Pablo Capistrano : Luis Maranhão: o tempo e o homem
Meu tio, Antônio Capistrano insistiu para que eu lesse o livro de Maria Conceição Pinto de Góes, sobre Luiz Maranhão. Havia algo de afetivo nessa insistência porque foi junto a Luis Maranhão, antes do golpe de 1964, que meu tio Antônio, meu tio Benjamim e
Publicado 05/11/2008 13:46 | Editado 04/03/2020 17:08
O livro “A aposta de Luiz Ignácio Maranhão Filho: cristãos e comunistas na construção da utopia” (UFRJ, 1999) não é apenas uma biografia. Há uma idéia de Hegel, que também se manifesta em Marx, que indica que nenhum homem pode ir além do seu próprio tempo. O que significa isso? Em um dos textos clássicos da filosofia do século XX “Introdução à leitura de Hegel”, Alexandre Kojève aponta muito bem para o sentido dessa frase quando diz: “O homem, portanto, só pode aparecer na terra dentro de um rebanho”.
Isso diz muito porque o que espanta na vida de um homem é como ela pode ser a um só tempo, a sua própria vida e a expressão de sua época. Como pode ser em um mesmo sentido, a vida que esse homem vive, na solidão de suas dores, de seus sonhos, suas escolhas e suas tragédias e ao mesmo tempo, a manifestação de seu tempo, de seu espaço, de seu contexto. O que Hegel e Kojève nos ensinavam é que o homem não pode ir além de seu próprio tempo exatamente porque ele está diante da história, diante da tarefa de responder as demandas de um momento e de um espaço determinado. É justamente por essa percepção que o livro de Conceição de Góes não é apenas uma biografia, ou melhor, não é só a biografia de Luis Maranhão, personagem central da vida política potiguar do último século, muitas vezes eclipsado da memória coletiva natalense pela sombra que seu irmão mais famoso (o Ex-prefeito de Natal Djalma Maranhão) projeta sobre ele. Como Djalma, Luis Maranhão reteu na história da sua vida as marcas da tragédia de uma geração de brasileiros que acostumou-se a sonhar com uma utopia que (a despeito de ser ou não viável) era a utopia daquela geração.
Conceição de Góes não pensa apenas a pessoa de seu biografado, seu livro é, antes de tudo, o ensaio de uma época, a análise de uma aposta teórica que une em um mesmo círculo bases cristãs da ação católica de grupos como a União da Juventude Católica ou da Juventude Universitária Católica (que aprendiam a fazer política enquanto pareciam estar fazendo religião), a fundamentação filosófica que o contato com a obra de Marx (a partir da doutrina do partido comunista brasileiro) proporcionava e os conceitos da nova esquerda que brotavam a partir da leitura desnazificada que Heidegger promoveu de Nietzsche no final dos anos trinta. Cristianismo, comunismo e existencialismo eram liquidificados naqueles anos conturbados, sob o cenário de uma Natal que iniciava de modo muito tímido, os primeiros passos de sua modernização.
A história de Luis Maranhão é lida junto da história da cidade do Natal, de seus personagens, de suas ruas, de suas disputas provincianas e intrigas políticas, de seu ritmo caiçara, em um tempo em que não havia grandes arranha-céus nem imensas auto-pistas cortando a noite com seu serpentar de rasgos luminosos. Assim, a história de um homem pode se metamorfosear na história de seu tempo e na leitura, que os jovens daqueles anos, faziam de sua própria época e da demanda de seu rebanho.
A idéia de Kojève, que tão bem nos faz entender a tradição de Hegel e de Marx é mais ampla do que o que está contido no fragmento que eu citei anteriormente, ele diz: “O homem portanto, só pode aparecer na terra dentro de um rebanho. Por isso a realidade humana só pode ser social. Mas, para que o rebanho se torne uma sociedade, não basta apenas a multiplicidade de desejos; é também preciso que os desejos de cada membro do rebanho busquem – ou possam buscar – os desejos dos outros membros”. Por isso o livro de Conceição de Góes é tão instigante: ele consegue, com amplitude e leveza, fazer com que o leitor sinta a natureza do desejo que levou homens como Luis Maranhão a apostar no risco da utopia em um tempo no qual a vida de um homem valia apenas o preço dos seus sonhos.
Pablo Capistrano é, tem mestre em filosofia e bacharel em direito, estar concluindo doutorado em letras. É professor da FARN e da Escola Domestica de Natal. Publicou três livros – Domingos do Mundo (Poesia), Descoordenadas cartesianas em três ensaios de quase filosofia (ensaios) e Pequenas Catástrofes (Prosa). Com este último ganhou o prêmio literário Câmara Cascudo, na categoria prosa. É colaborador do Jornal de Hoje, onde publica artigos. www.pablocapistrano.com.br