Gestão cultural em ritmo de mudanças: Nirez assume direção do MIS
O memorialista Nirez é indicado pela Secult para dirigir o Museu da Imagem e do Som e já encara desafios.
Publicado 14/01/2009 10:50 | Editado 04/03/2020 16:35
A memória da música brasileira, em seu período que vai dos anos 20 aos anos 60, quando ainda esta ainda era acessada através do suporte fabricado em cera e reproduzido nos gramofones, vem sendo representada há meio século pela figura discreta de um pesquisador que ainda hoje faz de sua casa um espaço de pesquisa e de preservação. Ele também é responsável pela preservação da memória visual da cidade, guardando fotos que já serviram para o embasamento de muitas pesquisas. No fim da tarde de hoje, este compromisso pessoal com a cultura passa a se manifestar, também, através de um outro aporte, o apoio oficial. É que o jornalista e historiador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, assume o Museu da Imagem e do Som, órgão da Secretaria de Cultura do Estado, em cerimônia na sede do MIS. O veterano memorialista tentará dinamizar uma instituição que ele próprio considera defasada.
Aos 74 anos, Miguel Ângelo de Azevedo, filho do escritor Otacílio de Azevedo, sempre esteve associado a seu Arquivo Nirez, fundado por ele em 1958 e sediado em sua casa, no bairro Rodolfo Teófilo. Um espaço que recebe cerca de 300 pessoas por mês, que já se viu ameaçado por infiltrações de água, lixo e muriçoca -o que provocou a perda de parte de seu acervo – e que, sem qualquer incentivo público, se manteve por décadas um patrimônio em construção. Em 2002, foi contemplado com recursos da Petrobras para a digitalização de seus 22 mil discos de cera, uma das maiores coleções do país, mas apenas uma parte de seu acervo, composto ainda por objetos e, sobretudo, imagens da Fortaleza de outros tempos. Também é autor de vários livros, como ´Enciclopédia da Música Brasileira – erudita, folclórica-popular´, ´O Balanceio de Lauro Maia´ e ´Fortaleza de Ontem e Hoje´. Um trabalho reconhecido por prêmios nacionais como o Troféu Sereia de Ouro, em 1994.
Agora, Nirez compartilhará as atividades museológicas de caráter mais doméstico com a rotina no Museu da Imagem e do Som, um órgão criado em 1991 com a intenção de preservar e difundir a memória audiovisual do Estado, em consonância com noções de antropologia cultural e que, na prática, está muito longe disso, tanto que é muito pouco conhecido pela sociedade cearense. Nos últimos sete meses, o MIS estava sendo administrado por Danilo Costa. Ao lado de Nirez, estará agora o novo diretor técnico do Museu, o museólogo Michel Platini Fernandes da Silva. ´Na verdade não tenho uma meta pré-estabelecida, mas alguns projetos. No entanto, é preciso me inteirar da situação do Museu´, antecipa.
Fórum e outros olhares para a cultura no Estado
Durante a posse de Nirez no Museu da Imagem e do Som (Av. Barão de Studart, 410), em cerimônia que contará com a presença do Secretário de Cultura Auto Filho e de convidados do meio artístico, a partir das 17h, será anunciada, oficialmente, a criação do Fórum Estado/Sociedade do Audiovisual, organizado em parceria com a Associação Cearense de Cinema e Vídeo (AACV). O que confirma a proposta da Secult de manter o diálogo com o setor, que reclama condições de apoio semelhantes às de estados como a Bahia e Pernambuco, justamente no momento em que se processa mais uma mudança interna na Secretaria de Cultura, com a saída de Pedro Domingues da coordenação de ação cultural, cargo que passará a ser de desempenhado pela atriz, professora e pesquisadora, além de ex-secretária de Cultura de Sobral e ex-diretora artística do Theatro José de Alecar, Rejane Reinaldo. ´Ainda estou tomando pé das coisas. Tem muito a ver com o próprio plano de governo que a gente construiu na campanha do Cid, uma política cultural voltada para a sociedade, não apenas para artistas, uma premissa também do governo Lula´.
Entrevista – Miguel Ângelo de Azevedo (NIREZ)
Jornalista e historiador, novo diretor do Museu da Imagem do Som (MIS/CE)
Você já havia recebido convites para trabalhar em gestões públicas? Quais as suas metas à frente do MIS?
