Contra tucanos, Flávio Dino quer 'transição para o futuro'
A manhã começa no escritório central. Flávio Dino chega cedo, vestido a caráter: camisa vermelha e calça jeans. Às 9 horas, o vai-vem dos correligionários e os telefones não param. A agenda do dia é extensa. Tem início com uma entrevista e termina com
Publicado 18/09/2008 19:32
De hábitos simples e fala mansa, Dino começa a descrever a rotina de campanha. No corre-corre entre caminhadas, carreatas, comícios e reuniões, conta que já perdeu sete quilos. Enquanto fala, belisca um pão fresco que divide a bandeja com uma banana e um copo de água. Será sua refeição até o almoço, quando voltará por alguns instantes à rotina normal e pedirá o tradicional refrigerante Jesus, que faz parte da vida dos maranhenses há 88 anos. “Quando vou a Brasília, levo umas 40 garrafinhas para meus filhos”, brinca.
Nascido em São Luís no dia 30 de abril de 1968, pouco depois da instituição do AI-5, Flávio Dino começou a militar cedo no movimento estudantil e em 1984 já participava da campanha pelas Diretas. Em 1994, com apenas 26 anos, o advogado foi aprovado em primeiro lugar para o cargo de juiz federal e como tal se notabilizou por atuar contra o tráfico e a corrupção, mas também por reconhecer uma das primeiras comunidades negras do Brasil, o quilombo de Frechal, no Maranhão, dando aos seus moradores a posse de suas terras.
Estreou na vida política em 2006, quando se elegeu deputado federal por seu estado. Logo em seguida, foi reconhecido como um dos quatro melhores deputados do país. Neste ano, também figurou na lista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como um dos “cabeças do Congresso”, onde figuram 71 deputados e 29 senadores tidos como decisivos no processo legislativo brasileiro.
Agora, aos 40 anos, disputa a prefeitura de São Luís com João Castelo, que dez anos após o nascimento de Flávio Dino já era governador biônico dos militares e ainda hoje é lembrado pelas ruas da cidade como “o homem que manda bater na gente”, em referência à violenta repressão da polícia maranhense aos estudantes que reivindicavam a meia-passagem em setembro de 1979.
Diametralmente opostos na ideologia e na trajetória, Castelo (PSDB) e Dino (PCdoB) são os principais candidatos que brigam pela cadeira. A polarização entre os dois não está restrita a uma mera disputa geracional entre um jovem e um antigo político. O que está em jogo é a possibilidade de se implantar um projeto popular, democrático e progressista, apoiado pelo governo Lula, ou deixar que a capital rebelde trilhe o caminho conservador e atrasado dos tucanos. O desafio, diz, é “fazer com que a transição que hoje se processa seja para o futuro e não para o passado”.
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Flávio Dino ao Vermelho.
Cenário político dividido
“Nesta eleição municipal, confirma-se um relativo enfraquecimento do grupo Sarney na medida em que os seus candidatos diretos – do PMDB, do DEM, do PP e do PTB – não têm hoje um percentual expressivo nas pesquisas e, sobretudo para além das pesquisas, não conseguem ter volume de campanha visível na cidade. Desde as últimas eleições (2006), o PSDB vem se organizando para obter a supremacia na política maranhense – e não só na de São Luís. Estamos, portanto, num momento de transição. Tínhamos um grupo que dominou a cena política maranhense nos últimos 40 anos. Esse pólo atravessa dificuldades, demonstradas pela derrota da senadora Roseana Sarney para o governo do estado e também por esse quadro de dificuldades na capital. Portanto, o campo não-Sarney busca também novos cenários futuros”.
Nova alternativa de esquerda
“Atualmente, quem hegemoniza o governo estadual é o PSDB, visceralmente anti-Lula. A nossa candidatura surge a partir de uma diferenciação em relação a essa hegemonia. PCdoB e PT juntos buscam a partir de São Luis se colocar como uma alternativa nova na cena política estadual. É esse movimento – que não é só do PT e do PCdoB, mas também dos movimentos sociais – tem por meta, no plano político, evitar que o término dessa transição resulte numa hegemonia tucana. Se isso acontecer, o Maranhão será um dos bastiões de um partido (PSDB) que é nosso adversário estratégico por aquilo que representa: uma visão totalmente atrasada dos rumos para o Brasil, contrária às políticas sociais e à presença do Estado na economia, favorável às privatizações e à subordinação de nosso país à economia norte-americana. Por tudo isso, é nosso adversário estratégico.”
Candidato da ditadura
“O desafio para os partidos democráticos, de esquerda e progressistas de São Luís e do Maranhão, é justamente fazer com que a transição que hoje se processa seja para o futuro e não para o passado. Se na capital vencer o candidato do PSDB, com origem política na ditadura militar, estaremos frustrando essa esperança de um futuro melhor.”
