Debate analisa mudanças e perspectivas na América Latina
''Para orgulho do continente, a América Latina está na contramão das tendências mundiais. Foi o maior laboratório do neoliberalismo e hoje é o elo mais fraco dessa cadeia''. Esse foi o ponto de partida da intervenção do sociólogo Emir Sader, no debate ''O
Publicado 17/04/2009 13:28
No encontro – promovido pelo Portal Vermelho, em parceria com a agência Carta Maior, a Boitempo Editorial e a Fundação Maurício Grabois – os palestrantes discorreram sobre os processos de resistência e busca de uma alternativa antineoliberal no continente.
De acordo com Emir Sader, para compreender o cenário de mudanças na América Latina, é preciso observar o quadro em que as transformações estão inseridas. O sociólogo explicou que esse foi um período de viradas regressivas. ''Saímos de um mundo bipolar, para um mundo unipolar, sob a hegemonia dos Estados Unidos. Passamos de um ciclo expansivo do capitalismo, para um recessivo. E deixamos o modelo regulador, keynesiano, para adotar um modelo neoliberal'', disse.
O sociólogo ressaltou também a regressão de fatores subjetivos do socialismo. Segundo ele, o mundo do trabalho perdeu sua capacidade articuladora. ''O emprego formal diminuiu significativamente. E a identidade comum do trabalho também. O nível de sindicalização baixou e a própria quantidade de gente que diz 'eu sou trabalhador', como primeira identidade, diminuiu. Até porque grande parte está na economia informal, passam de uma profissão a outra''.
Para Sader, essa regressão foi preenchida por aquilo em que a hegemonia imperialista é mais forte: pelo modo de vida americano. ''Houve a regressão de categorias que são fundamentais, como a organização coletiva, a política, o partido, o trabalho e o Estado. Isso foi substituído por uma cultura consumista, individualista'', avaliou.
O sociólogo afirmaou, então, que, se a América Latina foi o ''paraíso do neoliberalismo'', o local em que essa experiência foi mais radical, foi também onde as deficiências e o esgotamento do modelo apareceu mais precocemente. ''América Latina vive hoje uma ressaca do neoliberalismo'', colocou.
Emir Sader disse que, após o período de ditaduras e o neoliberalismo, o continente surpreendeu, com o início de uma resistência antiimperialista que, após a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, evoluiu para uma etapa à frente. ''Com Chávez, se passou da época de resistência à época da construção de uma alternativa''.
A nova esquerda
Segundo o debatedor, a esquerda latino-americana está em sua terceira fase de estratégias. A primeira, teria sido a das reformas, que foi seguida pela fase de guerrilha. Agora, as esquerdas estariam experimentanto um momento que combina a sublevação popular, a solução político-eleitoral e a reforma do Estado.
Ele defendeu que a nova esquerda atrela todos esses elementos. E que os movimentos sociais que, sob o discurso da autonomia em relação a governo, não se transformaram em forças políticas, ficaram para traz. ''Não há força social que resista muito tempo se não vira força política. Não há povo que fique na rua o tempo todo'', expôs, citando o exeplo da Bolívia, onde os movimentos se uniram para criar um partido.
Diferença entre os países
Reconhecendo que, na disputa pela hegemonia, a nova esquerda latino-americana não é igual, Sader defendeu que a linha divisória, nesse sentido, está entre os países que assinaram o Tratado de Livre Comérico com Estados Unidos e aqueles que valorizam a integração regional. E alertou que a tentativa de dividir os países, apontando uma ''boa'' e uma ''má'' esquerda no continente é um discurso que só interessa à direita.
''Tratado de Livre Comércio quer dizer vale tudo. Então a economia mais forte do mundo – um peso pesado – senta com México, Chile e Peru – pesos pena – e pode tudo. Esses países alienaram seu futuro'', avaliou.
Sader disse ainda que Equador, Bolívia e Venezuela estão em uma dinâmica de ruptura e construção de um modelo alternativo, antineoliberal, mais avançada.
Enquanto Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, vivem um processo contraditório.
