Silêncio no brega: Waldick pegou o chapéu
Antes de virar “cult”, Waldick Soriano cantou muitas vezes aqui em Paulo Afonso (BA) e na região do Rio São Francisco. Na época, ele era sinônimo de brega, de cabaré, de zona, de bordel, o leitor que escolha a expressão que achar melhor ou que seja de
Publicado 04/09/2008 20:32
Com seu infalível chapéu coco na cabeça, óculos escuros e a brilhantina reluzindo nos cabelos escovados pra trás, ele sempre tomava umas talagadas de cachaça antes de entrar no palco e mandar ver uma seleção de sucessos que levava as mulheres ao delírio.
Lembro-me de muitas fãs com as capas de seus discos nas mãos cantando junto com ele, enquanto vários marmanjos disfarçavam e erravam a letra, apenas esperando o final de sua apresentação para se dar bem com as mais afoitas. Lembro-me também de ver no meio da platéia um ou outro corno, “com os olhos rasos d´água e o coração cheio de mágoa, morrendo de amor”.
Em novembro de 2007, Terra Magazine fez uma deliciosa entrevista com Waldick e arrancou do filho mais famoso de Caetité declarações primorosas. Como a sua técnica infalível em descobrir onde ficava o cabaré quando ele chegava pela primeira vez numa cidade do interior. Sua metodologia de velho e experiente raparigueiro consistia em perguntar (com ar compungido, logicamente!) a algum morador onde ficava a igreja matriz.
Sabendo a sua localização, ele então tomava o rumo oposto. Batata. Luz suspeita, perfume de gardênia no ar, gelo derretendo num copo de cuba libre e a sua própria voz saindo dos falantes da vitrola (ou a de Roberto Muller, Lindomar Castilho, Evaldo Braga e afins) denunciavam. Ali estava o baixo meretrício.
Ainda bem que a gente boa Patrícia Pillar — certamente influenciada por Ciro Gomes, que tem toda pinta de um fã inveterado — resolveu resgatá-lo e produziu Waldick Soriano Ao Vivo, um belo show lançado em CD e DVD, onde os seus fãs poderão matar as saudades de um velho e incurável romântico à moda antiga.
A sua morte, além de uma grande perda, me joga na cara uma dura e preocupante realidade. A de que os velhos e geniais cantores e compositores baianos estão em perigosa extinção. E o que é pior: o banco de reservas está no nível da seleção de Dunga. Saem Raul Seixas, Batatinha, Caymmi, Waldick, e quais os seus substitutos? Bel? Jammil? Xandy? Alexandre Peixe? Netinho?
Acho que eu vou ligar para as minhas queridas amigas Dulce e Carmem Miranda e convidá-las para fazermos um minuto de silêncio em frente ao que restou do saudoso Roda Viva. E se der, colocaremos um pedaço de cetim preto pendurado na velha porta que tantas vezes se abriu para ver Waldick passar. Definitivamente, o cabaré está de luto.
* Janio Ferreira Soares é consultor da Secretaria da Cultura de Glória (BA)