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Renato Rabelo comenta a eleição nos EUA: ''Imprevisível''

O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, considera ''imprevisível'' a eleição de terça-feira que vem (4) nos Estados Unidos. Para ele, Obama sobe porque ''expressa o sentimento transformador'', mesmo sendo ''parte de um sistema'', porém ''você vê também o pa

Fenômeno vem do anseio de mudança



Eu acho que o surgimento do Barack Obama demonstra uma realidade política e social que os Estados Unidos vivem. Não é por acaso esse ascenso da figura de Obama, um negro, que entrou nas prévias democratas talvez no sentido de ver se coseguiria ser o vice de Hillary Clinton, e que não se esperava que no final fosse ele o candidato.



Não podemos explicar isso simplesmente pelo carisma. Isso decorre da situação objetiva dos EUA. Mostra que existe ali um anseio muito grande de mudança. Que, aliás, é a palavra de ordem de Obama: 'Mudança, acredite nisso!'.



Você veja que isso foi ao encontro de um sentimento profundo. Um sentimento que reclama mudanças na sociedade americana e defende que o status quo deve ser removido.



Relação com a juventude e os operários



A base, o catalizador desse processo foi a juventude. Quem me disse foi o Mangabeira Unger (ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos), que aliás conhece bem os EUA. Ele acha que na Europa isso hoje está adormecido, os jovens ficam naquelas conversas nos cafés, diletando, enquanto nos EUA existe um espírito crítico forte, exigindo transformações. É a opinião dele.



Entra o Obama, com essa figura, e expressa o sentimento transformador. Li alguns artigos do PC dos EUA; eu não chego a tanto, afirmar que aquilo é uma revolução, embora eu esteja de fora e não seja eu quem vai dizer se é ou não.



O fato é que a campanha eleitoral vai mostrando uma divisão profunda na sociedade dos EUA: é um segurando a bandeira do status quo e o outro com o anseio da mudança, mudança que não se sabe bem ainda qual é.



Obama simboliza uma série de anseios progressistas, avançados. Vi líderes operários americanos, negros e também brancos, dizendo que ele significa um avanço para o movimento dos trabalhadores. Ele congrega tudo isso.



Não tenhamos ilusão, Obama é do sistema



O desenvolvimento da campanha acontece num país que é o centro do sistema mundial capitalista, com uma oligarquia fortíssima. Como ela aceitaria um candidato expressando um sentimento de mudança tão grande? Eles tinham que se contrapor.



O candidato me parece que levou em conta essa realidade, de um sistema, do qual ele faz parte. Concluiu que o programa de mudanças dele tinha de levar em conta essa realidade. Ele procurou adaptar o discurso, equilibrar o discurso com a existência desse sistema e dessa correlação de forças.



Barack Obama ainda é parte de um sistema. Não tenhamos a ilusão de que ele não represente o sistema.



No Império – como se diz hoje, para não usar o termo imperialismo americano –, Obama não foi capaz de propor uma mudança da política externa do sistema imperialista. Eu não vejo. Não tenho ilusões quanto a isso.



Vamos pegar um ponto nodal como é o de Cuba. Ele é um pouco mais flexível, mas não há uma grande diferença, mesmo em relação ao bloqueio. O outro (John McCain) não, é impositivo, arrogante. Mas no conteúdo não há uma grande diferença.



O mesmo se pode dizer em relação ao Oriente Médio. E à América Latina. Não há diferenças de fundo. Obama também tem que mostrar que não transige com o terrorismo.



O fator crise econômica



Agora, ultimamente, surge um fato novo, que eu acho que vai se juntar a essa tendência mudancista, a essa sensação de que há algo de podre na sociedade norte-americana: é o espocar da crise.



A fase aguda da crise só vai surgir agora, mostrando as suas dimensões, os seus contornos: uma crise profunda, com problemas maiores que os de 1929; uma crise financeira, como eles gostam de dizer, mas também do sistema, como eles próprios reconhecem porque não têm como encobrir. É por isso que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, propõe agora uma 'refundação' do capitalismo.



Isso deu mais força ainda à campanha do Obama, que já catalizava o anseio por mudança. Por isso ele tem hoje mais condições de vencer.



A própria proposta dele para enfrentar a crise tem mais credibilidade que a do outro. Não conheço de perto a plataforma de Obama, mas sei que ela está mais voltada aos problemas concretos dos trabalhadores, dos pobres.



Setores norte-americanos propõem diante da crise algo como o New Deal ('Novo Acordo', a política e enfrentamento da crise que levou Franklin Delano Roosevelt à Casa Branca em 1933) – claro que não uma reedição, pois essas coisas são se repetem. O Roosevelt, com o New Deal, atacou mais os problemas do povo trabalhador, que  passava até fome na época.



Claro que a situação não é igual. Mas o programa proposto por Obama tem mais sensibilidade para os problemas da maioria do povo. Ele se opõe a respolver o problema dos bancos sem resolver o dos cidadãos inadimplentes, e isso é algo que parece ter encontrado audiência.


A figura de Obama no mundo


No exterior, há uma tendência no quadro geopolítico mundial. Como os EUA são uma superpotência, a eleição lá se relaciona com todos. Quando aparece um candidato como esse, que promete abrandar o dictat, ele ganha simpatia em toda parte. Na Alemanha, reuniu 200 mil pessoas num comício!



Muita gente, neste contexto de luta antiimperialista, torce pelo Obama. É o reflexo de uma fase nova. Esse sentimento, que aumenta com a deflagração de toda essa dimensão da crise, faz dele um portador dessas tendências de mudança.


A força do conservadorismo



Agora, você vê também o papel e a força do conservadorismo nos EUA. Há uma contenção muito grande, Obama não está na crista da onda. Vai haver um índice muito grande de comparecimento e uma baixa abstenção, inclusive porque o outro lado quer conter Obama e vai votar. Por isso o resultado da eleição é imprevisível.
Para mim, é a eleição mais importante nos EUA desde a 2ª Guerra Mundial. E é a primeira com uma polarização tão forte da sociedade. Há, como dizem os franceses, um grande 'bouleversement' (convulsão, subversão).