Histórias de um mundo em guerras

As impressões de quem esteve em países arrasados por guerras e conviveu com pessoas à beira da morte, sua cultura, sentimentos e necessidades, estão registradas no livro “Memórias do Iraque e Timor Leste”, do médico Stemberg Vasconcelos com prefácio assin

No ano de 1998, Stemberg Vasconcelos foi enviado ao Iraque para cumprir mais uma missão humanitária comandada pelas Nações Unidas. Este era o terceiro país seguido o qual ele disponibilizava os seus serviços de médico sanitarista. Antes disso, Stemberg já havia passado por Guiné-Bissau, em 92, e Sarajevo, em 96. “Apesar de não existir uma disciplina sobre isto na faculdade, eu acabei me especializando em cuidar de pessoas que tiveram suas vidas destruídas pela guerra”, confessou.


 


Do Iraque, ele seguiu para o Timor Leste, em 2002, e da passagem por estes dois últimos países surgiu o livro “Memórias do Iraque e Timor Leste” que Stemberg Vasconcelos lança no início de dezembro. Conversar com este médico, hoje, funcionário do Ministério da Saúde, antes do lançamento de sua publicação, é um presente e, ao mesmo tempo, uma aula de história e humanidade.


 


Os primeiros contatos com o pós-guerra…
Stemberg começou a trabalhar para a Unicef, no Recife, em 1986. Esta entidade é uma das várias agências humanitárias mantidas pelas Nações Unidas no mundo e sempre que há a necessidade de uma missão, as Nações Unidas selecionam seus agentes e entra em campo. “A pessoa quando é selecionada para uma missão humanitária como esta, ela não é obrigada a aceitar. Se quiser, ela pode ser transferida para um outro país que também esteja precisando dos seus serviços”, explicou o médico.


 


O ex-missionário conta que aceitou participar das missões por uma iniciativa puramente solidária. “As Nações Unidas trabalham especificamente com mulheres e crianças, que eram o meu público de trabalho aqui. Então, resolvi ajudar”, comentou.


 


Com este espírito humanista, Stemberg viajou para Guiné-Bissau, onde passou dois anos; foi relocado para Sarajevo, quando cumpriu mais um período de dois anos, e, por fim, Iraque seguido do Timor Leste. “Eu era enviado para esses países, mas havia também momentos de férias em que eu era liberado para ver minha família”, disse. “Geralmente, você não passa muito tempo nesses locais para a sua segurança e dos habitantes daquela região”, completou.


 


Momentos que marcam…
Em “Memórias do Iraque e Timor Leste” vemos constantemente os momentos de dificuldade do médico e sua equipe nestes países. Falta de medicamentos, problemas com os mantimentos e a vida por um fio. Momentos contrapostos com passagens de extrema delicadeza quando Stemberg conta um pouco da história destes países para que possamos entender o contexto político e social daquelas regiões.


 


Uma dessas situações narradas por Stemberg no livro, se passa no Iraque e trata do possível desperdício de alimentos. “No pós-guerra, as crianças são as mais atingidas e os casos de desnutrição são graves. Contra isso, nós temos dois tipos de alimentação que contribuem bastante para a melhora dessas crianças, são o biscoito nutritivo e o leite terapêutico”, falou.


 


Nesta passagem do livro, Vasconcelos conta que o leite terapêutico estava perto da data de vencimento e para não perder o precioso alimento, saiu distribuindo-o por outros postos de saúde locais. “Num desses postos, encontrei com uma mãe e ela me disse que já conseguia enxergar vida nos olhos do seu filho graças à utilização daquele leite na alimentação da criança”, descreveu.


 


Em outra parte de “Memórias do Iraque e Timor Leste”, o médico relata que teve a sua vida ameaça através de uma carta anônima. Segundo Stemberg, nas regiões destruídas pela guerra não há luz elétrica, mas as Nações Unidas fornece energia para os seus postos de saúde. “Eu descobri que havia um iraquiano roubando a nossa energia. Logo depois, eu recebi uma carta anônima que me ameaçava de morte caso eu tomasse alguma providência sobre esse assunto”, desabafou.


 


O ex-missionário explicou que ficou hospedado em um hotel da região enquanto todo o caso se resolvia. Em seguida, ele soube que o responsável pelo roubo de energia foi preso e o médico pôde voltar para o posto de saúde.


 


A aventura no campo das letras…
Tudo o que fazia, sentia e presenciava nestes países era cuidadosamente anotado por Stemberg Vasconcelos em um diário. De volta ao Brasil, o médico consultou alguns amigos sobre a possibilidade de colocar aqueles relatos em um livro. “Na verdade, eu não sei que tipo de impacto um livro como este causa nas pessoas, mas como são histórias de povos diferentes, em situações diferentes das que vivemos aqui no Brasil, eu resolvi publicá-las”, argumentou.



 
Em 2006, Vasconcelos editou uma espécie de volume 1 de suas memórias como missionário. Era o “Memórias de Guiné-Bissau e Sarajevo”, com histórias dos dois primeiros países onde trabalhou pelas Nações Unidas. Agora, ele lança uma continuação: “Memórias do Iraque e Timor Leste”.


 


Todo o trabalho foi bancado pelo próprio médico, sem a ajuda de editoras. Apenas a colaboração de amigos na hora de diagramar e deixar a obra pronta para ser impressa. “Escrever um livro dá trabalho”, brincou.


 


A escolha por Luciano Siqueira…
Stemberg Vasconcelos e o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira, são amigos de longa data. Se conheceram ainda na faculdade e, durante um tempo, dividiram a mesma sala de aula. “Nós entramos na faculdade para o mesmo curso e na mesma época. Luciano deveria ter se formado comigo, na turma de 72, mas infelizmente teve seus direitos estudantis cassados pelo regime militar e só pode voltar a estudar três anos depois”, relembrou.


 


Porém, o tempo não afastou os amigos. Enquanto Luciano Siqueira finalizava a faculdade, Vasconcelos já trabalhava na Maternidade Barros Lima e foi lá que eles voltaram a ser colegas de profissão quando Siqueira foi cumprir residência naquela unidade de saúde.


 


De lá para cá, a admiração mutua cresceu e culminou no trabalho de um em que o outro está presente. “Siqueira é um grande amigo e foi um dos que me incentivou a publicar este livro. Ele é uma pessoa extremamente inteligente e escreve muito bem. Por isso, eu o convidei para assinar o prefácio do meu livro”, concluiu.


 


O livro ''Memórias do Iraque e Timor Leste'' escrito pelo médico Stemberg Vasconcelos será lançado no dia 4 de dezembro, no auditório da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no Recife. A Funasa fica na avenida Rosa e Silva, nº 1489 – bairro dos Aflitos. O evento começa a partir das 19h.


 


Do Recife,
Daniel Vilarouca