Tendência de crescimento
“João Castelo está na frente principalmente pelo fato de ser muito mais conhecido que os demais candidatos. Foi governador há 30 anos e desde então, sempre disputou eleições. Somente para a prefeitura, foram quatro vezes. Sempre perdendo. Podemos dar a ele a honra de figurar no livro dos recordes: a pessoa que mais perdeu eleições para prefeito (risos). E os demais candidatos são menos conhecidos. O eleitor médio, que não estava ainda acompanhando a eleição, tendia a buscar o produto mais conhecido e isso se refletia nas pesquisas. Mas superamos essa primeira fase. Nos últimos 30 dias, as pesquisas têm mostrado uma trajetória de crescimento da nossa candidatura. Saímos do quarto lugar há 20 dias e hoje estamos na segunda colocação. Ainda que as pesquisas indiquem que não haveria segundo turno, a tendência é que haja e eu seja um dos candidatos.”
Polarização: o novo x o atraso
“Hoje a eleição caminha irremediavelmente para uma polarização entre a nossa candidatura (PCdoB-PT) e a do PSDB. Cada vez mais, procuramos enfatizar qual será a candidatura capaz de promover mudanças de modo mais intenso e com a velocidade e a dimensão necessárias. Vamos para o segundo turno e neste caso, o cenário seria mais favorável porque um é antítese do outro: Castelo era governador da ditadura, eu combatia a ditadura; ele nunca teve inserção no movimento social-popular, a não ser como repressor e eu sempre fui aliado e defensor; ele representa as velhas práticas políticas, as velhas oligarquias e eu represento esse sopro renovador da política; ele é do PSDB, eu sou do campo de Lula, do PCdoB, apoiado pelo PT; ele é a favor das privatizações, eu sou contra; ele é contra os direitos dos trabalhadores e eu sou a favor. Por isso, estamos muito otimistas com a possibilidade de um segundo turno.”
Crescimento sem qualidade de vida
“São Luís passou por um processo de crescimento e verticalização muito intenso. Temos uma frota de 206 mil carros circulando e uma população, na ilha de São Luís (composta pelos municípios de São José de Ribamar, Raposa, Paço do Lumiar e São Luís) de 1,3 milhão de pessoas. Porém, há um fosso entre esse crescimento e os indicadores sócio-econômicos. Não temos políticas públicas que garantam que esse crescimento se traduza em desenvolvimento e qualidade de vida para a população. Esse fosso faz com que tenhamos problemas em todas as áreas.”
Péssimo sistema de saúde
“O principal problema hoje, segundo a população e segundo a nossa compreensão, é o sistema de saúde, um dos piores do Brasil em resolubilidade. As pessoas disputam não mais por vagas em leitos, mas por vagas em macas dos corredores. Temos apenas dois hospitais públicos de emergência que funcionam sobrecarregados, inclusive porque as políticas de atenção básica que deveriam contribuir para diminuir a sobrecarga nos hospitais não são aplicadas de modo eficiente. Os postos em São Luís fecham às 6 horas da tarde, e quando estão abertos, não resolvem os problemas porque não têm médico ou remédio. Além disso, não funcionam nos finais de semana. Outro ponto é que o Programa Saúde da Família não foi implantado com a velocidade necessária, de modo que apenas 25% da cidade tem cobertura do PSF, o pior índice do Nordeste. Há uma arquitetura equivocada, um problema de gestão. Temos recursos significativos que ultrapassam a cifra de R$ 250 milhões para o sistema de saúde, mas a falta de foco de como o dinheiro deve ser aplicado fez com que hoje tenhamos um péssimo sistema de saúde.”
Crescimento da violência urbana
“Ao lado disso, tivemos crescimento da violência urbana, um fenômeno que não é próprio da nossa cidade, mas que é resultado do aumento populacional, de dificuldades na expansão do aparelho repressivo e da ausência de políticas sociais eficientes. Por isso, a violência é tida como o segundo principal problema de São Luís. Queremos discutir esse problema com a população e mostrar que, se por um lado é verdade que a segurança não é um tema eminentemente municipal, por outro a prefeitura pode ter algum tipo de ação subsidiária, complementar em relação àquilo que é feito pelo governo do estado e pelo governo federal. A guarda municipal em São Luís tem apenas 550 membros e seis viaturas. Minha meta é pelo menos quadruplicar esses números, passando para cerca de 2 mil o número de guardas. Seu papel deve ser o de polícia comunitária.”
Geração de emprego e renda
“O terceiro problema que destaco é a geração de emprego e renda. Durante as últimas três décadas havia uma crença de que São Luís, em algum momento, iria desenvolver uma grande vocação industrial. E essa mitificação, essa visão equivocada, fez com que a economia real não fosse devidamente acompanhada pelo poder público. O que movimenta a economia e responde por 86% do nosso PIB é o comércio, os serviços e a construção civil. Essa é a economia real da cidade e a prefeitura tem de dialogar com ela. Com as políticas compensatórias do governo Lula, como o Bolsa Família, e o próprio aumento real do salário mínimo, vimos uma fantástica expansão do comércio nos bairros de São Luís. São bairros populares com áreas comerciais pujantes, mas sem nenhum tipo de acompanhamento do poder público. E é esse micro-empresário de bairro que mais gera emprego e pode ser estimulado e assistido para expandir suas atividades.”
