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Uma esquerda necessária: programa, política, partido

Com o artigo reproduzido a seguir, de autoria do secretário de Organização, Walter Sorrentino, o PCdoB inicia a publicação de uma série de textos que visam estimular o debate acerca dos assuntos que pautarão o 12º Congresso do partido. Marcado para novemb

O 12º Congresso do PCdoB tem desafios singulares e instigantes. É certo que nenhum congresso partidário entra na história por antecipação, mas este estará impregnado de grandes questões, que podem abrir ao país e ao PCdoB um período mais fértil, e impulsionar a renovação da cultura política partidária.



As singularidades proveem do complexo período que vive o mundo em rápida transformação. A crise da globalização neoliberal representa a falência dos 30 anos tormentosos das reformas liberais dos anos 80, com a experiência avant la letre no Chile de Pinochet nos anos 70, em substituição aos assim chamados 30 anos de ouro do segundo pós-guerra. Ainda imprevisível quanto à sua intensidade, ritmo e desdobramentos, ela provoca a falência do discurso dos apologistas do ciclo anterior, numa nova versão de que não há alternativas por ora, a não ser o retorno do pêndulo do papel do Estado nas medidas fiscais contracíclicas e de saneamento dos créditos tóxicos.


Todas as medidas de emergência são essencialmente nacionais, ou seja, de intervenção dos Estados nacionais. Não há por ora nenhuma medida mais avançada de coordenação interestatal, o que deve acirrar a pressão competitiva em escala global e pode resvalar para o protecionismo que dificultará ainda mais a retomada da economia.



Com isso se abre outra fase de luta política, pois que desvela o caráter do Estado, tomado refém dos interesses monopolistas das corporações industriais e financeiras e revela a falácia do discurso neoliberal sobre Estado e mercado, evidenciando que o capital a tudo submete. Vai ficar mais claro que o capitalismo, em seu regime de acumulação, quer prescindir de fronteiras nacionais, Estados nacionais e soberania nacional, mas com isso engendra contradições mais poderosas. Ademais, tal regime bloqueia saídas de padrão civilizatório mais elevado de que está prenhe a humanidade. Por isso, a situação repõe no mundo o debate das alternativas.



A crise atinge por força o Brasil, que restou inerme na defesa de seus interesses na onda neoliberal. Mas, ao mesmo tempo, parece indicar que as condições para enfrentá-la são melhores hoje que em qualquer período anterior, fruto do esforço dos últimos anos. Se isso se confirma, há uma janela de oportunidades que aponta para um reposicionamento do papel relativo do país no contexto mundial, no sentido de sua maior projeção e liderança, na medida de sua clareza e capacidade de lutar de forma afirmativa por seus interesses.



O atual ciclo político liderado por Lula reabriu perspectivas para o desenvolvimento econômico, democratizou a sociedade e melhorou a renda do trabalho e da população mais desassistida. Em que pese o caráter meeiro de sua política econômica, e a política macroeconômica que é expressão concentrada de compromissos da “carta aos brasileiros” com os setores financeiros, esse é um fato: os índices de popularidade do governo têm tudo a ver com a mobilidade social ascendente de milhões de brasileiros.



Com isso, a nação retomou horizontes. Significa que matura a consciência e ação por um projeto nacional afirmativo e soberano, desenvolvimentista, de democratização social e política, integração regional e política externa anti-hegemonista. Tudo, naturalmente, num ambiente de forte disputa política e tensões que acentuam os desafios da esquerda brasileira. 



Trata-se de uma importante viragem na conformação de forças com respeito à década de 90 e início dos anos 2000, que se reflete no comportamento das forças políticas, intelectuais e sociais. Nesse quadro há objetivamente, por um lado, a tendência a um quadro de forças configurado num trinômio. Trata-se de uma grande formação de centro-direita, capitaneada pelo PSDB (mais DEM, PPS e outras forças intermediárias); outra grande formação de centro-esquerda, capitaneada pelo PT que busca manter sua atração à esquerda (PCdoB, PSB, PDT) mas também disputa espaço ao centro; e finalmente uma grande força de centro propriamente dito, o PMDB, com seu paradoxo de só poder ser o maior partido às custas de não ter um projeto presidencial próprio. Ele é o fiador da governabilidade à sua esquerda ou à direita. Cristalizar esse quadro tripartite é o que se intenta com a pretendida reforma política: a “modernidade” nacional não seria nem essencialmente democrática nem popular.



