACM Neto ou Rodrigo Maia, por exemplo. E isso não é renovação, mas sim continuidade daquilo que o pai ou o avô vinha fazendo na política”, critica. “O que queremos é, de fato, abrir espaço para pessoas que estão começando, que queiram apresentar idéias novas, independentemente do sobrenome que carregam. A renovação que queremos não é uma renovação conservadora”, diz. 


 


Entidade protagonista da campanha pelo voto aos 16 anos, a UJS continua lutando para aumentar o interesse dos jovens pela política. Neste ano, suas lideranças percorreram diversas cidades estimulando o voto já a partir dessa idade. De acordo com Gavião, ao menos 16 mil jovens, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, tiraram seus títulos a partir dessa iniciativa. “O voto aos 16, para além da escolha do parlamentar ou do prefeito, tem o sentido de educar, de chamar o jovem à responsabilidade de escolher seus governantes”. Não adianta, diz, “reclamar que a educação está ruim, que falta isso ou aquilo. É preciso que o jovem exerça seu direito de votar”, pondera Gavião.


 


Investindo no futuro
Os representantes da juventude que se destacam nestas eleições entre os quadros do PCdoB  são reflexo de um investimento que historicamente os comunistas fazem junto a essa faixa etária.


 


Ao todo, o partido lança este ano 905 candidatos entre 18 e 29 anos, conforme dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral. Destes, 880 disputam as câmaras municipais, 20 são candidatos a vice-prefeito e 5 a prefeito. “O PCdoB é um dos partidos que têm maior quantidade e qualidade de participação juvenil em sua militância”, diz Ricardo Abreu, o Alemão. Mas, ressalta, “não lançamos candidatos apenas por lançar”.


 


Para ele, o diferencial dos jovens candidatos comunistas é a sólida educação que recebem. “São quadros de qualidade que se destacam dentro e fora do partido porque têm boa formação política e ideológica, além do seu próprio talento. Isso é reflexo da escola que é a UJS e do trabalho que o PCdoB desempenha com a juventude”, explica.


 


O reconhecimento ao trabalho do PCdoB no meio juvenil vem de partidos e organizações brasileiras e também estrangeiras. Em seu segundo encontro Partido e Juventude, o PCdoB procurou esquadrinhar os motivos para seu notável desempenho nesta frente estratégica. Segundo documento preliminar resultante do evento, das lições tiradas do trabalho partidário entre os jovens é possível verificar alguns pontos que podem responder por tal sucesso. São eles a prioridade real – e não apenas formal – ao trabalho com a juventude; ideologia revolucionária; política justa no comando; unidade, democracia interna e disciplina; formação de quadros; trabalho de base permanente e incansável; combatividade, inovação e criatividade.


 


O objetivo do partido é continuar seguindo esse caminho, formando novas gerações de comunistas com uma visão ampla e atualizada da realidade brasileira e que atuem em frentes variadas, dos movimentos sociais à vida política e institucional, do mundo do esporte à intelectualidade. “A formação dos jovens no PCdoB não passa apenas pelo período eleitoral. É uma formação que visa a construção partidária, a luta de idéias e também as eleições. Nossos planos são para o futuro. Acho que esse é o nosso segredo”, finaliza Alemão.