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Antônio Carlos Affonso dos Santos: papo de busão

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-Estou num ônibus especial. Noto um povo de cara fechada; ouço o diálogo de dois passageiros, que estão ali, do meu lado:



·        E ai Bró?.


·        Como é vagaba?.


·        Tudo limpo na vida louca!.


·        Sabe do mano Brown?.


·        Dizem que foi o caveirão que pegou ele!.


·        Como foi?


·        Foi vacilão!


·        E os manos, o quê fizeram?


·        Sacumé, macho não chora!.


·        Mas devia; ele é da perifa, como nós!.


·        Sei!.


·        Como foi?


·        Vendia farinha e não deu retorno na boca!.


·        Quanto ele devia?


·        Dizem que era um mil!.


·        Qual a idade dele?.


·        Quinze!.


·        Onde ele está? Na Febem?.


·        Não!. No necrotério do H.C.!.


·        Vamos lá?


·        Não!. Têm umas minas de campana lá!.


·        E a família dele?.


·        A velha está um trapo!.


·        E o velho?.


·        Se mandou quando ele era menino. É sangue ruim!.


·        Mas ele é menino!.


·        É, mas tem filho com uma mina da zona leste!.


·        E ela?


·        Não sabe de nada!. Ela cheirava a mercadoria dele; estava sempre fora da real!.


·        Onde está ela?


·        No depósito do Tatuapé; o filho ficou com a velha dela!.


·        Oh vida louca, Bró!.


·        É isso ai, vagaba!.


·        E domingo?


·        Vou num hip hop no Capão Redondo, e você?


·        Vou no enterro de um truta meu!.


·        Quantos anos?


·        Dezesseis!.


·        Como foi?


·        Tomava um goró com uns chegados; meia noite chegou um carro com cinco manos armados. Queimaram todos!.


·        Quantos?


·        Cinco!. Um deles tinha doze anos!.


·        É nóis na fita, né bró!


·        Pois é!


·        Pois é!.


·        Vou nessa, tchau!.


·        Tchau; a gente se vê nas quebradas!.


·        É, a gente se fala!.


E o ônibus da era globalizada, que vai para lugar nenhum, sacoleja nas estradas da vida, da vila, da capital, da periferia.


Nós todos vemos pela TV: os manos e as minas das periferias e dos guetos espalhados pelo mundo todo descem cada vez mais nas classes sociais e no despreparo para a era atual!. Lá fora há uma discussão acirrada. Olho pela janela o tumulto. Fico parado, olho arregalado, mudo, sem iniciativa. Ali, ao alcance de minha mão, o povo da periferia profere seu grito. Não adianta taparmos os ouvidos, nem nos escondermos.


Não é tão necessário falar de política ou da quebra de bancos americanos. Talvez seja o caso de acreditar que uma guerra está em curso e que é preciso acordar; os políticos e a sociedade!