De outra parte, é forçoso considerar a partir da experiência histórica brasileira que o caminho da afirmação nacional exige reunir amplas forças, sobretudo agora tendo em conta os efeitos da crise. Ao mesmo tempo, carece-se de constituir no seio dessa unidade forças com clareza e determinação para conduzir um projeto nacional com uma estratégia econômica determinada, que reposicione o país no rol das nações como pólo de maior liderança, constituir o centro de gravidade de um governo avançado, projeto esse capaz de equacionar o défice democrático e social do país.


 


Ou seja, as forças populares e de esquerda também são exigidas objetivamente pela situação, para apontar para uma unidade decisiva entre o nacional e o popular, condição indispensável um para o outro para uma nação. Esse é o sentido de classe de um projeto nacional, com vastas repercussões sobre a esfera econômica, política, social e cultural, para indicar avanços decisivos para a vida dos brasileiros.



A confluência dessas questões marcará o debate do país até 2010 e mesmo depois, tendo por substrato a crise e as repercussões geopolíticas dela no mundo. Marcará, consequentemente, o 12º Congresso do PCdoB. Uma esquerda forte e bem apetrechada estrategicamente é cada vez mais necessária à modernidade do Brasil e isso se consubstancia num projeto político, um programa e um partido.



Um projeto para o país enfrentar a crise, abrir caminho a mudanças mais afirmativas da nação, enfrentar e vencer a disputa presidencial de 2010 em disputa com as forças que sustentaram o caminho oposto na década de 90, hoje sem discurso à altura das expectativas da nação. Constituir para tanto uma maioria política sólida, em cujo centro atuem forças de esquerda, para um governo consistente para com os desafios nacionais, democráticos e da ampliação de direitos sociais dos brasileiros.



Um programa que incorpore esse desafio e aponte para soluções mais profundas, como alternativa civilizatória ao capitalismo, de sentido patriótico e popular, cuja consequência última é abrir caminho à transição ao socialismo. A questão nodal é um poder político com base nas amplas forças populares, que una a nação em torno de uma plataforma avançada, continuidade em patamar mais consequente da luta pela afirmação nacional e democrática. Trata-se de tornar essa alternativa mais tangível, partindo não apenas dos primados teóricos, mas da realidade viva do país, pois o universalismo da teoria só pode ser enriquecido a partir do particular concreto, e esse é um desafio essencialmente nacional, espaço privilegiado para se pensar estratégias de transformação social que alcancem implicação global.



Um partido capaz de reunir inteligência, convicção, talento político e compromissos militantes em torno desse projeto e programa. Tem sido uma forte cultura, em todos os congressos partidários, dedicar-se ao tema da construção da organização política necessária aos desafios designados. Neste atual, a questão assume forma concentrada: onde se consubstanciam tais atributos em qualquer organização política?


 


A resposta só pode ser uma: nos quadros partidários. Haverá aí um esforço de renovação de cultura política, no sentido de uma política de quadros atualizada, voltada para os desafios do tempo, livre dos condicionamentos modelados por outra época ou desafios estratégicos de outro molde. Política de quadros é a essência da questão organizativa, hoje e sempre. Trata-se de um debate que promete um grande desenvolvimento do PCdoB, para se tornar mais influente e maduro no plano da luta política, social e de ideias, e formar – nas condições do presente – a nova geração de lideranças comunistas da luta do povo brasileiro.



Congressos partidários na tradição dos comunistas apontam as perspectivas de luta, reúnem a militância e a unifica politicamente, renovam as direções partidárias em todos os níveis. Passa-se em revista o conjunto do movimento. No 12º Congresso, o PCdoB chega mais maduro, experiente e ainda mais compromissado com os trabalhadores, o povo e a nação. Aos 87 anos, está em expansão, pode ultrapassar a marca dos 100 mil militantes. São bons augúrios, a motivar um processo bem organizado e participativo, que solicita o empenho militante de todos e todas desde já.


 


O país necessita de uma forte e influente esquerda, e o PCdoB buscar qualificar-se para isso.


 



Walter Sorrentino, médico, é secretário nacional de organização do PCdoB