Foi a primeira vez. Nunca recebi nenhum convite de cargo público. Foi feito através de um amigo meu, o Pedro Álvares, em conversações sobre uma sede do Arquivo Nirez. O Secretário perguntou Ele me consultou e eu aceitei, agora, na verdade, não tenho uma meta, uma relação de trabalhos que vou efetuar, tem que ver para dimensionar a situação. Tenho alguns planos.
E a sede?
Durante o seminário dos 50 anos do Arquivo, o Secretário me prometeu uma sede. E agora, falou em uma sede grande para os dois museus juntos, uma nova sede. No MIS, não cabe nem os próprios livros.
Mas se sabe que você também sempre foi meu arredio ao poder público…
O poder público é mutante, muda o secretário, a chefia. Por isso é perigoso ceder um arquivo como o meu, que pode correr risco de ser surrupiado depois. Agora que estou diretor é uma coisa. Quando sair, é outro momento…
Você já visitou o Museu? Como está o acervo do MIS?
Já visitei, estive lá visitando para ver como é que está. A priori, ele vai andando. O acervo não é grande coisa não, mas é um começo. O que mais gostei foi desses depoimentos. Tem um do líder integralista e ex-secretário de Cultura, assassinado… Denizar Macedo de Alcântara. Eu o conheci. E outros que na me ocorrem agora. Em termos de imagens, é meio fraco. Tem muita imagem do meu arquivo, cópias de coisas que eu cedi há uns anos.
Qual será a relação do Arquivo Nirez com o MIS?
Vamos ver o que podemos fazer em termos de cópia, um ajudando o outro. Fazendo um intercâmbio, como pretendo também fazer um intercâmbio com outros museus de imagem e do som do país.
Não será desta vez, então, que o Arquivo será encampado pelo poder público?
Não. Eu quero estar por perto do material. Nunca o poder público dá o cuidado que a gente tem. Além disso, o Arquivo é a minha cachaça, e não quero me desassociar dela. Afinal, o colecionador nunca deve completar a coleção. Vou deixar isso para quando eu morrer.
E quais são os planos?
Por exemplo: uma época, já fizeram uma série de depoimentos de pessoas da cidade, uma espécie de história oral, gravada lá no acervo. Infelizmente, isto foi suspenso. Eu pretendo continuar este trabalho. A priori, em áudio, mas pretendo ver se consigo fazer em vídeo. Pretendemos difundi-los pela internet também.
Com quem serão estes depoimentos?
Em geral, com personalidades ligadas à cultura, musica, cinema, à história da cidade etc. Mas também não podemos esquecer dos vultos populares, incluindo comerciantes, lojistas, industriais, jornalistas, historiadores e pesquisadores do Instituto do Ceará, até pessoas importantes de outros estados que estejam de visita. Pessoas que se julgue importantes. Baseado nestes depoimentos, pode-se até reescrever a história do Ceará. Por exemplo, um vereador caçado no golpe de 37, o Valdemar Caracas, foi funcionário da RFFSA, fundou o Ferroviário, está com 101 anos e lúcido… E muita gente importante…
Tem alguma outra idéia? É possível vislumbrar um estúdio para gravações?
Vou dar tudo de mim para ajudar os artistas que precisem do museu para dar um respaldo para ajudá-los a concretizar seu trabalho. Existe uma verba de um projeto para aquisição de acervo, vamos ver o que se pode conseguir para melhorar o acervo do museu. Mas tenho primeiro que tomar pé, ver como é que estão as coisas. Em relação ao estúdio, acredito ser possível. Um estúdio hoje é muito mais fácil. Antigamente, era um processo mais industrial. Hoje está muito mais fácil. Pretendo instalar um estúdio de dom e de imagem, inclusive para gravações de CDs.
E o acervo de discos do MIS?
O museu já tem um arquivo de quase 500 discos de cera, adquiridos de um colecionador cearense que morava no Rio, o Padilha. Ele faleceu e a família entregou este acervo. Isto é um dos trabalhos que vou começar fazendo, pois não foi nada pago à família. Vou cuidar disso. E tem muitos discos de vinil, desorganizados.