Planejamento para nova refinaria
“Além disso, teremos nos próximos anos a implantação de uma refinaria, um mega-investimento que, embora sediado em município vizinho (Bacabeira, a 58 quilômetros de São Luís) irá influenciar nossa cidade positivamente, se houver planejamento adequado. Trata-se da implantação da maior refinaria do Brasil, que em 2015 poderá refinar 600 mil barris de petróleo por dia e gerará cerca de 30 mil empregos diretos e indiretos. O desafio para a prefeitura é, mesmo fora das fronteiras do município onde ficará a refinaria, compreender que, na prática, São Luis será a cidade de referência para morar, se divertir e consumir. Esse fato também demandará priorizar a qualificação profissional porque temos, evidentemente, fluxo migratório e um investimento dessa magnitude gera expectativas de disputa de empregos técnicos, de mão de obra qualificada. Se não prepararmos esse cenário, o que vai acontecer é que os empregos mais expressivos acabarão sendo destinados a pessoas que hoje não moram em São Luis.”
Otimização da agricultura
“Há um traço singular em São Luis: mesmo com 95% de seus habitantes residindo na área urbana, temos aqui uma zona rural importante. Porém, se olharmos a pauta de importações do Maranhão em 2007, vamos perceber que o estado compra a maior parte de seus alimentos. E não só os industrializados, mas também frutas e hortaliças. Ao importar tudo isso, estamos exportando empregos. Nessa questão de emprego e renda, portanto, é preciso que a prefeitura atente para estes três níveis: compreensão da economia real com apoio aos pequenos empreendedores; preparação da capital para grandes investimentos, sobretudo para a refinaria e, em terceiro, identificação de vocações que já existem e precisam ser mais bem aproveitadas, como na questão da agricultura.”
Melhor aplicação para o dinheiro público
“Hoje, São Luís não tem problemas orçamentários – dispõe de R$ 1,2 bilhão – nem desequilíbrios expressivos. Inclusive, podemos e temos de ampliar as isenções tanto de IPTU quanto de ISS para gerar crescimento e ativação dos pequenos comerciantes. Mas esses recursos, assim como os programas e recursos do governo federal, não têm sido aplicados adequadamente. Há espaço para o crescimento do Bolsa Família, do Prouni e do PAC, que só está sendo desenvolvido na margem esquerda do Rio Anil. Mas essa experiência ainda é muito pequena diante das nossas necessidades e diante da maior aplicação feita em outras cidades de porte até menor. Ou seja, em parceria com o governo Lula, quero poder estender o PAC para outras áreas da cidade. Dessa forma, conseguiremos mais recursos para o crescimento da cidade.”
Falta de ousadia compromete prefeitura
“Na atual gestão, acho que falta determinação e audácia para acompanhar esses movimentos, fazendo com que São Luís possa participar de maneira mais intensiva desse novo momento da economia brasileira. As oportunidades são abertas, mas os projetos não são adequadamente trabalhados e implementados e falta acompanhamento contínuo. A função do próximo prefeito é muito menos inventar a roda e muito mais colocá-la para rodar. Não percebemos hoje uma atuação mais decidida e ousada na busca pela aprovação de projetos que são essenciais”.
Caos no trânsito
“É consensual, por exemplo, a necessidade da expansão da malha viária e já existe projeto – encaminhado ao BNDES – que não está sendo posto em prática. Nossas avenidas são essencialmente as mesmas há 30 anos, quando São Luís tinha 250 mil habitantes. A cidade cresceu; há cerca de 1,3 milhão de moradores na ilha e a grande maioria transita diariamente por São Luís, a cidade-pólo. Por isso, o trânsito, em muitos horários, caminha para a inviabilização, penalizando os mais pobres. Para fazer o trajeto de um bairro popular para a região central da cidade gasta-se, diariamente, de duas a três horas. Isso não acontecia há pouco tempo. Outro aspecto que contribui para o aumento do tráfego é o crescimento de nossa frota, na razão de 1% ao mês, que corresponde ao emplacamento de cerca de 1.200 novos carros. O que vemos é um completo descasamento entre o que é feito e o que precisa ser feito.”
Empatia popular
“Acho o crescente entusiasmo que vemos nas ruas com a nossa candidatura deve-se principalmente a três aspectos importantes. Primeiro, a minha trajetória. Comecei a militar em 1983 no movimento secundarista. Depois, na universidade, passei a interagir com os movimentos populares. Quando me tornei advogado, atuei com entidades populares e sindicatos e mesmo como juiz, tinha uma atuação política – não partidária – na associação da categoria. Em segundo lugar, contamos com o apoio do presidente Lula e somos identificados como seus candidatos. O terceiro aspecto é o cansaço das velhas caras. Quando João Castelo disputou sua primeira eleição, eu não era nem nascido. É um político tradicional. E são sempre essas figuras, que estão há 30, 40 anos na cena política, que se candidatam. Então, há uma fadiga dessas velhas referências, o que faz com que haja uma empatia natural, uma curiosidade com alternativas diferentes. E a candidatura PCdoB-PT é o que há de novo em São Luís”.
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