''No Brasil, o governo está em disputa. Há a tentativa de retomada do desenvolvimento, avanços sociais, mas isso se choca com a autonomia do Banco Central, o modelo do agronegócio e a ditadura da mídia privada'', enumerou, prevendo que a crise exigirá uma mudança. ''A crise diminui a base material da economia. Não dá mais para continuar com a taxa de juros alta e fazer política social'', se antecipou.
Emir Sader encerrou, afirmando que o o momento é de recomposição das forças anticapitalistas. ''Pós-neoliberalismo não é uma fase histórica. A Venezuela, por exemplo, não é socialista hoje, mas segue esse objetivo'', finalizou.
A intervenção foi uma pequena mostra do conteúdo do novo livro do sociólogo, ''A nova toupeira – os caminhos da esquerda latino-americana'', lançado, ontem, após o debate. O autor faz um paralelo entre a toupeira e o capitalismo. ''Ela fica embaixo da terra, sem fazer alarde. Mas suas contradições estão todas lá. Aí de repente ela surge onde menos se espera, expondo as contradições''.
A mudança de cenário
O dirigente do Cebrapaz e secretário de relações internacionais do PCdoB, José Reinaldo, comparou a situação do mundo até meados da década de 90, com os dias de hoje. Lembrou o auge do neoliberalismo, resgatando um discurso do ex-presidente dos EUA, George Bush, no qual ele proclamava a ''novíssima ordem do mundo'', sob a hegemonia norte-americana.
''Estanos em um momento muito distinto. Há exemplos de insurgências populares, vitórias eleitorais, adoção de políticas de resistências e a tentativa de implementar um novo modelo. Há vários exercícios de resistência ao neoliberalismo, como a criação da Unasul, da Alba, do Conselho de Defesa Sul-americano'', enumerou José Reinaldo.
Ele citou como exemplo máximo desse movimento a realização da Cúpula da América Latina e do Caribe, realizada na Bahia. ''Foi a primeira reunião de chefes de estado, com presença de Cuba e sem as superpotências imperialistas. Segundo José Reinaldo, em outros períodos da história, um encontro destes ''geraria um golpe''.
Herança e perspectivas
Para José Reinaldo, a análise do que antecedeu o atual cenário da América Latina leva em conta a as contradições do modelo neoliberal, o levaram a se deteriorar, e a emergência de movimentos populares. ''O que vemos é o resultado de uma acumulação de forças. O novo ciclo é fruto das lutas contra a ditadura e o neoliberalismo, que o antecederam''.
José Reinaldo concordou com Emir Sader sobre a necessidade de não confrontar as esquerdas dos países latino-americanos, as classificando como boas ou más, uma vez que existem diferenças de condicionamentos políticos, históricos e de correlação de forças em cada lugar. Mas destacou que o grau de avanços em cada país também depende de uma questão de ''vontade política, convicção e horizonte''.
O fator Obama
O debatedor do Cebrapaz mencionou que o novo presidente americano, Barak Obama, faz acenos para uma nova relação com a América Latina, mas tem uma postura contraditória. Como exemplo, citou a comemoração dos 60 anos da OTAN, a manutenção da Quarta Frota e as declarações de Obama de que esperava um gesto de Cuba para encerrar o bloqueio à ilha.
''Ele vai emitindo sinais na retórica, que precisam ser acompanhados por gestos. Se há uma política não intervencionista, que se revogue a Quarta Frota'', opinou.Para José Reinaldo, Obama tenta não se isolar e melhorar a imagem do seu país, se aproximando do presidente Lula, uma figura popular e com prestígio.
Caminhos para as esquerdas
O representante do cebrapaz propôs alguns caminhos para a esquerda latino-americana avançar. Entre eles, continuar perseguindo a unidade política, expandir a cooperação e a integração na região – não só entre governos, mas entre atores políticos e sociais -, e definir pontos programáticos que possam servir de idéias-força para organizar o movimento de esquerda no continente. Ou seja, encontrar um denominador comum, idéias que poissam desencadear um movimento mudancista.
José Reinaldo enumerou, como elemento para essa discussão, a questão nacional, em perspectiva antiimperialista, e ligada os fatores da luta social e democrática e à defesa de estruturas sociais mais justas.